São onze pernambucanos dispostos a criar o seu próprio samba, uma espécie de mistura de frevo e outros ritmos nativos, com o que já conhecem de samba em todo o país. O Pouca chinfra ajuda a enriquecer ainda mais o gênero. Com os folguedos populares bem enraizados em suas vidas, e desprovidos de frescura, como denota ‘pouca chinfra’ para o pernambucano, o grupo vem firmando sua identidade e conquistando um lugar no cenário da música genuinamente brasileira.
— Pouca chinfra aqui em Recife, apesar de ser uma expressão pouco usada, é bem conhecida como uma coisa simples, pé no chão, sem vaidade, sem frescura. É como se alguém fosse para um boteco tomar uma cerveja de chinelo e bermuda. Colocamos esse nome porque achamos que o samba é exatamente isso — explica Filipe Novais, produtor e integrante do grupo.
— Ele tem muito a ver com a festa do povo, dos trabalhadores e, antigamente, dos escravos que se reuniam para fazer a sua festa. O samba nunca foi da elite. Ele veio do morro para baixo e não do asfalto para cima. Ele é pouca chinfra mesmo, pede licença e mostra um tempero que todo mundo gosta — comenta.
O grupo surgiu de forma despretensiosa, há 5 anos, em Recife, PE.
— Nos reuníamos sempre para jogar bola, já éramos todos músicos e nessas peladas sempre falávamos de música, e fomos naturalmente fazendo encontros esporádicos para ouvir samba e tentar tocar em cima, fazendo isso como simples diversão. Até que um amigo que ia morar no exterior, nos pediu para tocar no seu bota fora, em um bar daqui. Fomos somente por sermos seus amigos, nem ensaiamos — conta Filipe.
— Mas a receptividade das pessoas foi tão boa, que passamos a nos encontrar para pensar e fazer música, ensaiar, já com um formato de banda mesmo, pensando nas apresentações profissionais. E a coisa foi fluindo, aparecendo as temporadas em bares, e outras oportunidades — continua.
— Nosso samba começou inspirado no Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Cartola e outros que já ouvimos e tocamos muito. Gostamos muito também do estilo baiano, como aquele que canta o Batatinha, que particularmente admiro muito, e outros compositores da Bahia — expõe.
O grupo também aprecia sambas de outros compositores e grupos de Pernambuco, apesar de que, segundo Filipe, são poucos.
— Aqui em Recife tem muito samba. Temos comunidades, chamadas de favelas, que muito se assemelham com os morros do Rio, onde o samba nasceu e ainda vive. Nessas comunidades daqui tem muito samba, inclusive que acontecem nas quadras das agremiações. Temos escolas de sambas tradicionais aqui na cidade, como: Gigante do samba e Galeria do ritmo, que desfilam no carnaval de Pernambuco há mais de 50 anos — fala.
— E tem muitos bares que tocam samba, mas a coisa do autoral mesmo, de alguém sair nas noites e curtir um samba de um compositor daqui, é algo bem difícil. Quem de fora vier para Recife para apreciar um samba, vai encontrar samba todos os dias da semana para ouvir, mas, de artistas de outros estados, é Neguinho da Beija Flor, Fundo de Quintal e tudo o mais — acrescenta.
Samba pernambucano
— É exatamente essa bandeira do nosso samba que o Pouca chinfra quer levantar, o que não é fácil, como o começo de qualquer coisa. Por exemplo, tocamos durante muito tempo em bares daqui um repertório calcado em composições de autores conhecidos, e tínhamos muitos lugares para isso, mas, a partir de 2008, passamos a querer apresentar nosso próprio repertório, e com isso perdemos algum espaço no mercado — continua.
Para Filipe, mesmo fechando algumas portas, vale a pena continuar. O Pouca chinfra vem com uma influência do gênero no Brasil inteiro, e um diferencial ligado aos folguedos, ritmos da cultura pernambucana e nordestina em geral.
— Naturalmente que ele tem a cara de Pernambuco, o nosso sotaque e tempero, na voz, na fala, na dicção das palavras. Quem ouve, sente as levadas na harmonia que são bem peculiares. O nosso cavaquinista toca o seu instrumento com um tempero diferente, por exemplo, do Sombrinha, do Rio de Janeiro. Os dois são excelentes, mas o nosso cavaco não pode ser igual ao dele, por conta das influências — explica.
— E isso não é forçado ou proposital, simplesmente é uma expressão da linguagem daqui. O jeito que pegamos nossos instrumento e tocamos, tem influência do frevo, por exemplo. Aqui um violonista de sete cordas, que faz bordão, baixaria, é bem diferente do que outro do Rio, por conta do frevo de bloco, que tem a sua estética musical. O carnaval daqui é muito forte, principalmente o de rua, em Olinda, Recife e outras partes, e nós crescemos vendo isso — continua.
O grupo é formado, por Filipino (surdo e voz), José Demóstenes, o Macaco, (cavaquinho e voz), Fabrício Coelho (violão e voz), Vinícius Sarmento (violão de 7 cordas), Daniel Coimba (cavaco), Mob Nascimento (trombone), Lucas Temporal (percussão e voz), Deco (pandeiro, rebolo e voz), Ernesto Júnior (percussão e voz), Lucas Araújo (bateria) e seu Lima (cuíca). Segundo Filipe, seu Lima tem cerca de 70 anos de idade, é um músico experiente e conhecido no carnaval pernambucano. Todos os demais variam idades em torno dos 30 anos. Todos compõem alguma coisa.
— Nossas músicas falam do cotidiano, do amor, das desilusões amorosas, como todo bom samba. Temos uma influência do Nélson Cavaquinho na nossa poesia. Também gostamos muito de falar de bar e mulher, lembrando um pouco obras do Chico Buarque. Para nós, a poesia está viva em toda parte. Estamos no trânsito e de repente vemos uma cena que aquilo dá música. Ou uma piada que ouvimos em uma fila de banco, no elevador ou em qualquer esquina — finaliza Filipe.
O Pouca Chinfra lançará seu primeiro disco, já em fase de finalização, no começo de 2011, mas as músicas estarão disponíveis na internet a partir deste mês, para quem quiser baixar. Contato com o grupo: (81) 8712-8091 e 3222-4969 www.myspace.com/triopoucachinfra, [email protected]