O Exército brasileiro e as demais Forças Armadas reacionárias creem ser o Poder Moderador e essa é a base ideológica que sustenta toda a sua doutrina. Isso se relaciona com a própria história da “proclamação da república”, quando o Exército deu um golpe e encerrou o Império, que agonizava e enfrentara levantamentos populares, de caráter regional, em todas as províncias importantes, que ameaçavam ruir com a ordem social dos senhores feudais; o Exército propagandeia que, ali, impediu a divisão do País, quando, na realidade, impediu a libertação da Nação brasileira das amarras do atraso latifundiário e da dominação imperialista. Desde então, é da ideologia mesma das Forças Armadas reacionárias a crença de que a “unidade nacional” – na verdade, os interesses das classes dominantes – depende de intervenções militares oportunamente calculadas e bem executadas.
A crise militar, que estourou com Bolsonaro em outubro-novembro de 2022 (mas que começa em 2015, antes de Bolsonaro, com a intervenção constante do Exército reacionário na vida política nacional), demonstra que o alto oficialato e, em especial, o generalato considera que estamos na iminência de um desses momentos em que é “necessária” uma intervenção militar. Mais: a atual crise mostra que toda a conciliação e o apaziguamento que historicamente foram a linha da casta política oficial para lidar com as Forças Armadas golpistas fracassaram rotundamente.
Bolsonaro e o bolsonarismo, como fenômeno social, não são um ponto fora da curva. Sua aparição neste momento histórico é comprovação de que fracassou a “anistia ampla, geral e irrestrita” como ápice da política de conciliação no período final do regime militar fascista. Os generais do regime militar e seus asseclas saíram ilesos e, em troca, cederam lugar pacificamente à “democracia”; no entanto, não permitiram nenhuma alteração nos currículos e nos cursos de formação da oficialidade das Forças Armadas, nem tampouco foram retirados de seus altos postos militares, e nem mesmo chegaram a reconhecer que o golpe de 1964 havia sido um golpe. A constituição de 88 é ambígua quanto à possibilidade de uma intervenção militar, mesmo sem permissão das “instituições civis”. O germe golpista, portanto, permaneceu incubado pela política de conciliação. Bastou que a velha democracia acumulasse fracassos em cumprir as suas promessas para que, diante da insatisfação e rebelião das massas, o embrião se desenvolvesse e desse em uma nova crise militar.
Do ponto de vista histórico, não chega, portanto, a ser surpreendente que estejamos novamente frente a um frenesi golpista, que desde a caserna e do alto oficialato, tenha ganhado peso significativo na opinião pública e até mesmo tenha adquirido caráter de massas. O fato de existir um movimento de massas em defesa de um golpe de Estado militar contrarrevolucionário se deve ao fracasso da política de apaziguamento com os golpistas, em primeiro lugar, e ao fracasso da própria velha democracia em cumprir suas promessas – esta última, nada mais é, do que o fracasso da política de conciliação de classes, que tem no PT o maior expoente moderno no País. Longe de serem “sólidas”, como dizem os articulistas dos monopólios de imprensa, as desmoralizadas instituições desta república ficaram dependuradas por um fio, dependentes da deliberação dos generais, que só não deram a voz de comando golpista pelo reiterado veto do Departamento de Estado norte-americano.
Agora, os mesmos erros históricos são cometidos. Em que pese os afastamentos daqueles pegos em flagrante diretamente na conspirata bolsonarista, a cúpula das Forças Armadas, que comprovadamente participou de discussões sobre intervir ou não naquele momento (enquanto de fato tem intervido abertamente, através da chantagem, na vida política nacional desde 2016) segue intocada; mais: agora é agraciada com enormes volumes de verbas públicas e o lugar cativo de não ser incomodada por mudanças drástica de rumos políticos e de sempre ter sua opinião considerada em questões sensíveis e até com primazia.
Se a política de apaziguamento nos conduziu até a crise militar atual, podemos afirmar com convicção: repetindo a mesma receita, os oportunistas e os “democratas” liberais reacionários no governo estão contratando, agora e já, a próxima crise militar, que por se apoiar em contradições acumuladas, tende a ser mais grave e perigosa. É papel dos democratas e lutadores consequentes não só defender palmo a palmo as liberdades e garantias individuais e sociais obtidas com o suor e o sangue das gerações passadas, precisamente contra os gorilas e galinhas verdes que ora ressurgem, como lutar contra essa velha democracia fraudulenta e fracassada, cuja incapacidade de solucionar os problemas de milhões de brasileiros pobres da cidade e do campo, é a causa verdadeira das suas frustrações e das águas turvas onde a extrema-direita navega.
60 anos do golpe de 1964: nem perdoar, nem esquecer!
O golpe de 1964 está na ordem do dia, na medida em que os reflexos da impunidade aos crimes dos gorilas naquele período ressoam ainda hoje em novas investidas, quer golpistas escancaradas, quer como tutela à sociedade. Toda conciliação e apaziguamento resultam em novo fôlego aos golpistas.
A tentativa da falsa esquerda oportunista de “esquecer” o golpe de 1964 é tão errônea e maligna que tem apoio dos próprios gorilas. Quando Luiz Inácio, em entrevista, disse se tratar este assunto de “história” e “coisa do passado”, o general Hamilton Mourão correu para corroborar: “Ele está certo. É história”, afirmou. O mesmo Mourão que, em dezembro de 2018, disse, sim, que um golpe de Estado encabeçado pelas Forças Armadas é constitucional se a situação de caos se instala no País, e que em 1964 era o caso. Alguém tem dúvidas de que esquecer aqueles episódios é exatamente o que querem os golpistas de hoje?
Aos progressistas e democratas, só há uma bandeira a levantar sobre este tema: Nem perdoar, nem esquecer! Abaixo o golpismo!