Gostoso é viver Coca!
Esta propaganda foi observada num anúncio de estrada próximo a Congonhas, Minas Gerais. Inicialmente houve a impressão de que ali haveria uma adaptação do cartaz disponível ao tamanho da placa, a palavra Coca-cola estaria cortada do seu final. Depois, foi possível ver anúncios semelhantes nas cidades próximas, em São Paulo (rodovia Rio-São Paulo) e até na máquina pra o preparo do refrigerante a partir do xarope, lá no Rio Grande do Sul.
Concluímos pela generalização do uso da palavra coca na divulgação do refrigerante, no instante em que havia uma geladeira das grandes com porta de vidro cheia de sucos e bebidas com a sua lateral com enorme letreiro: Gostoso é Coca!
A publicidade sempre visa inundar as mentes das pessoas com nomes curtos, de fácil memorização, acoplados a frases de forte apelo emocional. Isto automatiza as decisões das pessoas que escolherão os produtos de consumo em função das emoções agradáveis que foram registradas na memória, junto com a propaganda.
“Coca” é uma palavra forte, com fonemas vigorosos, portanto, com amplas condições de ser gravada solidamente nas memórias.
Será que estão fazendo um “balão de ensaio”, experiência para testar o efeito, a repercussão e a reação da sociedade ante a substituição da tradicional propaganda Coca-cola por um vocábulo mais curto e mais vigoroso?
Numa época em que o mundo se preocupa com o problema das drogas, sendo a cocaína — coca -uma das mais preocupantes, há que se fazer uma reflexão sobre o uso da expressão “coca” num refrigerante tão aceito e usado pelas crianças.
A conotação dúbia que a palavra — coca — adquire, uma comercial e outra extremamente perigosa, ambas envolvendo a juventude, é preocupante.
Num olhar desavisado isto pode não parecer importante, mas é necessário recordar algumas situações do dia-a-dia para análise.
Uma sorridente criança de três anos se alegra com a aproximação de uma tia querida. Quer coca ?, pergunta à criança.
“Coca” é oferecida como delícia das delícias, prêmio e cortesia para agradar à criança. Há uma evidente simpatia. As emoções que envolvem a criança são agradáveis, prazerosas.
Vem a festa de aniversário e a mãe, toda alegre, exclama: Quem quer coca?
No fim de semana o almoço é sempre na casa da avó. Alegria geral, os primos brincando. Meninada, quem vai querer coca?
No ouvido interno (memória) de todos nós estão gravadas as vibrações que representam a palavra, envolvidas pelas auréolas de prazer ou desprazer dos momentos em que se fixaram.
As vibrações que representam a palavra “pancada” em geral trazem conotações de dor, “limão” traz um sentido subjacente de azedo, “abraço” se liga a ternura e amizade. Desta forma, “coca” está na memória da criança com o sentido subjacente de coisa boa. Assim, a palavra vai estimulando o uso crescente da coca.
Agora, as propagandas ressaltam: Coca é viver bem! Gostoso é Coca!
Hoje, criança, amanhã será adolescente!
Que reações serão criadas no subconsciente do agora adolescente ao chegar em sua memória do ouvido interno uma oferta de “coca” que não é o refrigerante?
Por que, para agradar as crianças, não oferecem leite ou uma fruta? Isto não acontece habitualmente e não há trabalho educativo porque a intensa propaganda desvia a atenção dos alimentos saudáveis para o consumo supérfluo.
Há distorções dos valores das coisas. Uma mistura de água, gás e um xarope misterioso, não pode ser “prêmio” para uma criança, no lugar dos esquecidos sucos e frutas que seriam mais naturais e saudáveis.
Por que permitimos que as nossas crianças e jovens fiquem com uma memorização de refrigerante que possibilita a aceitação de droga perigosa — coca?
Além disso, haveria a economia de muitos milhões de dólares que são remetidos para o exterior em lucros, direitos de uso da marca e outros artifícios, por um produto que não contribui para a saúde humana.
Prudência é saber antecipar as consequências.
*Rui Nogueira é médico e escritor. Autor de Servos da moeda; Nação do sol; Amazônia, império das águas e Petrobrás, orgulho de ser brasileira.