Promessas e arrependimentos da democracia jurídica: Previdência e Constituição

Promessas e arrependimentos da democracia jurídica: Previdência e Constituição

Abriu-se ampla discussão sobre a reforma da Previdência. Setores do governo colocam-na como prioridade. Isso pôde ser visto, sem maquiagens, no discurso de posse do senhor Henrique Meirelles na Presidência do Banco Central. Por outro lado, se a ampla discussão é indicativa de debate democrático, a eleição do tema e a sua colocação na ordem do dia nem sempre o são. E essa é a questão central, como já nos informava Aristóteles, em sua Constituição de Atenas. Se a política deve estabelecer prioridades, por que não discutir também a reforma tributária ou a reforma das relações financeiras do país com o exterior, inclusive com a auditoria da dívida externa, conforme estabelece a nossa Constituição?

Sabe-se, por exemplo, que permanece esquecido o art. 26 do Ato das Disposições Transitórias de nossa Constituição, o qual estabelece que "No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro." Enfim, a Constituição de 1988 determinou que se pegasse o touro pelos chifres. O que não se fez ainda. Isso é mais grave, quando o serviço da dívida chega a setenta por cento das receitas líquidas da União. Como a Constituição, em flagrante contradição o com seu sistema aberto e democrático, excluiu o serviço da dívida da discussão da lei orçamentária, a discussão do orçamento limita-se a trinta por cento das receitas líquidas da União. A soberania do Poder Legislativo e do Poder Executivo opera, portanto, apenas sobre trinta por cento das receitas.


Porque não discutir a reforma
das relações financeiras do país com o exterior?


A despeito do peso insuportável da dívida, e do evidente artificialismo em muitos dos empréstimos contraídos, esse tema continua debaixo do tapete, não entrando na agenda do Planalto, que insiste em cumprir dogmaticamente contratos com os credores externos, ignorando a disposição constitucional. Por outro lado, tenta impor um projeto de reforma da Previdência, ignorando contratos e atropelando a experiência jurídica nacional. Aqui muitos parecem querer forçar a chamada capitalização das contas, sistema, que não some com o dinheiro, apenas o desvia para os bancos. E, ao visar a retirada de direitos previdenciários, fala-se em envelhecimento da população, mas se esquece das maravilhosas aquisições tecnológicas e de produtividade promovidas pelo capitalismo.

Por que não trazer a sociedade para a administração da Previdência? A Constituição o obriga. Nunca é demais recordar que a Constituição, em seu art. 194, prevê a reforma democrática da Previdência, o que significa gestão quadripartite de trabalhadores, empregadores, aposentados, e do governo. Sabiamente e de modo premonitório, o constituinte de 1988 entendeu que a Previdência é assunto sério demais para ficar apenas nas mãos do governo. A eventual unificação dos sistemas deveria acolher os representantes dos funcionários e agentes políticos, de modo a assegurar sua participação na transição. É essa organização quadripartite que, com os dados das auditorias, deve propor a reforma do sistema previdenciário, dos benefícios e das contribuições. A ela cabe o governo da Previdência.


A alternativa à reforma constitucional da Previdência
é conduzir autocraticamente o processo


Ao se pretender deflagrar uma reforma democrática da Previdência, deve-se iniciar pela discussão da implementação da gestão quadripartite, ou pela implementação do dispositivo constitucional. Até porque o comando do constituinte originário se sobrepõe ao do constituinte derivado. Aliás, há inconstitucionalidade nesse, enquanto não se implementar aquele. Do contrário, seria muito fácil esquecer a Constituição e ignorar seus dispositivos primordiais.

Como o comando constitucional obriga a participação da sociedade, não há desculpas, senão as autoritárias, para não torná-la realidade. Participação da sociedade não depende de recursos, é a forma mais indicada para gerir tanto a abundância quanto a escassez. A alternativa à reforma democrática constitucional da Previdência é conduzir autocraticamente o processo. Interessados e entusiastas aqui também há.

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