Quem diria, o que o PT mais combatia nos seus primórdios, se transformou em slogan de suas administrações. Chegaram mesmo a causar espanto as declarações do senhor Genoíno sobre a gravidade dos problemas sociais, advogando a prisão perpétua e mais polícia que mata pobres nas ruas das grandes cidades. Isto porque ainda tem gente que pensa que o Genoíno é aquele que foi para a região do Araguaia lutar ao lado dos pobres do campo e contra o regime militar fascista. Já a governadora do Rio, Benedita da Silva, jactou-se de ter prendido 1.600 pessoas no curto período de seu mandato-tampão, fazendo corar figuras democráticas como o general Newton Cerqueira, aquele da gratificação faroeste.
É por isso que um ouvinte de uma estação de rádio perguntou ao locutor: “E agora no segundo turno, quem é oposição e quem é situação?” A resposta do locutor foi singela: “Os dois são oposição e situação ao mesmo tempo, ué. Tem problema?”
Esse é o problema. Não há problema algum para os organizadores e atores da farsa eleitoral que os candidatos simulem jogar nos dois campos, pois assim, os eleitores pensam que estão escolhendo e as classes dominantes — grande burguesia e latifundiários, servi ndo sempre ao imperialismo ianque, principalmente — seguem sua dominação.
Este é o modelo de democracia apresentado ao povo: exercer nosso “direito-dever” de votar em candidatos “oposição-situação” participando da “grande festa” eleitoral. A democracia de mentira não poderia deixar de utilizar todos os ramos da demagogia, e é assim que permitem a participação democrática das mulheres, dos negros, dos favelados na concorrência aos cargos eletivos. No Brasil uma candidata reuniu as três qualidades ao mesmo tempo e foi saudada e “marquetada” com o slogan revolucionário: “Mulher, negra e favelada”. Benedita da Silva, eleita vereadora, deputada, senadora e vice-governadora, cumprindo o final de mandato de Garotinho já concorrendo à reeleição no estado do Rio de Janeiro.
A grande burguesia se compraz em abrir os “espaços democráticos” cobrados pelo oportunismo, pois este funciona como fiel escudeiro de sua farsa, legitimando seus processos eleitorais, seus acordos, seus saques, sua exploração e sua opressão sobre o povo. Esta é sua arma mais afiada, fazer o discurso adocicado, as promessas enganadoras, o cinismo militante, através de um membro da classe explorada. E Benedita da Silva cumpriu bem a tarefa.
Senão, vejamos. Assumindo o governo do Estado foi morar no palácio, o que a seu ver simbolizaria um sonho das classes trabalhadoras — chegar ao topo da sociedade de classes. No posto de governadora, assumiu o papel de comandante-chefe da Polícia Militar. Como representante da raça negra, nomeou um comandante negro para a PM. A mulher, negra e favelada governava o Rio de Janeiro.
A morte do jornalista Tim Lopes gerou uma campanha intensa — tocada especialmente pela rede Globo, necessitada de dar uma solução rápida para tirar o assunto do ar, e encobrir sua responsabilidade no assassinato de seu empregado — de denúncia do descalabro da segurança no estado. Durante semanas não se falou em outra coisa além do “Estado Paralelo” no Rio. Foi essa a senha da grande burguesia para a governadora, mulher, negra e favelada: Cumpra o papel que lhe designamos! Reprima! Viole direitos! Participe ativamente da fascistização do Estado! Este é o espaço que lhe concedemos de comum acordo! Atole-se na lama, você é uma das nossas!
A partir daí o governo de Benedita da Silva não cumpriu outra tarefa. Pressionada pela mídia, esmerou-se em provar que não havia Estado Paralelo, que ela era o Estado, que tinha o controle da situação, que não era uma personagem no cenário do teatro de bonecos. Enfim, um governo policial. Benedita juntou tudo que tinha no governo e passou meses pautada pela rede Globo caçando Elias Maluco. Com a prisão do bandido e o show montado pela emissora logrando seus objetivos, Benedita da Silva, como um pobre diabo, achou mesmo que, com este feito e o estardalhaço global, daria a virada na sua triste e naufragada campanha à reeleição.
Seria triste e vergonhoso assistir tantos dias de exposição da imagem patética de Benedita da Silva no comando dos órgãos de repressão ao povo nas favelas do Rio, se ela de fato representasse esses três segmentos importantíssimos do nosso povo: as mulheres, os negros e todo o proletariado que vive nas favelas. Entretanto o que sentimos — nós, que já não temos qualquer ilusão constitucional, que sabemos que a democracia só pode ser construída pelas mãos do povo organizado e combatendo o oportunismo, a grande burguesia, o latifúndio e o imperialismo — é uma profunda revolta, um repúdio veemente a uma situação que não pode receber outro nome que “palhaçada”.
Sempre aprenderemos pelo exemplo positivo, mas também com os nossos inimigos, pelo negativo. As mulheres faveladas em seus permanentes e corajosos confrontos com o aparato repressivo do Estado, seguramente não se sentem representadas pela governadora comandante da força-tarefa da repressão. Os negros, grande maioria da população em nosso país, portadores da cultura da resistência dos quilombos aos capitães do mato, certamente repudiam essa falsa representante.
Aqueles do povo que se abaixam para as classes reacionárias para realizar suas ambições pessoais são, não apenas ridicularizados por essas classes, mas têm expostos ao povo, de maneira cruel, sua traição e seu triste papel de serviçal da reação.
Há um caminho pelo qual os negros, favelados e as mulheres do povo, enfim, os trabalhadores, chegarão ao poder. É um caminho honrado que não passa por esse pântano.