Potosí e o falso “processo de mudança”

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Potosí e o falso “processo de mudança”

Bolívia, 11 de agosto de 2010 O conflito no departamento (estado) de Potosí, um dos mais pobres do país, revela mais uma vez a demagogia reformista do “processo de mudança” a respeito da industrialização da Bolívia. Quando a mineração é uma atividade estratégica, sem sua respectiva indústria metalúrgica, e quando a exploração dos hidrocarbonetos não gera nem sequer uma fábrica respeitável de motores a gás, o problema é de fundo.

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No dia 10 de agosto, manifestantes bloquearam a estrada que vai de La Paz a Potosí

A população de Potosí está há mais de 14 dias em greve geral e bloqueando as estradas no departamento. Começam a faltar alimentos e o governo insiste em que suspendam suas medidas de pressão como condição para “dialogar”.

Mas quais são as reivindicações da população de Potosí? A delimitação das comunidades Quillacas (Oruro) e Coroma (Potosí), ambas com jazidas de cal que também concentram ouro, lítio, cobre e urânio. Ainda que a embrulhada tenha décadas, a população tem ouvido que o Irã está interessado e prestes a explorar o urânio do lugar. A criação de uma fábrica de cimento para industrializar esses minerais cerca as petições com a expectativa de geração de emprego.

Outra reivindicação é a colocação em funcionamento da planta metalúrgica de Karachipampa, que foi entregue em 2008 à canadense Atlas Precious Metals. A construção de um aeroporto, a preservação de Cerro Rico de Potosí (esburacado internamente por incontáveis concessões mineradoras) e a construção de estradas.

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Em síntese, a população pede a industrialização tão prometida por Evo Morales em tempos eleitorais, pois se entende que por aí podem chegar o emprego, os salários e melhores condições de vida. Nada estranho se considerarmos que as populações mais remotas do departamento não têm nem eletricidade, nem gás nas alvoradas invernais de 20°C abaixo de zero.

Claro, a demagogia e o discurso não levam o pão ao estômago do povo, nem resolvem nos fatos as aspirações de desenvolvimento das regiões e populações mais atrasadas economicamente. Mas não se trata apenas de promessas eleitorais não cumpridas, senão que a impossibilidade de gerar desenvolvimento econômico no país devido às ataduras da economia às transnacionais do imperialismo, algo que não mudou no “processo de mudança” de Evo Morales.

É mais. Em pleno protesto, o governo anunciou que Evo viajará nos próximos dias à Coreia do Sul para conhecer os resultados da Korean Sources Corporation (KORES), que analisou amostras do Salar de Uyuni (Potosí) com interesse de explorar (saquear) o lítio ali contido.

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No dia 12 de agosto, manifestantes queimam boneco
representando o Ministro de Autonomias, Carlos Romero

O certo é que além das demandas populares, dos sonhos da burguesia nacional, dos anúncios de industrializar o país e da hemorragia de demagogia do governo (o Chanceler “denuncia”, sempre que pode, que as transnacionais “nos roubam”), existe uma impossibilidade de gerar uma indústria nacional (com o Estado ou sem ele) devido à forte presença do imperialismo em todas as suas formas e manifestações: desde o imperialismo ianque, cujo governo financia mais de vinte projetos do Plano Nacional de Desenvolvimento de Evo Morales, até os grandes capitais em consórcios multinacionais que têm se apropriado da exploração de distintos recursos naturais.

O valor de Potosí

historicamente, Potosí tem abastecido o mundo com recursos minerais. O sistema colonial implantado na América foi determinante para a acumulação originária de capital no nascente sistema capitalista inglês e europeu. Atualmente, ainda sofre o saqueio de seus recursos minerais por capitais imperialistas (por exemplo, a mineradora San Cristóbal, subsidiária da Sumitomo do Japão; o “projeto” San Bartolomé, subsidiário de Coeur d’Alene Mines Corporation; e outras mega-saqueadoras).

Apesar disso, é um dos departamentos mais pobres e mais contaminados do país. Segundo os dados oficiais, a pobreza beira os 80%, o índice de mortalidade infantil alcança 135 por mil nascidos vivos e o analfabetismo é de 30,8%. As condições de trabalho na mineração informal são muito duras para homens, mulheres e crianças operárias (as transnacionais empregam pouca mão-de-obra) e eles resistem mascando folha de coca e bebendo álcool.

A alarmante pobreza faz com que os povos fronteiriços tenham economias ligadas ao contrabando. Existem exemplos de povos íntegros que migram a pedir esmolas nas ruas das cidades centrais do país. Em outros casos, a população se traslada para a Argentina ou para o norte do Chile a vender sua força de trabalho, muitas vezes em condições de quase escravidão.

Por isso, não é novidade um conflito dessas proporções. Os dirigentes do Comitê Cívico de Potosí asseguram que há tempos vem conversando com o governo sobre esses problemas, mas não têm resultados em suas demandas reivindicativas. Por isso é que, em sua ira, a população declarou o federalismo (registrado por um notário de fé pública em um cabildo).

Em sua impossibilidade de gerar a tão anunciada industrialização, o governo de Evo Morales aposta em debilitar a mobilização pelo cansaço, ensaia dividir os atores sociais, condiciona o início do “diálogo” ao cessar das medidas de pressão e ameaça perseguir com a justiça os mobilizados. Mas o povo também tem armas para pressionar; a última informação reporta que um ayllu cortou a eletricidade da todopoderosa San Cristóbal.

A hora dos setores populares

Neste primeiro ano da segunda gestão de Evo Morales, os conflitos sociais foram protagonizados por distintos setores populares (camponeses, operários de fábricas, professores, indígenas e outros) e alguns deles se desenvolveram nos bastiões eleitorais do MAS, como Caravani (que pedia a industrialização da produção de cítricos) e agora Potosí.

Já passou o tempo em que a pugna de frações dentro das classes dominantes se expressava em um tíbio enfrentamento entre o governo e a denominada “meia lua” (cívicos latifundiários). Essa dinâmica política não fez mais que esconder por um tempo a contradição latente entre os setores populares e o Estado, uma contradição que torna a reativar-se porque um de seus componentes despertou.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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