Enquanto a Comissão da meia verdade caminha a passos lentos, o Ministério Público Federal segue processando criminalmente os torturadores da gerência militar. O clamor pela punição cresce e incomoda. No último dia 19 de julho, a sede do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM), no Rio de Janeiro, foi invadida e saqueada.
Grupo de trabalho do Araguaia realiza busca de ossadas no Pará
Segundo Victória Grabois, presidente do GTNM, o Grupo recebeu uma ligação anônima no dia 11 de julho:
— Era uma voz masculina, pausada e disse à nossa secretária “isso vai acabar, nós vamos voltar”.
Victória relatou à nossa reportagem que no dia 19 de julho, quando chegou à sede, uma das militantes do GTNM percebeu que o local havia sido invadido. Os arquivos foram revirados e tudo estava desordenado. Após um primeiro levantamento, descobriram que R$1.577,37, fichas de pacientes do projeto de saúde mental e notas fiscais haviam sido subtraídas. A ocorrência foi registrada na delegacia e a perícia esteve no local no mesmo dia. Os peritos foram unânimes em afirmar que a sede não havia sido arrombada e que, portanto, quem entrou possuía as chaves ou equipamentos modernos para abrir as portas sem que isso fosse notado.
Mas essa não é a primera vez que o GTNM sofre esse tipo de ameaça. Em 27 anos de atuação, o Grupo recebeu várias ameaças escritas, por telefone e em outra ocasião a sede foi “roubada”. Para Vitória tudo não passa de tentativas de intimidação:
— Tem gente que diz “se fosse político, haveriam acabado com a sede do Grupo”. Mas eles são mais espertos do que a gente imagina. Eles levam dinheiro para a polícia ter duas linhas de investigação. Mas isso é para nos amedrontar.
As tentativas de amendrotamento acabam, como sempre, frustradas. O GTNM continua firme na luta pela abertura dos arquivos e punição dos torturadores:
— A nossa posição está incomodando porque eles não querem que sejam investigados os crimes da ditadura, querem que a Comissão termine só com um relatório, e isso não basta. O que aconteceu tem tudo a ver com essa nossa posição crítica, com nossos 27 anos de trabalho, com a sentença do Araguaia, que nós estamos brigando pelo cumprimento e que o governo não cumpriu nada.
Comissão para gringo ver
Dois meses após a nomeação dos integrantes da “Comissão da Verdade”, ela ainda não passa de uma Comissão para gringo ver. Até meados de julho, mesmo com as reuniões quinzenais, não havia regimento interno, metodologia de trabalho, assessores e somente o autor do livro “Memórias de uma Guerra Suja”, Cláudio Guerra, havia sido ouvido. A Comissão acumulava arquivos, na verdade, transferidos de outras organizações e órgãos governamentais que já haviam trabalhado sobre o caso.
Os membros do Grupo Tortura Nunca Mais se reuniram recentemente com cinco dos sete membros da Comissão, em São Paulo. O GTNM teceu críticas à atuação da Comissão, principalmente de dois de seus membros, José Carlos Dias e Gilson Dipp, por haverem dado declarações afirmando que “investigariam os dois lados”. Dias afirmou ter sido mal interpretado e Dipp defendeu suas posições, argumentando que “era um democrata”.
O GTNM também solicitou que as reuniões da Comissão fossem públicas e que todos os arquivos fossem abertos à sociedade. Segundo a presidente do Grupo, depois dessa reunião, ficou decidido que os depoimentos poderão ser acompanhados por jornalistas e que haverá reuniões estaduais entre a Comissão da Verdade e os familiares de mortos e desaparecidos, em cada estado da federação.
Araguaia
Em meados de julho, o governo federal anunciou com pompa e circunstância a retomada do Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), que busca os corpos e ossadas na região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, na década de 70, no sul do Pará.
A reativação do GTA foi feita em meio a críticas do Ministério Público Federal (MPF), divulgadas no último dia 23. No documento encaminhado ao governo e à Comissão da Verdade, a Procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, afirma que a situação é de “improbidade administrativa” e que “a comissão de mortos e desaparecidos não realiza suas obrigações legais de ofício”.
Para a presidente do GTNM, a situação não é novidade. Segundo ela, o GTA, que existe desde 2009, já gastou mais de R$5 milhões e apresentou poquíssimos resultados. Ela é contundente ao afirmar que o primeiro passo para encontrar os corpos é a abertura dos arquivos, já que é necessário obter informações fidedignas sobre a localização dos cemitérios clandestinos. Ela relata que a atuação do GTA, inclusive, causa transtornos à população local ao profanar os túmulos da região sem um planejamento adequado. Como a área onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia é imensa, somente com maiores informações é que os corpos poderiam ser encontrados. Ela também critica o fato de o Brasil não aceitar a ajuda dos técnicos argentinos, que já auxiliaram em trabalhos similares na Guatemala e na Bolívia.
Torturadores denunciados
O major da reserva Lício Augusto Maciel foi denunciado pelo sequestro de Divino Ferreira de Sousa, o Nunes, em 1973, durante a Operação Marajoara, que visava acabar com a Guerrilha do Araguaia.
Desde o dia 17 de julho, a ação está tramitando na 2ª Vara da Justiça Federal de Marabá. Há dois testemunhos de que Divino teria sido capturado com vida e levado à base militar, conhecida como Casa Azul, em Marabá, e que o responsável pela ação teria sido o major acusado pelo MPF. Segundo a denúncia do MPF, o próprio major, em depoimento realizado em 2010, à Justiça Federal do Rio de Janeiro, reconheceu a responsabilidade pelo sequestro do militante. A ação está sendo movida por um grupo de Procudadores do Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul. Até o fechamento dessa edição de AND, a ação esperava decisão judicial.
E esse tipo de ação deve continuar nos próximos meses e anos. O Grupo Justiça de Transição do MPF vai continuar denunciando os torturadores. Os familiares de assassinados e desaparecidos também já estão preparando ações individuais na esfera criminal. Segundo Victória, em breve, também devem começar a chover ações dos presos políticos em todo o país.