No dia 10 de agosto, policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da PM do Rio de Janeiro ocuparam o Complexo do Turano, na zona Norte da cidade, para a implantação da 11ª Unidade de Polícia Pacificadora. Vestidos de preto, encapuzados e sem identificação nas fardas, centenas de ‘caveiras’ chegaram ao morro de madrugada, agrediram moradores e invadiram casas dando mostra de como será a rotina na favela durante a militarização.
BOPE ocupa o morro do Turano:
amedrontados, os moradores saem de casa
O morro do Turano está situado entre os bairros da Tijuca e do Rio Comprido, na zona Norte da capital fluminense, e herdou esse nome de uma família de aristocratas cariocas que oprimiam os trabalhadores da região no século XIX. No início de agosto, a dupla Cabral-Beltrame, mando e executor da política de repressão contra o povo pobre no Rio de Janeiro, desencadeou o processo de ocupação militar do Turano para a implantação da 11ª UPP.
Pela madrugada, dezenas de PMs fortemente armados ocuparam as cinco entradas da favela. No dia 11 de agosto pela manhã, enquanto milhares de trabalhadores e estudantes desciam o morro, caveirões, camburões, helicópteros, escavadeiras e centenas de soldados empunhando armas de guerra circulavam por toda parte.
— Quando eles chegaram, ainda era de madrugada. Eles nunca tiveram peito para subir a favela de noite. Agora que os bandidos fugiram, eles metem as caras aqui e ainda aparecem na televisão como heróis que expulsaram o tráfico. Há um mês que os gerentes do tráfico sumiram da favela. Quando o BOPE chegou, lá de casa eu escutei vários tiros. Meus vizinhos disseram que os policiais estavam atirando para o alto para fingir que estava tendo tiroteio. E foi o que disseram nos jornais no dia seguinte. Parece que é tudo combinado entre eles [a polícia e o monopólio dos meios de comunicação] — suspeita um morador que pediu para não ser identificado.
No dia seguinte, a equipe de reportagem de AND foi ao morro do Turano coletar denúncias de moradores que foram ameaçados, humilhados e tiveram suas casas invadidas e reviradas pela polícia.
— Eu estava em casa com a minha esposa, quando eles arrombaram a porta gritando para deitarmos no chão, me chamando de vagabundo e perguntando onde estava o bando. Eu sou comerciante há 15 anos, como vou saber da vida de traficante? Eles disseram que iam ter que revistar a casa e eu pedi para acompanhar a revista. Daí ele me empurrou no chão e disse ‘quer ver eu dar um tiro na sua cara? Porque se eu der, não vai acontecer nada! Vai ficar por isso mesmo’. Aí eu fiquei quieto por medo. Não imaginei que ia ser assim. A UPP chegou aterrorizando os moradores — denuncia um trabalhador.
— Quando eu cheguei do trabalho a minha porta estava arrombada e eu escutei um barulho lá dentro. Quando entrei, o chão estava todo molhado e a minha filha estava chorando sentada no chão. Os PMs estavam simplesmente virando a casa de cabeça para baixo. Tirando roupas e papéis das gavetas e jogando no chão molhado. E não me deixaram sentar no meu próprio sofá. Eu e a minha filha tivemos que esperar eles acabarem de revistar a casa, sentados no chão molhado. Um abuso — protesta outro morador.
Enquanto o gerenciamento Cabral expande a militarização das favelas da capital, os candidatos à gerência do velho e apodrecido Estado brasileiro, Dilma, Serra e Marina, declaram total apoio às UPPs, com a garantia de que, se eleitos, aplicarão esse modelo de repressão contra o povo em todo o Brasil.
Vídeo flagra truculência de PMs da UPP do Cantagalo
Video documenta o cinismo e o abuso de poder de policiais
da UPP do morro do Cantagalo com os moradores
Como publicado em AND 68, no início de julho o comerciante e músico André Luís Gonçalves de Araújo, de 34 anos, foi preso arbitrariamente, espancado e baleado nas costas por PMs no morro do Cantagalo. Exatamente um mês depois do incidente, policiais da UPP — um deles dizendo-se o autor do disparo que feriu André — foram flagrados em um vídeo produzido por moradores, xingando e dando tapas em um jovem enquanto o revistavam.
Uma senhora que acompanhava tudo da varanda de sua casa disse que iria relatar o abuso ao comandante da UPP. “Vai lá então”, ironizou o policial apontando sua identificação na farda: “Tá aqui ó. Vieira”. Em seguida, a senhora acusa o PM de ter efetuado o disparo que feriu André nas costas. “Acertou nas costas? Deu sorte, porque era para acertar na cabeça!”, respondeu o policial.
— Tinha um rapaz sentado em uma cadeira no alto do morro e os PMs já chegaram intimidando ele, perguntando o que ele estava fazendo, cheios de grosseria. Ele disse que só estava tomando um ar e, do nada, um dos policiais deu um tapa na cara dele. Uma menina estava filmando tudo, quando uma senhora interferiu acusando um dos PMs de ser o autor do tiro que me acertou nas costas. Como resposta, o policial disse que ‘eu dei sorte, pois era para ter acertado na cabeça’. Ela ofereceu o vídeo para a Globo e para a Record, mas segundo ela, eles rejeitaram. Em breve, eu vou testemunhar contra os policiais que me balearam, só que o único que não foi afastado, ainda está aqui no morro e pelo visto foi quem atirou em mim — contou André a nossa equipe de reportagem.
— Se eles continuarem humilhando as pessoas, a comunidade vai se colocar cada vez mais contra a polícia. Porque parece que nos humilhar os deixa mais feliz. O povo todo acredita que a nossa luta vai trazer alguma melhoria, porque só depende de nós mesmos. Espero que o meu caso sirva de exemplo para que outros lutem por igualdade, lutem para acabar com esse negócio de que só o pobre é o errado. Nós somos todos iguais, independente de ser branco, negro, índio, rico ou pobre. Temos que recuperar nossa dignidade. O povo só quer ser feliz, mas para isso, temos que lutar muito — diz o comerciante.
O vídeo que flagra mais esse episódio de abuso de policiais da UPP contra os moradores do morro do Cantagalo está disponível no blog de AND (https://anovademocracia.com.br/blog).