Há dez anos servindo de espaço para o povo expressar seus pensamentos e sentimentos através de poesias, o sarau da Cooperifa, criado pelo poeta Sérgio Vaz, esquenta as noites de quarta-feira da periferia de São Paulo. Tendo também cinema e teatro, o Bar Batidão, sede do sarau, oferece arte para a vizinhança de trabalhadores, como é a própria história do seu proprietário, o Zé Batidão, um mineiro radicado em São Paulo, parceiro de Vaz nesta empreitada.
Às quartas-feiras o povo se reune para ouvir e se expressar atraves da poesia
— O sarau começou lá em Taboão da Serra. Depois de um ano pediram o espaço. Eu já tinha esse bar e o Sérgio me pediu para fazermos aqui. Começamos com umas quatro pessoas, em um dia de frio intenso. Depois foi crescendo e hoje temos uma base de sessenta a oitenta frequentadores toda quarta-feira — conta Zé Batidão.
— A Cooperifa é uma cooperativa da periferia. Não temos vínculos com ninguém, participação de ong ou coisa parecida. E não aceitamos dinheiro de ninguém, para não cobrarem depois. Fazemos do nosso jeito. Fazemos o sarau totalmente independente. Posso dizer que é um recanto especial aqui em São Paulo. Um cantinho muito gostoso, diferente e todo mundo que vem, volta — continua.
Sarau é um evento cultural que acontece em um ambiente reservado, onde as pessoas podem se expressar artisticamente. Um sarau pode envolver poesia, leitura de livros, música, dança, teatro, pintura, cinema e outras formas.
— Aqui é só poesia, não tem som e nem barulho de gente conversando. E fazemos tudo com um enorme respeito. Mas, em meio a um grande silêncio tem muita comunicação entre todos, através da arte. O pessoal chega, marca o nome e espera a sua vez de recitar a poesia que escolheu ou fez — fala.
— São apresentadas poesias sobre qualquer assunto. As pessoas são totalmente livres, podem falar do que quiserem. Muitas vezes, pela correria do mundo, acontece de não ter ninguém para ouvir o que elas querem dizer. Então oferecemos essa oportunidade de botarem a boca no mundo, expressar seus pensamentos, sentimentos. É um espaço aberto para a livre expressão do povo — acrescenta.
— O escritor Sérgio Vaz é criou o sarau com a ideia de incentivar o pessoal daqui da periferia a ler, criar um gosto pela literatura. Ele acredita que a poesia tem uma força muito grande e a leitura pode mudar uma pessoa, enriquecendo sua vida como um todo. E por aqui notamos que as pessoas se interessam e se envolvem muito com o sarau e tudo que acontece aqui no bar. Muitos deles nunca tinham ouvido falar de sarau na vida e são assíduos frequentadores e participantes. Uma coisa linda de se vê — continua.
Durante o dia o local funciona como um bar normal, de noite se transforma em espaço de arte.
— No dia do sarau colocamos uma faixa bem grande na frente do bar, convidando o povo. Dentro da casa, botamos as cadeiras enfileiradas, sem lugar reservado. Quem vai chegando, vai sentando e fica todo mundo junto. O estranho que vem pela primeira vez tem o mesmo tratamento daquele que vem sempre, até porque quem chega aqui, daquele momento em diante já fica conhecido — diz.
— Colocamos um microfone bem na frente das cadeiras e o pessoal vai recitando suas poesias em meio a um silêncio total do pessoal que ouve. Tem dia que não dá para falar todo mundo, porque aparecem mais do que o habitual, que são cerca de oitenta pessoas, e temos que respeitar a lei do silêncio. Mas, tentamos fazer de tudo para que dê para todos — fala Zé, acrescentando que o sarau é das 21:00 as 23:00hs.
Espalhando para outros espaços
— Depois que criamos o sarau aqui, veio gente perguntar se não podíamos fazer em outros lugares também. O resultado é que já fizemos em umas trinta e cinco escolas daqui da região. Normalmente vamos até a escola, fazemos o sarau e depois os professores trazem os alunos aqui no bar, de duas a três classes por vez, e o sarau serve de aula. Quando saem daqui fazem uma prova sobre o assunto — conta.
— Não fazemos saraus em lugares nobres, só em bairros periféricos. É um movimento destinado para o pessoal de renda baixa mesmo. Contudo, atualmente estamos atingindo todos os públicos. O sarau vem sendo frequentado por pessoas de locais nobres, que vem até aqui porque ouvem falar. Isso, é claro, não é proibido, muito pelo contrário, todo aquele que quiser chegar é bem vindo. É a arte derrubando as fronteiras — continua.
Além das poesias das quartas-feiras, o Bar Batidão tem lançamento de livros, cinema, teatro, tudo gratuito.
— Os artistas daqui da Cooperifa escrevem seus livros e cedemos o espaço para fazerem o lançamento. E temos também uma pequena biblioteca. Tudo é voluntário. A pessoa pega um livro, leva, trás, empresta para as crianças fazerem trabalhos e tudo mais que quiserem. Falo para eles ‘não vou marcar seu nome, vai ficar sob seu critério. Você leva e tráz’. E a biblioteca nunca está vazia, a pessoa leva um, trás dois ou três — fala com alegria.
Outras duas atrações muito prestigiadas pelo povo daqui são teatro e o Cinema da Laje. Em uma segunda fazemos o cinema e na outra o teatro. O teatro geralmente são os espetáculos dos atores daqui. Eles apresentam no espaço, familiarizando a população local com a arte cênica, coisa que antes não tinham acesso — declara.
Assim também acontece com o cinema, quando colocamos um telão aqui na laje, arrumamos as cadeiras, e o povo vem chegando. Para completar, faço sempre cento e cinquenta saquinhos de pipoca e distribuo para o pessoal — continua.
José Claudio Rosa, o Zé Batidão, ganhou esse apelido depois que teve um boteco só de batidas. Ele nasceu em Piranga, Minas Gerais, e mudou-se para São Paulo em 1966, onde trabalhou como ajudante de pedreiro, padeiro, confeiteiro e garçom, antes de abrir seu comércio e se envolver com a arte.
O Bar Batidão fica em Santo Amaro e o contato é: (11) 5891-7403.