Renato Nathan foi assassinado em abril, em Rondônia
Foi com esse objetivo que uma delegação composta por representantes da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental, Associação Brasileira dos Advogados do Povo – Abrapo, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – Cebraspo e a Dra. Lenir Coelho, advogada da Comissão Pastoral da Terra, que atualmente acompanha o caso do assassinato do líder camponês Renato Nathan em Rondônia, realizaram uma série de reuniões e atividades denunciando a criminalização, perseguição, tortura e assassinato de lideranças e ativistas camponeses em luta pela terra.
No Rio de Janeiro, em 23 de outubro, foi realizada uma reunião nacional da Associação Brasileira dos Advogados do Povo – Abrapo, que debateu a organização de uma campanha nacional de denúncias sobre a criminalização, perseguição, tortura e o assassinato de camponeses em Rondônia e outras partes do país.
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Vitória Grabois, também recebeu a delegação no dia 24 seguinte e colocou à disposição toda a rede de contatos nacionais e internacionais do Grupo para a difusão de notícias e denúncias.
Nesse mesmo dia, a delegação foi recebida pelo destacado democrata e criminologista, Dr. Nilo Batista, ex-governador do estado do Rio de Janeiro e fundador do Instituto Carioca de Criminologia. Nilo Batista ouviu os depoimentos e denúncias dos camponeses, debateu- as com os advogados do povo e fez importantes apontamentos para o trabalho. Segundo relataram os camponeses, o criminologista se indignou com o relato de José Gonçalves sobre o assassinato de seu irmão Renato Nathan e, vendo as fotos do corpo de Renato afirmou: “Isso foi uma execução!”
Também no dia 24, membros da delegação concederam entrevista ao Programa Faixa Livre, transmitido pela rádio Bandeirantes AM 1360 do Rio, e deram relatos sobre o caso do assassinato do líder camponês que ensinava nas áreas tomadas pelos camponeses em Rondônia, Renato Nathan e outros casos de torturas e assassinatos de camponeses no país.
Estado de Sítio em Rondônia
Participaram do Programa Faixa Livre a Dra. Lenir Coelho, o Dr. Felipe Nicolau, membro da Abrapo, e José Gonçalves.
Eles relataram que, Rondônia, particularmente a região que compreende Buritis, Campo Novo, Rio Pardo e Jacinópolis, vive um verdadeiro Estado de sítio que lembra o período do regime militar-fascista. Tropas do exército, forças policiais e bandos de pistoleiros a mando do latifúndio impõem terror diário aos camponeses em luta pela terra.
No dia 5 de abril deste ano, ocorreu um episódio em Buritis que recebeu ampla publicidade de praticamente todos os órgãos da imprensa venal de Rondônia, porta-vozes do latifúndio e das posições mais reacionárias. Tratava-se do acerto de contas armado que envolvia roubo de gado e a venda desses animais que resultou na morte de seis pessoas, entre elas dois camponeses, um agente penitenciário e um policial civil de Ouro Preto D’Oeste.
Execução de uma liderança camponesa
A partir desse acontecimento, e aproveitando-se dele, de acordo com a denúncia dos camponeses da região, um grupo paramilitar, integrado também por policiais, assassinou Renato Nathan quando ele chegava a sua residência.
A Dra. Lenir revelou que o inquérito desse caso não foi apurado até o momento e que os assassinos de Renato não foram identificados. José Gonçalves denunciou as absurdas contradições e irregularidades das informações apresentadas pela polícia sobre o caso:
Renato foi assassinado no dia 9 de abril entre as 15h e 16h. Seu corpo foi retirado do local às 23h25min desse mesmo dia, sem a realização de uma perícia no local do crime, sem qualquer registro de ocorrência, e foi levado para a funerária.
A ocorrência só foi registrada às 6 horas da manhã do dia 10 e, nesse mesmo dia, segundo denunciou José Gonçalves, homens do 7º Batalhão da PM, sediado em Ariquemes (a cerca de 200 km da capital Porto Velho), comandando pelo tenente–coronel Ênedy Dias e policiais de diferentes corporações e jurisdições, arrombaram a casa de Renato e apreenderam documentos e objetos pessoais buscando justificar o seu assassinato.
José Gonçalves relatou que, entre os objetos apreendidos e utilizados para acusar Renato de “doutrinador” e “guerrilheiro”, estavam um aparelho de geoposicionamento por satélite GPS e manuais de topografia (ofício em que Renato se especializava), livros de Maquiavel e Sun tzu, livros de instrução para primeiros socorros em locais onde não há médicos, enfim, livros e manuais que podem ser encontrados em qualquer livraria ou biblioteca.
A Dra. Lenir Coelho ressaltou que o inquérito do assassinato de Renato foi instalado em 13 de abril e que, até o momento, os parentes de Renato e as pessoas que encontraram o seu corpo não foram ouvidos. Não houve exame cadavérico de Renato, e as fotos apresentadas do seu corpo aparentam ter ele sofrido torturas. Ela ainda destaca que os funcionários da funerária, bem como a esposa de Renato, que se apresentaram voluntariamente para prestar depoimentos, sequer foram ouvidos.
Parte dos objetos pessoais e documentos ilegalmente apreendidos com a invasão da residência de Renato após o seu assassinato só foram devolvidos no dia 16 de agosto, isso após muita insistência dos familiares. Ainda assim, objetos como o seu telefone celular, roupas, livros, etc., continuam retidos pela polícia.
O caso de Renato já esteve sob a responsabilidade de três diferentes delegados e, segundo denunciam os advogados, a cada novo delegado que assume o caso, seguem-se discursos e acusações sem provas, buscando caracteriza-lo como “guerrilheiro” para justificar o crime e nada de verdade apurar.
A Dra. Lenir ainda acrescentou que, após muitas pressões dos familiares e advogados e da CPT, o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino da Silva Filho, solicitou informações sobre o inquérito ao delegado da Polícia Civil Lucas Torres Ribeiro, e que esse respondeu que havia ouvido familiares e testemunhas, mas isso não é verdade, pois até o momento ele não apurou nada.
O Dr. Nicolau denunciou a intensa campanha de criminalização e perseguições contra lideranças e ativistas do movimento camponês em Rondônia e declarou que policiais estão fotografando lideranças e ativistas nas áreas e montando banco de dados para, futuramente, perseguir esses camponeses em luta pela terra.
Outros casos recentes de tortura de camponeses
Adimar de Souza: preso, sequestrado, torturado e quase morto
Adimar apresentava perfeito estado físico e mental ao dar entrevista
Também foi repercutida a denúncia da situação do camponês Adimar Dias de Souza, conhecido por “Roliço”. Ele foi preso no dia 23 de abril, acusado sem provas de participação no já referido episódio do acerto de contas ocorrido no início de abril por roubo e venda de gado.
Adimar foi preso 15 dias após esses acontecimentos, na casa de seu avô. Segundo informações de moradores da região, antes da prisão, policiais civis espancaram seus pais e seus filhos para obter a sua localização.
Levado por policiais militares para Cacoal, Adimar concedeu entrevista a um canal de televisão negando participação no conflito armado e apresentava perfeito estado físico e mental. Ele foi entregue por estes PMs a policiais civis de Ouro Preto D’Oeste na entrada da cidade. Sob a custódia destes policiais civis e após ficar tempos desaparecido, Adimar foi encaminhado ao Hospital Municipal já desacordado e convulsionando. Posteriormente, foi levado à Casa de Detenção de Ouro Preto D’Oeste em estado de coma. No mês de maio ele foi internado no Pronto Socorro João Paulo II, em Porto Velho, e, ainda em estado de coma, foi mantido algemado.
Após recobrar a consciência, Adimar denunciou ter sido torturado para assinar uma confissão e, até os dias atuais tem a fala comprometida e não pode se locomover.
Em setembro desse ano, o Ministério Público e o judiciário decidiram pelo afastamento do Delegado de Polícia Civil, Cristiano Mattos, e os policiais civis, Fernando dos Anjos Rodrigues e Eliomar Alves da Silva Freitas, acusados de torturarem Adimar.
Paulo Passarinho, apresentador do programa Faixa Livre, que entrevistou os advogados e o irmão de Renato no Rio, sensibilizado pelas denúncias, sugeriu à sua produção que buscasse a Secretaria de Segurança e outros órgãos em Rondônia para questioná-los sobre as denúncias apresentadas no programa.
Luiz Antunes: torturado para obter “confissão”
José Gonçalves e o Dr. Felipe Nicolau relembraram outras denúncias de torturas de camponeses de Rondônia por policiais nos últimos meses, como o caso do camponês Luiz Antunes, que foi covardemente torturado por policiais civis e militares do município de Buritis, no PA Rio Alto, em 18 de novembro do ano passado. Ele denunciou que foi torturado para assumir a autoria de delitos ocorridos na região.
Luiz Antunes é morador da mesma área em que viviam os dirigentes da LCP, Élcio Machado e Gilson Gonçalves, também barbaramente torturados e assassinados em dezembro de 2009.