Porecatu e a Revolução Democrática

https://anovademocracia.com.br/89/13a.jpg

Porecatu e a Revolução Democrática

Print Friendly, PDF & Email

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/89/13a.jpg

Somente alguém imbuído de um elevado nível de autodisciplina poderia realizar o trabalho de fôlego que foi a elaboração do livro Porecatu – A guerrilha que os comunistas esqueceram. Alia-se a esta autodisciplina o grande senso de oportunidade de Oikawa, pois a narrativa, além de ser um resgate histórico, constitui-se, pela sua atualidade, num verdadeiro libelo a denunciar a dominação do latifúndio e seus maléficos efeitos sobre a vida dos brasileiros nos dias de hoje.

Ao analisar a luta daquelas famílias de camponeses, na busca por um pedaço de terra para sobreviver e criar seus filhos, pela ótica da luta de classes e relacioná-la com o movimento comunista em nosso país e no mundo, o livro de Oikawa alcança a dimensão de uma obra de valor e alcance internacional.

Os fatos narrados em Porecatu são prova insofismável da condição semifeudal e semicolonial do Brasil, contradição que persiste até hoje e que, embora desprezada pela Academia, segue gritante a varar o tempo na briga por sua solução.

A burguesia não fez e nem fará

Não são poucos os intelectuais e mesmo dirigentes da esquerda oportunista que enxergam no golpe da proclamação da Republica e no golpe de Getulio Vargas (Aliança Liberal) em 1930, elementos de comprovação de uma revolução burguesa realizada no Brasil. Estas interpretações desconhecem completamente a condição em que o Brasil se inseriu no mundo capitalista através de uma versão burocrática na qual o latifúndio e a burguesia, seja compradora, seja burocrática (industrial), desempenharam desde o início o papel de sustentáculo interno do colonialismo e do imperialismo, primeiramente inglês e posteriormente ianque. Ora, como poderíamos ter realizada uma revolução burguesa sem que a questão agrária fosse resolvida?

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/89/13d.jpg
O líder dos posseiros Francisco Bernardes, assassinado em Jaguapirá, em ilustração da época

Historicamente, esta questão figurou no centro do modelo revolucionário burguês. Foi assim na Inglaterra, na França, na Alemanha, no USA, ou seja, onde a burguesia assumiu o poder de Estado, ela distribuiu a terra para os camponeses, criando e ampliando o mercado interno e implantando relações capitalistas no campo onde antes prevaleciam as relações feudais. A verdade é que com o advento do imperialismo e a divisão do mundo entre um punhado de países opressores e uma imensa maioria de países oprimidos, a exploração imperialista só poderia acontecer se contasse nos países dominados com o suporte de uma burguesia lacaia e do latifúndio feudal ou semifeudal.

Esta relação foi válida para a China, o Brasil e todos os países colocados na condição semicolonial. Daí que, no nosso caso, tanto a proclamação da República quanto o golpe de 1930 e o de 1964, assim como os períodos chamados indevidamente de redemocratização, tiveram o respaldo do latifúndio, da grande burguesia e do imperialismo.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/89/13b.jpg

Nos anos do episódio de Porecatu, a burguesia compradora, composta principalmente pelos grandes comerciantes vinculados ao comércio exterior e por banqueiros, estava filiada, em sua maioria, ao partido da UDN (União Democrática Nacional), enquanto Getulio Vargas manobrava o PSD (Partido Social Democrático), partido de composição entre parte da burguesia industrial nascente e a oligarquia latifundiária. O mesmo Getúlio havia criado também o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), em busca de cooptar o proletariado e as camadas urbanas da população, disputando apoio dos mesmos. No Parlamento, estas correntes no fundamental, cooperavam no sentido da manutenção do Estado burguês-latifundiario, serviçal do imperialismo. Mais que uma inapetência para a construção de um país soberano, a grande burguesia brasileira só poderia integrar-se numa condição submissa com o imperialismo.

Os atores envolvidos na trama de Porecatu, sejam os Lupion ou Lunardelli, pelas classes dominantes, ou as milhares de famílias de camponeses pobres, pelas classes exploradas, mais do que antagonistas, foram testemunhas vivas de uma época e de uma formação sócio-econômica que Marcelo Oikawa transporta no tempo para que cotejemos, por exemplo, com Canaã, uma terra tomada por 200 famílias há mais de nove anos, na cidade de Jaru, estado de Rondônia, numa área da União cedida a latifundiários na década de 1970. Depois de 9 anos de duro trabalho e sem ajuda qualquer do Estado, com que conseguiram transformar pastos abandonados numa área de grande produção de alimentos, tal como em Porecatu, o latifúndio consegue com sua “justiça” a ordem de despejo dessas famílias.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/89/13c.jpg

Este não é um caso isolado. Na Amazônia, principalmente, o judiciário age a todo vapor com solicitação de força policial para a realização de despejo de milhares de famílias de camponeses pobres que empenharam suas vidas por quatro, seis ou até quinze anos na formação de suas pequenas glebas e agora se vêem na condição de ficar no olho da rua. Tal como em Porecatu, este é o pano de fundo para a rebelião das massas camponesas. Hoje, como ontem, os atores são os mesmos: latifúndio, burguesia e imperialismo, pelos dominantes, e camponeses pobres, pelos dominados.

O jornalista Marcelo Oikawa, com sua narrativa, dá mais uma importante contribuição ao debate sobre o papel do Partido Comunista na direção da luta camponesa. Em Porecatu fica evidente a existência dos elementos fundamentais para que o campesinato leve adiante a Revolução Agrária: a existência do Partido Comunista, da Frente Única representada pelas Ligas Camponesas e pelos comitês de apoio nas cidades e o exército popular representado pelos camponeses em armas, dirigidos pelo partido comunista.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/89/13e.jpg

Com base tanto nos fatos da época em que situa a guerrilha de Porecatu, quanto na justa interpretação da história do Partido Comunista do Brasil, pode-se verificar que a luta por um caminho autenticamente revolucionário no partido nunca foi devidamente resolvida. É notório que a guerrilha camponesa de Porecatu foi impulsionada pela atuação do PCB, particularmente por seu manifesto de “Agosto de 1950”. As investigações de Oikawa também são reveladoras de que a viragem à esquerda na direção do PCB no final dos anos de 1940 e início de 1950, longe de ser um “desvio esquerdista”, como avaliaram posteriormente tanto o grupo revisionista liderado por Prestes quanto os que romperam com ele e reconstruíram o partido em 1962.

A posição expressa no “Manifesto de 1950” indicava uma viragem para o caminho da tomada do poder pela via armada e ao mesmo tempo a freava com a ilusão pequeno-burguesa de se obter um exército popular através da “depuração dos elementos fascistas das FFAA”. Tal linha expressava um ecletismo e uma composição na direção do partido. Além de eclética era, sem dúvida, uma posição frágil e vacilante, tanto que quando se apresentou pela via da vida a hora de levar a luta armada através da aliança operário-camponesa a direção do partido tergiversou e recuou.

Quando a guerrilha de Porecatu necessitava ser apoiada com a generalização da luta armada no campo em outras partes do país, o que o partido fez foi virar as costas. Tanto que no sul da Bahia e no Triângulo Mineiro, onde massas camponesas também já enfrentavam de armas na mão os latifundiários, o partido não apoiou. Também na luta dos camponeses de Trombas e Formoso, apoiada pelo Comitê Regional de Goiás do PCB, a direção nacional do partido logo buscou a solução negociada para o conflito de forma a institucionalizar a solução de regularização da propriedade da terra para os camponeses num acordo com o governador Mauro Borges.

 Longe de ser obscurecida pelo “esquecimento” dos comunistas, a guerrilha de Porecatu prova por um lado que, embora cometendo erros, o Partido Comunista do Brasil tal como na Guerrilha do Araguaia, aproximou-se como em poucos momentos de sua existência da realidade brasileira e do caminho para solução de suas contradições. Por outro lado, o que Oikawa chama de esquecimento é, na verdade, mais do que isso, trata-se da expressão do mesmo oportunismo de direita que vigorou no seio da esquerda brasileira nos últimos trinta anos, entregue ao mais descarado cretinismo parlamentar e servindo de coadjuvante na manutenção das putrefatas instituições do velho e genocida Estado brasileiro.

Aos que pensam o caminho revolucionário, a obra de Marcelo Oikawa se torna consulta obrigatória. A Revolução Democrática no Brasil precisa aprender com as lições de Porecatu.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: