A guerra civil reacionária promovida no Brasil pelas classes dominantes segue intensificando-se e cometendo mais crimes contra o povo pobre no Rio de Janeiro.
AAP
Soldados do Exército reacionário durante a ação de cerco da favela da Rocinha, no fim de setembro
No dia 23 de outubro, a população da Rocinha voltou a sofrer com a ação da polícia. Os fatos ocorridos neste dia tiveram grande repercussão devido ao assassinato da turista espanhola Maria Esperanza Ruiz Jimenez, de 67 anos, que foi alvejada por policiais militares por estar num carro em que o motorista supostamente teria se recusado a parar. A turista estava acompanhada de uma guia de turismo, do irmão, da cunhada, além do motorista.
Em imagens feitas por uma câmera de segurança, três policiais aparecem correndo após a passagem do veículo. Entre eles, o soldado Luiz Eduardo de Noronha Rangel e o tenente Davi dos Santos Ribeiro, acusado de ter efetuado os disparos. Os dois foram presos, porém, pouco tempo depois, a justiça militar determinou a libertação deles.
O tratamento dado pelo monopólio de imprensa ao caso foi completamente diferente do habitual por se tratar de uma turista, o que escancara a violência instalada contra os moradores de favelas. Nesta ocasião, estava claro que a vítima não tinha ligação com o “tráfico de drogas”, como sempre é sugerido quando o alvejado é pobre, negro e morador de alguma comunidade.
Como o assassinato da turista teve enorme repercussão internacional, a polícia do Rio trata agora também de criminalizar a guia de turismo Rosângela Cunha, o motorista Carlos Zamineta (italiano) e a agência de turismo que vendeu o passeio, numa tentativa de tirar o foco da ação policial.
Dois dias depois do caso da turista espanhola, na noite de 25/10, uma menina de 12 anos morreu atingida por um tiro quando deixava uma festa evangélica na comunidade. No dia 28, a PM reprimiu, com bombas de gás lacrimogêneo, mototaxistas que protestavam depois que um companheiro de profissão foi baleado por policiais.
A Rocinha, como o AND tem tratado em edições anteriores, foi a bola da vez da guerra promovida pelo velho Estado contra o povo e foram inúmeras as operações policiais que resultaram em mortes, invasões de domicílios, agressões a moradores e outros tipos de arbitrariedades, todas elas alardeadas como “necessárias” para o “combate ao crime organizado”. Após o assassinato de Maria Esperanza, os reacionários de plantão, como o gerente municipal Marcelo Crivella/PRB, defenderam a volta da atuação das tropas do Exército, o que ocorreu dia 27 no Complexo de São Carlos, na região central, em operação conjunta com as polícias.
Mais crimes contra o povo
Não é só na Rocinha e no São Carlos que a escalada de repressão contra os pobres toma proporções de guerra civil. No dia 22/10, o morro do Vidigal, situado entre os bairros do Leblon e São Conrado, na zona sul da cidade, presenciou uma operação policial que resultou em confronto. O mesmo foi anunciado pelo monopólio de imprensa como “troca de tiros entre policiais e bandidos”. O motivo da operação seria, segundo a versão oficial, a presença de “bandidos do grupo de Rogério 157 [traficante varejista]” que estariam na parte alta do Vidigal.
Ainda no dia 22/10, um intenso tiroteio aterrorizou a população do morro do Adeus no Complexo do Alemão, zona norte.
No morro da Fazendinha, também no Alemão, na noite de 19/10, Vicente da Silva, conhecido como ‘Seu Kizumba’, de 78 anos, morreu atingido por uma “bala perdida” durante uma incursão policial. Testemunhas afirmam que Vicente estava assistindo a um jogo de futebol e, após deixar o lugar, começou um tiroteio entre policiais e traficantes varejistas. Ele chegou a ser encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão, mas não resistiu.
O monopólio da imprensa noticiou a morte de Seu Kizumba como “resultado da guerra” que assola o Brasil, em particular o Rio, para tentar justificar o incremento da guerra civil reacionária do velho Estado contra o povo. Tanto é assim que a maioria esmagadora desses casos só ocorre em favelas e bairros pobres.
Já em 24 de outubro, o estudante Fernando Ambrósio de Moraes, de 15 anos, foi assassinado no quintal de casa, em Japeri, na Baixada Fluminense. A versão oficial deu conta de uma suposta “bala perdida”. Mas, em declaração à imprensa, a mãe do jovem, Ana Paula Ambrósio, disse que tinha ido à padaria e quando voltou encontrou Fernando morto. Ela também afirmou categoricamente que os policiais invadiram seu quintal alegando que “tinha bandido”, mas só seu filho tinha sido assassinado no local. A rotina de Fernando, segundo Ana Paula, era de casa para a escola. Em nota, a Polícia Militar alegou que o famigerado Batalhão de Operações Especiais (Bope) realizava uma operação desde a manhã daquele dia na região.
Em 27/10, cerca de 300 agentes das polícias Militar e Civil realizaram uma megaoperação durante a madrugada nas 12 comunidades de Lins de Vasconcelos, na zona norte, com o pretexto de encontrar os responsáveis por matar o tenente-coronel Luiz Gustavo Lima Teixeira, que atuava como comandante do 3° BPM (Méier). Até o fechamento desta edição, a suspeita era de que tinha sido um “assalto”, e toda a população do Complexo do Lins havia ficado sob a mira dos fuzis da polícia. No mesmo dia, a Cidade de Deus foi palco de intenso tiroteio.
‘Política de segurança’ é repressão aos pobres
Segundo o aplicativo Onde tem tiroteio (OTT), diariamente são registrados, em média, 14 tiroteios no estado do Rio, praticamente uma troca de tiros a cada duas horas. Até o dia 20 de outubro deste ano, 4.210 tiroteios já haviam sido registrados. Ao todo, mais de 700 pessoas já foram assassinadas pela polícia. Esses números alarmantes são sintomas e provas de que cada vez mais o extermínio de pobres é a política de segurança do velho Estado, mesmo com a falência da política de ocupação militar das UPP.
Bruno Kelly/Reuters
Em entrevista concedida ao AND em setembro de 2013, a professora Maria Helena Moreira apontava:
— Para manter o negócio da droga e do tráfico eles precisam controlar a população. E nada melhor do que o controle militar permanente. Mas continuar intervindo dessa maneira, matando o povo, vai gestar uma rebelião popular, porque as pessoas não aguentam mais, já perderam filho, família, tudo. As crianças que eu vi na escola são uma geração de vítimas da guerra – denunciou.
— O medo é o maior controlador de população que existe. Eles instalam um regime de terror. Quando eles matam pessoas inocentes, dizem que temos que aceitar porque é uma guerra para terminar com o tráfico – apontou Maria Helena.
Nos últimos anos não foram poucos os casos arbitrários oriundos da militarização das favelas, como o caso do pedreiro Amarildo na Rocinha, o caso do jovem Douglas Rafael da Silva (conhecido como DG) no Cantagalo, entre tantos outros. Com a falência das UPPs, agora os gritos histéricos são pela atuação das Forças Armadas, por mais intervenção militar nas favelas, como se a continuação da política de repressão sob a batuta do Exército fosse resolver os problemas da violência, que têm suas raízes na condição semicolonial e da crise do capitalismo burocrático no Brasil.
O fato é que o velho Estado cria toda uma situação de penúria nas regiões mais pobres da cidade – que sofrem com a miséria, o desemprego, a falta do mínimo de condições dignas de vida – e encontra na força das armas a forma de reprimir a população. Ou seja, os tiroteios diários e os números alarmantes não são fruto de um suposto combate ao crime ou mesmo despreparo e incompetência das “autoridades”, mas sim uma política escancarada de repressão e extermínio de pobres.