‘Primeiro de abril’, vinte contos que encantam

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‘Primeiro de abril’, vinte contos que encantam

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Não obstante discorrer verticalmente, e com minudências, sobre as crueldades do golpe da quartelada de 64, o livro de contos Primeiro de Abril, do escritor Adolpho Mariano da Costa, é um doce de leitura, um passeio deveras agradável, sem dúvida nenhuma. Ainda quentinha, saída do prelo, agora, em 2011, trata-se de uma primorosa edição da RG Editores, de São Paulo.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/78/12-a.jpgO autor desta importante obra de ficção e realidade – Primeiro de Abril – não é nenhum marinheiro de primeira viagem. Como assinala Reginaldo Dutra, o seu atual editor, na orelha do livro, “Adolpho Mariano da Costa é um escritor comprometido com a realidade. Com estilo vigoroso, suas personagens são pinçadas nos dramas e comédias da vida”. Mineiro e advogado, na fronteira do Paraná, ao tempo dos “anos de chumbo”, o escriba teve o seu mandato de vereador cassado pelo regime militar. Residente em Curitiba, ele detém o prêmio Fundação Teatro Guaíra, para Leitura Dramática da peça Canal de Desvio, galardão conquistado em 1987.

Possui uma bagagem admirável de volumes publicados, entre os quais constam os seguintes títulos: O donatário, contos, 1979; Um índio é um índio, 1982; Iara acalanto em bronze perene, 1993; Parábolas da terra sem males, narrativas, 2000; A solução de conflitos no âmbito do Mercosul, 1995; Mergulho no mar de minas, romance, 2004; in O conto brasileiro hoje, vols. de I a XV Coletânea, 2005/2010.

Em breve espiadela que se faça ao corpo gráfico de Primeiro de Abril, a partir do “Sumário”, temos aí um texto assim arquitetado: um livro que enfeixa vinte contos, em contos mais ou menos curtos, no Livro I – ‘Dos idos de março aos anos de chumbo’ e no Livro II – ‘Ajantarado de 5ª Comarca’, sendo cada uma dessas partes composta de dez contos.

Por uma questão de tempo, foi-nos permitida apenas a leitura do Livro I, o que nos ensejará o prazer de, ‘a posteriori’, já como lúdicos dever e obrigação, realizarmos o passeio complementar da leitura dos outros dez contos da segunda parte da obra.

No conto inicial, “Primeiro de Abril”, o carro-chefe que dá nome ao livro, aí desfilam cenários, personagens e uma realidade ficcional contundentes de altíssima utilidade às funestas informações da História pátria, àquela época, lá desde os primórdios do golpe de Estado, até o clímax dos tristes acontecimentos que se sucederam às mentiras e atrocidades do regime que solapou o governo legitimamente eleito de João Goulart e implantou uma virulenta e truculenta gerência militar no país. É, ao nosso entendimento, um conto primoroso, criativo, inventivo e real, porquanto vasto painel de uma fase muito gris da vida nacional, e tudo em linguagem atraente, escorreita e bastante palatável.

Por trás do personagem Aldo, muito provavelmente, esconde-se o próprio autor, que coexiste com outros tipos, como o Mané e o Dito, funcionários da Casa do Estudante, e a Alcina do Trotoir, todos meio a uma Paulicéia que transpira o infecto clima de entidades fascistas que davam sustentação político-ideológica à “Redentora de 1º de abril”, a saber, segundo reza formidável conto: “católicos da Opus Dei com Deus pela liberdade”, “latifundiários improdutivos”, asseclas da “TFP – tradição, família e propriedade”, “bandeirinhas”, “habituais desconhecidos da fiesp (sic), das igrejas, da classe média, da cúpula fardada, da febraban (sic), da cia (sic) e da grande imprensa”. E os golpistas mores de primeira hora da direita são citados, no conto, um a um: o “general Olympio Mourão, os governadores Magalhães Pinto (MG), Adhemar de Barros (SP) e Carlos Lacerda” (RJ, ex-Guanabara), além de “Kruel, Bandeira, Cavalcanti, Geisel, Bizaria Mamede e outros caserneiros”. 

Para largar de vez o excepcional “Primeiro de Abril”, sob uma chuva copiosa de ironias, lá, tomamos ciência de famosas obras engajadas, de bons autores nacionais e de várias modalidades de tortura (“pau-de-arara, telefone, cadeira do dragão, choques elétricos na genitália, empalação, escorjamentos, afogamentos, purgantes, doze milhas marítimas”). Nesse último tipo, o militante de esquerda era simplesmente desovado vivo a doze milhas de oceano profundo, daí passando a formar o time dos “desaparecidos”. Pior que tudo isso aconteceu, de fato, sob o tacão do regime militar de 1º de abril, e não é ficção nenhuma, com os auspícios do dedo do Integralismo, da especulação financeira, da submissão ao FMI, com a ajuda de olheiros e dedos-duros infiltrados nas universidades.

Não pretendo, aqui, contar-lhes todo o Livro I, tintim por tintim, senão a autoria irá enquadrar-me pelo crime da bisbilhotice. Quem se dignar de ir à fonte, para deleite muito pessoal, apesar do realismo das malvadezas do regime discricionário que imperou, no Brasil, ao longo daqueles grises quase vinte e dois anos, com certeza, da leitura sairá enriquecido. Não é uma narrativa de contemplação, mas obra para ler-se do topo da atalaia de uma ação lúdica, de deleite, de formação e informação cívico-históricas, tendo por base e vieses o escopo artístico da Literatura.

Leiam, por favor, quando lhes for possível, os outros nove, do Livro I. Não e não! Saboreiem todos os vinte contos de Primeiro de Abril. Há muito que não me defrontava com leitura tão rica, tão saborosa e recheada de inteligentes ironias. Para definir esses fantásticos contos da História recente do país, em frase lapidar, diria prosaicamente apenas isto: ‘o livro do mineiro Adolpho Mariano da Costa é um pote cheinho de gostosas ironias’. Primorosas pauladas, com inteligência e argúcia, na moleira da nefanda quartelada de abril de 1964. São vinte contos que nos encantam.

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