Enquanto a Comissão da Verdade continua engavetada, os gorilas da ativa e de pijama seguem colhendo assinaturas para seu manifesto “Alerta à nação”, mas o povo brasileiro está respondendo à altura. Jovens, em várias regiões do país, começaram a “esculachar” os militares e procuradores federais preparam novas denúncias contra os torturadores.

São Paulo: manifestantes exibem fotos de desaparecidos políticos
Celso Amorim, o Ministro da Defesa, encenou o enquadramento dos militares que assinaram o manifesto “Alerta à Nação”, onde criticavam a Comissão da Verdade. O Ministro afirmou que tudo será feito dentro da Lei da Anistia, ou seja, que os militares de pijama não precisam perder o sono, pois no que depender da atual gerência, continuarão tão impunes quanto antes. Segundo seus divulgadores, o manifesto já conta com mais de 2.500 assinaturas.
Mas quem achou que a resposta de Amorim esteve à altura, deve ter se assustado com a resposta popular aos militares de pijama. No dia 08/03, o Movimento Feminino Popular realizou uma manifestação pelas ruas do Rio de Janeiro, culminando com um ato público em frente ao Clube Militar. Tinta vermelha foi lançada na fachada do prédio e a calçada ganhou a inscrição “Cadeia para os torturadores já!” E manifestações como essa se espalharam pelo país e prometem continuar tirando a poeira da história.
Aqui mora um torturador
Um movimento chamado “Levante Popular da Juventude”, espalhado por diversas cidades, inaugurou o “Escrache” no país. A exemplo do que ocorre na Argentina, um grupo de jovens se dirige à casa ou trabalho de um torturador e sinaliza que naquele local vive um repressor.
As ações ocorreram no dia 26/03 em várias cidades. Em Porto Alegre, cerca de 100 pessoas se dirigiram à Rua Casemiro de Abreu, 619, para lembrar aos vizinhos que ali mora o torturador Carlos Alberto Ponzi, chefe do Serviço Nacional de Inteligência, na capital gaúcha, durante o regime militar e foi acusado pela justiça italiana pelo desaparecimento de Lorenzo Ismael Viñas, em Uruguaiana (RS), em 1980.
Em Belo-Horizonte, 70 pessoas participaram da ação realizada em frente a casa do torturador Ariovaldo da Hora e Silva, na Rua Biagio Polizzi, 240, apt.302, Bairro da Graça. Além de portarem faixas e cartazes, os manifestantes distribuíram cópias de documentos do DOPS contendo relatos das sessões de tortura com a participação de Ariovaldo. O torturador chegou a sair à janela por alguns segundos, durante o ato.
Cerca de 150 jovens protestaram em frente à empresa do ex-delegado e torturador David dos Santos Araújo, conhecido como Capitão “Lisboa”, na Zona Sul de São Paulo, Av. Vereador José Diniz, 3700. Em 2010, o MPF pediu o afastamento, perda dos cargos e aposentadoria do delegado por sua participação direta na tortura durante o regime militar. Ele teve participação no assassinato de Joaquim Elencar de Seixas e na tortura de Ivan Seixas, filho de Joaquim.
No Ceará, 80 manifestantes escracharam o ex-delegado da Polícia Federal José Armando Costa, em frente ao escritório de advocacia dele, no bairro Aldeota, em Fortaleza. Segundo relatos de ex-presos políticos, Costa era responsável pelos interrogatórios pós-tortura e obrigava as vítimas a assinar depoimentos falsos.
Na capital do Pará, Belém, cerca de 80 jovens esculacharam o prédio do torturador Adriano Bessa Ferreira e entregaram um manifesto à população, convidando-a a participar da campanha pela punição dos torturadores. Bessa, além de delatar os militantes, também atuava nas torturas, depois foi presidente de bancos e professor universitário.
Em Curitiba, o escracho foi realizado no centro da capital, na Boca Maldita. Entre os escracgados está o tenente Paulo Avelino Reis, citado como torturador pelo Grupo Tortura Nunca Mais.

Belém, PA: manifestantes escracham torturador
Para conhecer a lista com os nomes dos torturadores, basta acessar a página do Grupo Tortura Nunca Mais na internet.
Caso Curió
Apesar do clamor nacional e internacional, a justiça federal do Pará rejeitou a denúncia contra o torturador Sebastião Rodrigues de Moura, vulgo Curió. O coronel da reserva do exército é conhecido pela repressão aos camponeses e aos militantes do PCdoB durante a Guerrilha do Araguaia, que ocorreu no início da década de 1970.
A denúncia contra Curió foi apresentada por um grupo de cinco procuradores do Ministério Público Federal (MPF), no dia 14/03, e pedia o processamento do militar pelo desaparecimento de Maria Célia Corrêa, Hélio Luiz Navarro, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua Costa e Telma Regina Corrêa. Para os procuradores, os militantes foram sequestrados por tropas comandadas por Curió entre janeiro e setembro de 1974, levados a bases militares, torturados e depois não se soube mais do paradeiro deles.
Dois dias depois de receber a ação, o juiz João César Otoni de Matos entendeu que a investigação pelo desaparecimento de meia centena de pessoas é um “equívoco”. Para o magistrado a denúncia desconsidera o “grande esforço de reconciliação nacional”. O MPF recorreu da decisão no dia 26 e espera o julgamento do recurso.
MPF acusa militares
O Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo deve entrar com ações, em abril, para apurar o desaparecimento de, pelo menos, 24 pessoas, após serem presas durante o gerenciamento militar. O Coronel Ustra está entre os militares envolvidos no caso e deve ser denunciado.
O MPF do Rio de Janeiro criou um grupo de trabalho para investigar as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar. Esses grupos são chamados de “Justiça de Transição” e devem se espalhar pelo país. O primeiro foi criado em 2009, no Rio Grande do Sul. A ideia dos procuradores federais é juntar esforços para que os julgamentos dos torturadores comecem em breve. Novas ações devem ser ajuizadas em todo o território nacional.
Entenda a tese do MPF
A tese do MPF é que segundo a Lei da Anistia, não se pode julgar os crimes cometidos durante o gerenciamento militar, mas como os corpos dos desaparecidos nunca foram encontrados, existe um crime continuado de ocultação de cadáver. Assim, os casos precisam ser investigados e julgados.
A tese é a mesma sustentada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente, a OAB está recorrendo contra o julgamento feito pelo Superior Tribunal Federal, em 2010, quando o tribunal decidiu que a Lei da Anistia era “ampla, geral e irrestrita” e que, portanto, nem militares nem resistentes ao regime militar poderiam ser julgados pelos supostos crimes cometidos no período.