Rio Grande do Sul
Polícia destrói acampamento guarani
Rosana Bond
Com a truculência habitual, a gerência (PSDB) do Rio Grande do Sul e sua polícia, a Brigada Militar, executaram em julho uma operação inteiramente fora da lei para expulsar um grupo de índios guaranis de seu acampamento à beira da Estrada do Conde, município de Eldorado do Sul, próximo a Porto Alegre.
Todos os casebres foram destruídos a facão, crianças e mulheres ameaçadas e o cacique foi enfiado, algemado, em um veículo durante o despejo coordenado pessoalmente por Augusto Cunha, diretor da Fepagro (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), entidade sempre empenhada em beneficiar o agronegócio, seus latifundiários e criadores de gado. O vídeo gravado por uma equipe da Universidade Federal (UFRGS) prova que a ação violenta teve a cumplicidade daquela fundação.
Outro componente da brutalidade foi a sucessão de erros vergonhosos da juíza de Eldorado do Sul, Luciane Di Domenico, que, na ânsia de expulsar os índios, ao deferir o Mandado de Reintegração de Posse pedido pela Fepagro, trocou os processos, trocou as tribos, trocou as áreas, num gritante vexame jurídico.
No apressado despacho contra os guaranis, a juíza diz que a Fepagro "denunciou que em 1º de junho passado um grupo de indígenas da etnia Kaingang teria invadido a área de sua propriedade", acrescentando: "Registre-se que o mesmo grupo indígena, poucos dias antes, havia ocupado terras pertencentes ao Estado do Rio Grande do Sul, também localizadas na Estrada do Conde, no Distrito Industrial de Guaíba".
Outro componente da brutalidade
foi a sucessão de erros vergonhosos
da juíza de Eldorado do Sul…
o mais grave, porém,
é que o acampamento estava
fora da área indicada no mandado
O despacho está cheio de erros crassos, pois a etnia acampada na rodovia era guarani e não kaingang, e o processo do Distrito Industrial de Guaíba nada tinha a ver com o caso da rodovia.
A precipitada Luciane Di Domenico, sem consultar a Funai ou outros especialistas, sustentou a idéia de que tratava-se do mesmo grupo indígena.
A juíza considerou absurda a ocupação anterior (kaingang) como antecedente à dos guaranis, o que levou várias entidades gaúchas a expedirem no dia 8 de julho uma nota afirmando que "claramente, podemos perceber que não se tratava da mesma propriedade, nem do mesmo município e nem tampouco do mesmo grupo indígena". O mais grave, porém, é que o acampamento guarani estava fora da área indicada no mandado, ou seja, fora da propriedade da Fepagro.
Além disto, a juíza, os policiais e a Fepagro ignoraram a legislação na qual é estabelecido que nenhum ato envolvendo indígenas pode ser executado sem autorização da Funai, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
Os policiais e os funcionários da Fepagro destruíram a facão as estruturas das habitações guaranis. As entidades gaúchas de direitos humanos protestam que "a remoção só poderia ter sido feita com autorização da Funai ou da Polícia Federal, os únicos com competência para tratar da questão indígena, segundo a Constituição Federal", afirma a nota das entidades.
O cacique Santiago Franco solicitou a presença dessas instituições, porém o direito não foi respeitado. Por insistir que queria a Funai, o MPF e a PF ali, Santiago foi algemado e arrastado à força para dentro de uma viatura da polícia.
A área do Conde, onde se situava o acampamento destruído, é antigo território guarani, como registrado no estudo O Sítio Arqueológico Arroio do Conde, de 1975, do arqueólogo Sérgio Leite. Artefatos guaranis foram encontrados na área e hoje fazem parte do acervo do Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS.
A região de Eldorado e Guaíba — principalmente esta última — é dominada por latifundiários criadores de gado e industriais, que há décadas desrespeitam o território indígena, contando com a conivência das gerências estadual e municipal.
O despejo violento dos guaranis na estrada foi mais um episódio nos 30 anos de ataques contra a presença indígena na região, orquestrado pelo agronegócio e indústrias.