Compositor, instrumentista, pesquisador, produtor e criador do crítico Jota Canalha, um personagem de humor, mistura de malandro, cronista e sambista, Henrique Cazes se considera um operário da música, apaixonado pela cultura musical do Rio de Janeiro. Inquieto, ele compõe, faz arranjos, escreve livros, produz discos, lidera orquestra, e tudo mais que passa pela sua cabeça, sempre voltado para a linha da experimentação, com o objetivo de somar e atrair mais pessoas e interesses para a música brasileira.
— Comecei a tocar violão aos 6 anos de idade, como autodidata. No princípio era só brincadeira, porque música era lazer em minha casa. Era batucada, festa de final de semana. Em 1976, aos dezessete anos, entrei para o Coisas Nossas, fazendo o cavaquinho. Entre outras, o grupo divulgava Noel Rosa, e além de tocar, cantávamos, fazíamos cenas de teatro e humor — lembra Cazes, que também toca cavaquinho, viola caipira, banjo, violão tenor, entre outros.
— No final de 1979 passei a integrar o Camerata Carioca, e comecei a ler música e fazer experimentações. O surgimento da geração de músicos que vieram na década de 70 para o choro, modificou sua dinâmica interna, porque já sabiam ler música, harmonizar, escrever arranjos. Antes, os que acompanhavam o chorão tocavam de ouvido. Uma das funções dos encontros de choro nas décadas de 40/50 era repetir os acompanhamentos para memorizar — conta.
Henrique Cazes se refere a Maurício Carrilho, Luciana e Raphael Rabello, entre muitos outros que começaram a chegar no ambiente do choro por volta de 1974, com os grupos Galo Preto, Carioquinhas, Rio Antigo, e outra dezena de conjuntos, e logo depois reuniram-se no Camerata Carioca.
— Do ponto de vista de arranjos, o Camerata representa um salto em relação a tudo que se tinha até então. Ensaiávamos e experimentávamos muito. Influenciamos até mesmo na qualidade dos instrumentos que existiam, porque lutávamos junto aos luthiers para que fizessem instrumento com o nível de acabamento e afinação que precisávamos para nossas experiências, e disso todos hoje se beneficiam — expõe.
— O Luis Otávio, por exemplo, conseguiu convencer o luthier Sérgio Abreu a fazer um violão de 7 cordas de náilon. Posteriormente esse violão foi adotado por grandes nomes e disseminado. O Cavaquinho também tinha muitas deficiências de afinação, e consegui que o Mário Jorge recalculasse a escala do cavaquinho. O Joel Nascimento também sempre cobrou muito dos luthiers, não aceitando somente o que o Bandolim de Ouro fazia — continua.
Cazes faz questão de deixar claro que o Camerata não foi fundado por Radamés Gnatalli, como amplamente divulgado, mas sim pelo bandolinista Joel Nascimento.
— Joel percebeu que existia uma mão de obra qualificada, mas sem trabalho. Então foi procurar o Radamés e pedir um arranjo para a suíte Retratos, juntando a rapaziada para trabalhar em cima disso. Ele concordou e o pessoal começou a desenvolver o trabalho, com o nome ‘Joel Nascimento e Quinteto, participação especial de Radamés Gnatalli’ — conta.
— Depois de participar do projeto ‘Tributo a Jacob do Bandolim’, o Hermínio Bello de Carvalho disse que o grupo, na verdade, era uma Camerata e propôs o nome Camerata Carioca, o que o pessoal concordou. A partir daí foi divulgado que Radamés era o fundador, com injustiça ao nosso amigo Joel. Na verdade, Radamés nem sequer fez parte do Camerata, tinha somente a participação especial, fazendo os arranjos. Mas ele mesmo não tem nada a ver com esse equívoco — esclarece.
Caminho do experimento
Com o fim do Camerata Carioca, em 1986, Henrique Cazes continuou a trabalhar dentro da filosofia da experimentação, com lucro para a música brasileira. Entre os muitos trabalhos que desenvolveu, está a primeira oficina de choro na UNIRIO, em 1984, que acabou rendendo a Orquestra de Cordas Brasileira. Também esteve a frente da Orquestra Pixinguinha e Novo Quinteto.
— Em 1988 gravei meu primeiro disco como solista, e lancei meu método de cavaquinho, ‘Escola Moderna de Cavaquinho’, que está já na décima primeira edição, sendo estudado por todo mundo. Onde vou sempre tem um para falar: ‘professor’ — brinca Cazes, que também escreveu os livros: Prefácio do choro — do Quintal ao Municipal, e Suite Gargalhadas.
— Gosto da ideia de estar aparelhado musicalmente e tecnicamente para fazer todo tipo de experiência e poder elevar o nome do cavaquinho, um instrumento visto como popularesco, sem literatura técnica, e até sem método, antes de fazer o meu. Um instrumento pequenininho, apropriado para ‘crioulo tocar algemado’, como dito em piadas antigas, recontadas até hoje — continua.
Entre muitos outros projetos, atualmente Cazes apresenta o programa Choro MPB, na Rádio MPB, FM, aos domingos, de 8:00 as 9:00 hs.
— O pessoal está acordando mais cedo para ouvir choro. A estimativa da rádio é 40 mil ouvintes. Foi a primeira vez em 40 anos que o choro voltou para a rádio comercial. Para mim, isso é uma grande recompensa — comenta.
— O Hermínio Bello de Carvalho me define como um ‘músico operoso’, como se o fato do músico trabalhar muito fosse uma coisa feia. Como se o artista tivesse que viver em uma redoma. Mas, penso que o artista é um operário dentro da sua arte. Sou um operário da música. Me formei químico e acabei abandonando a carreira para dedicar a profissão de músico, tenho que trabalhar e fazer o melhor — defende.
— Toda minha produção artística, incluindo livros, método, composições, arranjos, e o Jota Canalha, um personagem de humor que criei e curto bastante, são coisas que se somam, porque por trás de tudo isso tem o amor pelo Rio de Janeiro, pela cultura musical daqui — Conclui Cazes.
O personagem Jota Canalha é definido por Cazes como um carioca desses que muitos conhecem ou adorariam conhecer. Crítico, nascido no subúrbio, frequentador de botequins, ligado ao samba. Para saber mais sobre o seu trabalho acesse: http://jotacanalha.blogspot.com/