A exploração do carioca pelos que provocam a anarquia imobiliária ganha novo impulso com a aproximação dos jogos pan-americanos 2007. O mais breve exame do notável adensamento populacional nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro revela que os espaços urbanizados do município estão inteiramente esgotados. A expansão urbana dirige-se para a parte não urbanizada da zona oeste, sobretudo, Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Recreio dos Bandeirantes e adjacentes — o que tem permitido especular sobre o crescimento da cidade para os próximos 10 anos. É o que indicam os planos da burguesia rentista, em parte confessados, no que chamam de plano diretor 1 do Rio de Janeiro.
O Plano Diretor é uma exigência constitucional para municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes que, notoriamente, experimentam uma ascendência demográfica, sobretudo nos núcleos urbanos que comportam de 100 mil a 500 mil habitantes, segundo dados disponíveis do censo 2000 (IBGE).
A princípio, o plano seria o principal instrumento da política urbana para o funcionamento e desenvolvimento da cidade. A elaboração do projeto, baseada na medida prevista pelo governo federal no seu estatuto das cidades2, tem por base regulamentar as novas habitações, áreas comerciais, industriais, espaços verdes etc., inerentes ao processo de (trocado em miúdos) acumulação e expansão do capital, que as classes dominantes e seus organismos de poder, em função do modelo colonizado, chamam de “desenvolvimento sustentável“. O projeto, que será votado no plenário da Câmara Municipal nos primeiros meses de 2007, é representado pelo Conselho Municipal de Política Urbana — Compur, uma entidade patronal que presta consultoria à prefeitura, representada pelos principais sindicatos e associações de arquitetos e engenheiros.
Esse conselho alega haver, sobretudo na zona oeste, um comércio distante das residências e também especula sobre um tal Índice de Aproveitamento de Área — IAA — que define nas suas regras de jogo um limite máximo permitido de área construída em cada terreno. Quanto maior o índice, mais poderá ser ampliada a área a ser construída, dependendo da sua rentabilidade, que estrategicamente é maior perto da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.
Porém, a burguesia sempre resolve suas trapalhadas criando outras. Para isso, costuma elaborar leis e desrespeitá-las em seguida, sem esquecer de punir severamente aquele a quem ela explora: o povo trabalhador. Exemplo recente aconteceu na comunidade Canal do Cortado, que fica à altura do km 15 da Avenida das Américas (Recreio dos Bandeirantes). No final de agosto, a máquina da prefeitura já havia derrubado 40 casas. Em meio aos escombros, ainda era possível ver sapatos, armários, camas, sofás e outros pertences que as famílias não tiveram tempo de salvar. As indenizações foram pagas pela empresa Rio Massa Engenharia, do grupo Polimix, que, no terreno ao lado, movimenta tratores e caminhões para erguer mais um condomínio de luxo.
Não obstante esta agressão, seis moradores decidiram resistir. Simplesmente não aceitaram as condições impostas pela prefeitura. E não saíram. Um dos donos da Rio Massa foi à comunidade tentar convencêlos e perguntou à Fidelina de Souza, 63 anos, que trabalha como empregada doméstica:
— Minha senhora, quanto você quer por sua casa?
— 200 mil — ela respondeu.
— A senhora está maluca?
Estava em sã consciência e, por isso mesmo, no direito de cobrar por sua residência o valor que quisesse.
O custo da verdade
Pela resistência, os moradores do Canal do Cortado pagaram caro. Sofreram todo tipo de constrangimento, desde a presença ostensiva da guarda municipal até o corte arbitrário do fornecimento de energia elétrica, que foi revertido judicialmente três dias depois. Nesse ínterim, funcionários da prefeitura ameaçavam chamar o Conselho Tutelar, já que, sem luz, o local se tornava inadequado à presença de crianças. Crianças como os nove filhos de Michele Lacourt, ou como a pequena Mariana das Graças, um bebê de apenas três meses de idade, submetidos a todas essas agressões, como se já não bastasse ter nascido num lugar historicamente negligenciado pelo poder público.
Outro exemplo bastante ilustrativo foi o despejo, durante o carnaval deste ano, da comunidade Arroio Pavuna, localizada à Avenida Embaixador Abelardo Bueno 798, Barra da Tijuca, num terreno pertencente à União. As 67 famílias que lá residiam receberam, cada uma, indenização média de R$ 15 mil, valor várias vezes insuficiente para adquirir outro imóvel na região.
Assim, a lumpem-burguesia espera que esses moradores se mudem para bem longe, de preferência para a baixada fluminense, onde há maior exposição a todo tipo de violências inexistentes nas pequenas comunidades da zona oeste — desde tráfico de drogas até as chacinas perpetradas pela polícia militar. Dessas indenizações, ao menos quatro foram pagas com cheques de empresas privadas (três da construtora Carvalho Hosken S/A e um da Uhslanga Comércio de Roupas), embora a operação faça parte do Programa Morar Sem Risco, da prefeitura municipal. Detalhe importante: a cerca de 50 metros de onde estava a comunidade Arroio Pavuna encontra-se o condomínio Rio 2, construído pela Carvalho Hosken, onde um apartamento de dois quartos custa, em média, R$ 700 mil.
Os quatro cheques são do banco Bradesco, agência 1075 (Barra da Tijuca). Seus números e respectivos valores são 010794 (R$ 19.516,00), 010776 (R$ 33.161,00), 010798 (R$ 26.208,00) e 010796 (R$ 17.434,00). Jovino Germano Pinto, 71 anos, aposentado, morou na Arroio Pavuna durante 15 anos e falou à reportagem sobre a retirada dos moradores.
— Foi tão rápido que nem deu tempo de fazer nada. Eles chamaram a gente na Secretaria de Habitação e disseram: “se vocês quiserem aceitar, tudo bem; se não quiserem, vamos tirar do mesmo jeito”. Aí deram os cheques e 24h para gente sair. Teve gente que não aceitou, mas a Guarda Civil entrou, tirou as coisas e derrubou as casas.
Outro momento que ficou marcado para as lideranças comunitárias foi o despejo da comunidade Via Parque, em 1994. A prefeitura de então, também sob comando de César Maia, já havia tentado o despejo um ano antes, mas os moradores se organizaram e resistiram. Aí começou o longo processo de negociações, marcado por discussões ríspidas entre moradores e funcionários da prefeitura, incluindo o então subprefeito da Barra, Eduardo Paes, candidato em outubro ao governo do estado pelo PSDB.
Terminaram mortos a secretária da associação dos moradores e seu presidente, Tenório Perpeta de Souza, assassinado por homens encapuzados dentro de sua birosca. Os assassinatos nunca foram esclarecidos pela polícia. José Nerson de Oliveira, vice-presidente da federação das associações das favelas do Estado do Rio de Janeiro —FAFERJ—, estava lá no dia do despejo.
— O clima era tão tenso que até o deputado federal Vivaldo Barbosa (PDT) foi agredido com um tapa na cara por um policial. Depois disso, eu e um companheiro seguramos a pistola de um tenente e só saímos de lá presos.
Tanto José Nerson quanto Altair Antunes Guimarães, presidente da associação dos moradores da Vila Autódromo, além de outras lideranças, afirmam que Eduardo Paes chegou a ameaçar matar Tenório Perpeta apenas uma semana antes de ser assassinado.
— Eu lembro bem desse dia. Minha esposa estava grávida, faltavam apenas alguns dias para meu filho nascer. Tinha acabado de deixar o Tenório em casa quando me ligaram avisando. Voltei correndo pra lá e ele estava morto — conta José Nerson.
Pobres degradam
Prefeitura, construtoras e o monopólio da imprensa tentam justificar as agressões contra essas populações pobres ao afirmarem que elas degradam o meio ambiente ou que causam dano estético à paisagem. No entanto, para Luiz César de Queiroz Ribeiro, professor titular de urbanismo da UFRJ, doutor em planejamento urbano e coordenador do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal no IPPUR-UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro), quem prejudica o meio-ambiente são os grandes empreendimentos imobiliários:
— Cada vez mais o sistema de transporte, circulação e tráfego para os bairros da zona oeste apresenta deficiências devido ao crescimento acelerado. Isso porque as forças do capital imobiliário impuseram ao estado a viabilização dessa expansão. E o custo social é enorme. Basta imaginar o custo que tivemos criando a Linha Amarela e a Auto Estrada Lagoa Barra. A natureza da Barra da Tijuca é extremamente frágil. Com uma intervenção pequena consegue-se devastar o meio geográfico desse local. O sistema lacustre ligado com as praias acumula enorme quantidade de lodo que vai matando rapidamente a fauna.
Continuando seu raciocínio, o professor Luiz César enfatiza o caráter classista da ocupação da zona oeste do Rio de Janeiro:
— É uma cidade desigual, mas tratada pelo estado para ser mais desigual, não apenas pelo fato de estar levando uma população relativamente mais rica para esse lado. Significa, também, transferir recursos recolhidos de todo o povo para investir nessa área da cidade beneficiando uma população que já é beneficiada por ter maior renda. Sobretudo, as empresas imobiliárias. Elas não só expressam as desigualdades, mas aprofundam-nas. Os investimentos em saneamento, transporte e tráfego para viabilizar a expansão da barra e adjacentes para o pan-americano é uma transferência de renda para os empresários mais afortunados e também para a “classe média”, porque os imóveis ganham cada vez maior valor à custa de recursos recolhidos de todo o povo.
A burguesia invade
A relutância dos moradores — que não possuem regularização habitacional —de não perderem seus acanhados espaços é uma das lutas mais heróicas travadas pelos despossuídos contra os poderosos no Rio de Janeiro. É também um dos aspectos mais censurados pelo monopólio da imprensa na descrição da vida do carioca.
Setores da rapina imobiliária, imunizados pelo aparato repressivo e truculento do Estado, encontram-se livres para propor e elaborar normas de apropriação e utilização de terrenos e edificações, segundo o sagrado direito do monopólio da propriedade privada dos meios de produção, enquanto que o direito à habitação — para os não proprietários — é apenas um seu derivado.
A área cobiçada para a “expansão imobiliária” pertence sempre a alguém… mais pobre. São áreas públicas ou terrenos adquiridos por pequenos proprietários de meios de produção e assalariados. Para Flora Maranhão, advogada e assessora jurídica de movimentos populares contra a remoção de residências, a prefeitura do Rio de Janeiro escancara inconstitucionalidades:
— Embora o plano diretor preveja o atendimento às famílias que sempre ficaram à margem de todo processo de planejamento, nas audiências públicas, há um número muito reduzido de pessoas com titulação, contra a presença majoritária do poder público. Já o capital imobiliário sempre teve livre acesso aos recursos jurídicos, enquanto que nunca existiu um programa habitacional para essas famílias. Falando do tal Pan 2007, vários conjuntos habitacionais estão ameaçados pela supervalorização da área para dar acesso à população que pode pagar mais. A ação da prefeitura é sempre arbitrária, inconstitucional, porque na Constituição há a garantia de direito à moradia.Eis porque não urbanizam a área. Em suma, a prefeitura assume a postura fascista fazendo a seleção social em função da renda da população — denuncia a advogada.
O conceito jurídico de propriedade urbana não passa de um artifício em que a cidade fica permanentemente voltada para a acumulação — o impulso mais degradante do capitalismo monopolista — nunca numa sociedade de homens livres para se defenderem da penúria material e intelectual.
Sucedem-se injúrias por parte de empresários dos grandes hotéis e residências acusando concentrações populacionais de “irregularidades ambientais”, falta de titulação etc. Contudo, muitos dos seus empreendimentos agridem seriamente o meio geográfico, tamanha a sua impunidade. Vale afirmar: são eles mesmos os principais responsáveis pela expansão urbana decadente, produzida à base de pilhagem, em locais reconhecidamente frágeis, cujos remendos estruturais a rigor provocam desmoronamentos em encostas, impermeabilização exagerada do solo, degradação de recursos hídricos e outros agravamentos.
Pan-lucros
Entre os locais mais ameaçados pelo aparelho estatal, por serem redutos da especulação imobiliária, os bairros Vargem Grande e Vargem Pequena, mais ao extremo da Zona Oeste, possuem aproximadamente 16 concentrações populacionais. Esses conjuntos reúnem cerca de mil famílias, cada um. A expulsão total dos moradores está prevista, com a proximidade dos jogos pan-americanos, para menos de um ano.
A prefeitura e o Compur se recusam a titular os moradores, negligenciando a enumeração dos locais com risco de remoção. Em suma, os verdadeiros donos da terra serão expropriados pelos latifundiários urbanos. A prefeitura qualifica esses moradores de invasores e vândalos. Em seguida, o ministério público os sentencia. Por fim, determina as graduais expulsões. Serve a alegação de área de utilidade pública, porém, dos ricos.
Segundo José Nerson de Oliveira — um dos representantes da resistência dos habitantes das Vargem Grande e Pequena, cobiçadas pelos grandes especuladores — a cooptação dos líderes das associações de moradores com a dissimulação de que estão cadastrando os locais para fazer obras e, logo em seguida, remover sem hesitações, é uma tática levada a cabo pelos latifundiários e seus lacaios:
— Estão querendo desapropriar nossa área alegando ser “reserva ambiental”. Mas depois da expulsão dos moradores, eles vão construir casas de alto luxo, como sempre fazem com o que eles chamam de reserva. Nós temos um córrego que atravessa algumas localidades, mas isso não determina a nossa retirada, de maneira nenhuma. Para desmobilizar nossas ações de resistência a prefeitura utiliza-se de indenizações parciais. A Carvalho Hosken, empresa imobiliária, distribui cheques em torno de 12 mil a 20 mil reais a certos representantes de associações e moradores, visando a desistência de loteamentos. Além do mais, o que dificulta grandemente a nossa permanência é a falta de documentação dos moradores “legitimando” suas propriedades. Resulta que, se formos expulsos, estaremos condenados ao aluguel, que é bastante especulativo até em grandes favelas, atualmente. É o caso de residências na Rocinha, com um aluguel estimado em R$300, dependendo da localização. É trocar favela razoável por favela miserável — desabafa José Nerson e, em seguida, acrescenta:
— Há 20 anos, Barra e Recreio eram rodeadas de pântanos e manguezais. Hoje existe um número muito reduzido de reservas assim. Ninguém queria morar para esses lados porque era inviável devido à distância do centro. Agora, invadem tudo porque têm todos os recursos para pilhar como quiserem. Dizem pagar impostos e está tudo resolvido. Porém, essas pessoas vivem aqui há aproximadamente 30 anos e ninguém vai tolerar e permitir uma retirada assim. Querem fazer uma ‘Miami carioca’ onde todos os locais abaixo de Jacarepaguá sejam propriedades privadas caríssimas.
Mesmo com toda a pressão da prefeitura do Rio, controlada por César Maia (PFL), existem marcos legais que asseguram a permanência dos moradores pobres em suas comunidades. É o caso da ação de regularização fundiária realizada pelo governo do Doutor Leonel Brizola, que lavrou 84 termos de concessão de uso pelo prazo de 40 anos em terras do estado, renováveis por 99 anos.
Mais degradação
Dentro de poucos meses será inaugurada oficialmente a vila pan-americana. O local, durante os jogos, irá abrigar os principais atletas e delegações que participarão das competições. Quase 80% das obras já foram concluídas. Cerca de 2 mil operários estão trabalhando no local. A “vila” terá 17 edifícios que, após o término dos jogos, servirá de moradia à pequena e a alta burguesia. Já foram vendidos os 1.480 apartamentos — os de uma e duas suítes — em tempo recorde.
Dentro do condomínio haverá o Parque América do Norte e o Parque América do Sul. No América do Norte, os apartamentos são de uma e duas suítes. No América do Sul, os apartamentos contêm de três a quatro suítes. Cada bloco terá o nome de uma cidade que já tenha sediado os jogos; em algumas, as principais sedes imperialistas do mundo. O condomínio terá também: piscina com coqueirais, parque de “meditação”, “tenda de contemplação”, churrasqueira, praça de bebês, pic-nic e pista de cooper, sala de musculação, salão de jogos, salão de festas, um campo de futebol, duas quadras polivalentes e três quadras de tênis.
José Nerson revela que a área correspondente à vila pan-americana era um enorme pântano onde se via inúmeros animais, inclusive o jacaré. Toda a fauna do local será extinta devido ao aterro de sustentação do solo:
— Degradaram o meio geográfico. Aterraram todo o resquício pantaneiro do lugar aproveitando a proximidade com a linha amarela. Seria terminantemente proibida a construção de favelas ali. No entanto, os ricos podem — revolta-se.
Segregação agravada
Em AND 28, o artigo “A desnaturação das cidades” mostra que durante o gerenciamento militar, o processo de segregação social se agravou. Essa política criminosa desalojou famílias empobrecidas nas diversas capitais brasileiras, sobretudo, em São Paulo, lançando-as para as regiões mais distantes. No antigo e urbanizado núcleo residencial dos pobres surgiram enormes prédios de transnacionais que se locupletaram do golpe contra-revolucionário de abril de 1964. Inclusive, os próprios espoliadores também adotaram um estilo de vida voltado para uma super-concentração de “recursos”, construindo condomínios tão luxuosos quanto medievais, verdadeiros deboches arquitetônicos, monumentos ao imperialismo e tudo que a sua ignorância colonizada permite exprimir. Ao mesmo tempo em que, não apenas sonegam, os espoliadores agravam a infra-estrutura nos bairros pobres, circunvizinhos, num raio de muitos quilômetros.
No Rio de Janeiro, os bairros Barra e Recreio, em sua maioria, são ocupados por imponentes condomínios de luxo, espaços que não condizem com a estrutura urbanística da zona sul e norte da cidade. Os imóveis, portanto, valorizam-se por suas vantagens topográficas como: praias, reservas de área verde, fontes de água e etc., que beneficiam os centros de lazer e cultura tornando-os mais atrativos.
Mas o que vem a ser uma política de habitação num país semicolonizado e onde a força de trabalho é aviltada sem limites? Para o professor Luis César, trata-se de uma política que pretende atenuar a carência de moradias, preferencialmente para as classes trabalhadoras:
— Não existe uma política urbana habitacional que atenda aos trabalhadores. “Favela Bairro” não é uma política habitacional. Isso, no entanto, no Brasil todo, em particular no rio, é resultado do caráter mais geral: tipo de emprego que a população se vê obrigada a aceitar — desqualificado, temporário, mal remunerado, sem carteira assinada e etc. — ao desemprego propriamente.
A bem da verdade, são irrealizáveis os planos de moradias e transportes condignos para os proletários, pela única razão de que são proletários. Se os que exploram o povo permitirem um mínimo de condições humanas de habitação, transporte, saúde, ensino público e etc., o que será do sistema semicolonial, semi-feudal e burocrático que domina nosso país? Mais indigno que manter escravos é propor que o escravo seja menos explorado, já que a questão é abolir de vez a escravatura e nunca fingir que se pode atenuá-la.
Mas quando os escravos lutam por melhores condições de vida e sobrevivência não estão sendo ingênuos, isso porque, obrigatoriamente, têm que lutar contra toda a forma de opressão e quanto menor é o peso dessa opressão, melhores condições de prosseguir a luta.
Numa palavra, a luxuosa moradia do rico é a negação do abrigo do pobre, uma vez que esse pobre não é outro senão que o explorado, cuja condição (de explorado) torna possível a existência do explorador.
Na periferia dos condomínios medievais, o povo desabrigado é duplamente explorado. O trabalho fabril e outras atividades que permitem a mais-valia, o lucro, a renda e etc., ainda é acrescida pela indesejável vizinhança dos que habitam condomínios ou “cidades” medievais — que, num segundo momento, após explorar o trabalhador nas fábricas, sugam as últimas gotas de sangue das suas famílias alugando serviços, particularmente os domésticos.
Portanto, bem antes dos ricaços detestarem a presença do povo trabalhador e oprimido, é a maioria, a gente digna que tudo produz, que não pode tolerar a presença, até mesmo nas vizinhanças, dos que vivem da exploração humana.
Quem persegue
A condição objetiva para o crescimento das favelas tem início na exploração fabril, com a produção da mais-valia. Mas a circulação do capital faz progredir o empobrecimento e a miséria entre o povo, o crescimento das antigas favelas — próximas às áreas onde se concentram a burguesia rentista e a pequena burguesia comercial e industrial. Outras em áreas de média e baixa burguesia, além do centro propriamente e as que se localizam vizinhas aos subúrbios.
No caso do Rio de Janeiro (deixando de considerar diversas situações históricas), algumas favelas surgem em locais de acessibilidade fácil, a exemplo do eixo da avenida Brasil, principal via de ligação de transportes do rio, que cruza as zonas oeste e norte, até o centro. As favelas desse eixo estão sendo ampliadas de forma nova, ocupando instalações industriais abandonadas. Já na Barra da tijuca e adjacências, especificamente, as favelas menores, porque limitadas pela própria topografia, passaram a avançar em direção à beira de lagoas e rios.
Fica a ilusão, cuidadosamente disseminada pelo monopólio dos meios de comunicação, de que aonde o rico se estabelece o pobre segue atrás — quando a realidade é exatamente contrária ao alegado. É o inverso de quem persegue e quem é a presa.
O empobrecido pela exploração vai morar na periferia de onde foi expulso pelo explorador. Em seguida, também dessa periferia o proletário é expulso, e em seu lugar surge a formação de novos redutos de luxo e abandono dos primeiros, num círculo incessante. A área é ocupada e criada uma nova periferia etc. Tudo aparece como se a burguesia mais exploradora fosse obrigada a aceitar a anarquia, quando ela é a autora da desordem reinante; como se ela, da violência, fosse a vítima. No entanto, ela promove e aprofunda a exploração que é a própria violência.
A visão reformista reclamaria que o pobre não pode ser expulso para tão longe. Mas isso, de fato, não acontece. Ele é expulso para os locais de difíceis condições de moradia, sendo que a própria burguesia não permite que ele fique tão longe das fábricas na condição de operário fabril ou contingente do exército industrial de reserva.
O professor Luis César constata:
— É como se tivesse uma espécie de geografia social do Rio de Janeiro dizendo que aonde a riqueza vai a pobreza vai atrás. E também é como se o ricaço permitisse ao pobre ser o seu vizinho. Todavia, isso tem custo social altíssimo. A expulsão do povo trabalhador ocorre em direção aos locais não urbanizados, de permanente risco.
Isso significa que as catástrofes sanitárias, climáticas e etc., atingem primeiro a população desabrigada. Em seguida, ameaça e mesmo atinge as áreas privilegiadas. A burguesia exige, imediatamente, vacinações e outras medidas que estebeleçam um cordão sanitário para protegê-la. Porém, quanto maior o contingente de miseráveis, mais intensa é a ameaça à existência da gente empobrecida e, por fim, da própria burguesia.
1 – Plano Diretor: lei municipal que será aprovada pela câmara dos vereadores. Principal instrumento da política urbana para desenvolvimento e funcionamento da cidade (planejamento municipal). O plano diretor é legitimado pelo conjunto de regras que determinam a ocupação de uma cidade de uma forma planejada. Suas prioridades são: “meio ambiente”, urbanismo, transporte e turismo. Vence no desenvolvimento urbano quem tem maior poder de decisão, seja por mais informação, ou por poder econômico. Portanto, a maioria não tem suas necessidades atendidas, viabilizando a cidade formal e informal.
2 – Estatuto das Cidades: estabelece as diretrizes que devem orientar o desenvolvimento da cidade e que, portanto, devem ser incluídas no plano diretor (processo de construção coletiva) prioridade do interesse público sobre o privado protegendo a população pobre e vulnerável e respeitando o patrimônio histórico e cultural local. Investimentos públicos sempre atenderam ao interesse de poucos, custeados por impostos que são pagos por todos. (enquanto uns estão providos em áreas de infra estrutura, água esgoto, luz e calçamento, outros estão em condições precárias)