Em junho, policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) protagonizaram novas atrocidades contra o povo pobre no Rio de Janeiro. Militarizada desde fevereiro de 2011, a favela do Fogueteiro, na zona Norte da cidade, foi palco de duas execuções sumárias em menos de um mês. Em um dos casos, um jovem mecânico foi executado com seis tiros no rosto. Três semanas depois, também no Fogueteiro, um adolescente de 15 anos foi preso e executado por policiais do Batalhão de Operações Especiais da PM. No morro da Providência, mais de 800 famílias estão ameaçadas de remoção pela prefeitura e pela UPP.
No início de junho, a reportagem de AND esteve no morro do Fogueteiro, zona Norte do Rio, acompanhada de defensores públicos, ouvidores de direitos humanos e militantes da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência para acompanhar a reconstituição do assassinato do mecânico Jackson dos Santos, de 20 anos. O jovem foi sumariamente executado por policias da Unidade de Polícia Pacificadora na noite do dia 7 de junho quando levava sua sobrinha de 9 anos para comprar biscoitos. Depois de atingir o rapaz uma vez, PMs se aproximaram de Jackson e o executaram com outros cinco disparos no rosto.
— Ele falou assim: ‘não me mata, não mata!’, mas o moço atirou um monte de vezes. Ele mandou eu correr, mas eu me escondi e fiquei olhando. Eu falei que ele só tinha ido comigo comprar biscoito — disse a sobrinha de Jackson.
Durante a perícia, pedaços da arcada dentária do rapaz foram encontrados próximo ao local do crime.
— Quando eu cheguei no local ele já estava morto. Eles não deixaram eu vê-lo. E ainda me ameaçaram com fuzil e com pistola dentro da delegacia — denuncia o operário Wilson dos Santos, pai de Jackson.
— O meu filho mais novo correu em casa e disse ‘mãe, os policiais acertaram um tiro no Jackson’. Eu saí correndo descalça e quando cheguei lá, eles estavam colocando uma arma na mão dele. Eu disse ‘meu senhor, não faça isso, por favor’. Minha filha e eu levamos pontapés, socos dos PMs. Ela ainda passou por eles e agarrou o corpo, mas eles arrastaram ela para longe de novo. Foi uma covardia o que fizeram com o meu filho. Ele era muito querido aqui na comunidade. Não tinha nenhum inimigo. Trabalhava bem em tudo o que fazia. Era assistente de pedreiro e também um ótimo mecânico de motos. Essa dor é muito forte e acho que nunca vais sair de mim — lamenta a mãe de Jackson, Edileide dos Santos.
No local da perícia, dezenas de moradores denunciavam a rotina de terror imposta pela UPP no morro do Fogueteiro.
— Outro dia, um policial da UPP invadiu a minha casa e colocou a arma na cara do meu sobrinho de 12 anos. Eu falei ‘o que é isso, meu senhor?’ e ele disse: ‘Eu sou polícia’. E daí que ele é polícia? Isso tem que acabar. A gente não tem paz aqui. Quando eles passam, todo mundo fecha as portas. Meus netos não vão para a escola, os bares fecham — denuncia uma moradora que não quis ser identificada.
— Eles não vieram pra dar paz. Eles vieram pra botar o terror. A gente quer eles fora daqui. Eles estão tirando vidas, levando gente inocente, como o meu irmão. Ele tinha só 20 anos — lamenta a irmã de Jackson.
— Daqui a pouco eles descem aqui te arrasando. ‘Sobe vagabunda’, ‘vai lavar uma calcinha’. Mandar uma criança levantar a blusa? Como um sujeito consegue fazer isso? Tem que colocar atividades para essas crianças, não UPP para apontar arma para elas — protesta outra moradora.
Pouco menos de três semanas depois, uma van com cerca de dez PMs, identificados pelos moradores como policiais do BOPE — a mais letal tropa da PM do Rio — estacionou em um movimentado ponto do morro do Fogueteiro e disparou a esmo em direção às pessoas que estavam no local. Thales Pereira Ribeiro, de 15 anos, foi atingido na perna e levado pelos PMs ainda com vida, mas executado momentos depois. Wesley Abilio de Barros Ribeiro, de 17 anos, também foi atingido, mas sobreviveu aos ferimentos.
UPP e prefeitura ameaçam despejar 800 famílias
No morro da Providência, região central do Rio de Janeiro, 832 famílias estão ameaçadas de despejo pela prefeitura, com a cobertura da Unidade de Polícia Pacificadora que existe no local. A remoção é parte do cronograma das obras do projeto Morar Carioca, inaugurado pelo gerente municipal Eduardo Paes.
Uma das moradoras ameaçadas, Márcia Regina de Deus, de 53 anos, disse à reportagem de AND que por inúmeras vezes a prefeitura mentiu para os moradores para tentar convencê-los a sair.
— Ih, meu filho, já tentaram me tirar daqui de tudo quanto é jeito. Primeiro, apareceu um pessoal da prefeitura querendo medir as casas dizendo que era para fazer melhorias. Todo mundo deixou eles entrarem, até porque nós somos pobres e raramente temos condições de fazer uma reforma na nossa casa. Quando eles disseram que era remoção, eu bati o pé e disse em alto e bom som que não vou sair. Depois eles falaram que era área de risco. Eu já recebi até carta dizendo que aqui ia passar a Transoeste [corredor expresso de ônibus criado pela prefeitura do Rio] — denuncia Márcia.
Outro morador, que preferiu não se identificar, disse que agentes da prefeitura, em inúmeras ocasiões, já tentaram aliciá-lo como infiltrado na luta contra as remoções.
— Já me ofereceram até trabalho de carteira assinada na obra. Para o meu irmão, ofereceram apartamento, dinheiro e até aluguel social para ele ajudar a prefeitura a convencer os moradores a sair. Tudo isso, vale lembrar, é feito com a cobertura da UPP — denuncia o morador.