“Estado Plurinacional” mantém opressão aos povos indígenas

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“Estado Plurinacional” mantém opressão aos povos indígenas

A última  aproximação entre o governo de Evo Morales e os dirigentes indígenas de terras baixas voltou a mostrar em carne viva a opressão do autodenominado "Estado Plurinacional" sobre a maioria do povo boliviano. Em  2 de julho, os representantes de Evo trataram os dirigentes como se fossem crianças ("como seus filhos"), os proibiram de falar com a imprensa e mostraram-lhes seu mais sujo lado patriarcal,  segundo denúncias dos próprios dirigentes indígenas.

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Início da marcha da Confederação dos Povos Indígenas (CIDOB)

O governo de Evo Morales rebatizou o Estado boliviano como "Estado Plurinacional", mas só o nome passou pelo "processo de mudança". Uma boa parte das lideranças indígenas foi cooptada pelo Movimento Al Socialismo — MAS e se incorporou à administração do Estado, em cargos na Assembleia Plurinacional (assembleia legislativa) e no Poder Executivo, podemos dizer novamente que alguns dos "funcionários" mudaram de rosto, mas não de substância.

O certo é que o tempo passa, as demandas indígenas são evadidas pelo governo e os povos indígenas (à margem de suas lideranças) começam a exigir uma verdadeira mudança em suas condições de vida.

Expressão disso foi a marcha da Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB) que partiu de terras baixas rumo à sede do governo há mais de uma semana. Os povos indígenas exigem o cumprimento da promessa feita pela gerência de Evo Morales: direitos democráticos e coletivos, acesso real ao território, posse territorial à margem da delimitação estatal, administração de seus recursos naturais, eleição de suas próprias autoridades mediante seus costumes. As demandas interpelam o suposto "Estado dos indígenas" e questionam o "presidente indígena".

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Chegada da marcha à sede da gerência bolivariana

O interessante é que o governo do MAS utilizou essas promessas para cooptar dirigentes e para garantir o apoio eleitoral das grandes massas camponesas-indígenas do país. Os hierarcas do MAS nunca deixaram claro, como agora o fazem em viva voz, que os indígenas só teriam direito a um território delimitado há mais de dois séculos pelo velho Estado.

Desta forma, torna-se cada vez mais claro que o caráter do Estado boliviano não se modifica com uma mudança de nome, nem com caras campanhas televisivas sobre as bondades de um suposto "Estado Plurinacional", representante de todas as nações da Bolívia.

Por isso as demandas políticas da CIDOB, de autonomia plena, direito à consulta, reversão das grandes concessões, mais cadeiras indígenas no parlamento, entre outras, não serão resolvidas nem merecem um interesse sincero por parte do governo.

O Estado boliviano, ferramenta das classes dominantes, não passará plenos poderes aos setores oprimidos. O velho Estado não está disposto a perder o controle político nem o controle econômico dos recursos nas regiões de floresta. Por isso mesmo tal Estado depositou sua confiança e entregou temporariamente sua gestão a um inofensivo administrador, como é o "presidente indígena" Evo Morales.

E Evo é um excelente administrador dos interesses das classes dominantes. Senão vejamos o que ocorre com o direito a consulta indígena (sobre projetos de investimentos e exploração estrangeira em seu território), aprovada na Constituição Política do Estado: os representantes do MAS vão desde o discurso de respeitar as decisões dos povos, passando pela concepção de que a consulta é um estorvo para o desenvolvimento do país e vêm colocando que se trata só de uma consulta e nada mais (ou seja, que não é vinculante). Onde houve consultas as populações foram enganadas.

Os interesses do governo sobre os territórios de terras baixas, estão ligados a seus compromissos com grandes projetos imperialistas (IIRSA, por exemplo). Por isso é evidente que o governo não amarrará as próprias mãos, dando poder aos setores populares que vivem em áreas de seu interesse.

A reação lógica dos povos é a marcha vindo do leste, mais por uma pressão acumulada das bases que obrigaram, de certa maneira, os dirigentes a levá-la adiante.

Esta mobilização questiona a demagogia que a gerência do "irmão" Evo usa para os indígenas, que aparecem como vitrine do Movimento Al Socialismo, como um vaso de flores, para chamar atenção, como disse o dirigente Adolfo Chávez, porque são utilizados como bandeira para ganhar opinião pública mundial.

Mas isso não vem de agora. Já aconteceu com os cargos indígenas para o parlamento. A CIDOB reivindicava 34 cadeiras, mas só obteve 7 devido a uma negociação do MAS com a oposição. A gerência de Evo contou aos indígenas que não tinham maioria suficiente no parlamento para cumprir seu dever. No entanto, hoje o MAS é maioria absoluta, rechaça novamente o pedido e reconfirma os sete representantes, com a promessa de voltar a tratar o assunto depois de um "censo populacional" que demostre quantos são a população indígena realmente existente no país. Mentira atrás de mentira, se foi incubando a atual marcha indígena.

A gerência reagiu usando o arquiconhecido argumento de que os pobres "estão sendo financiados pela Usaid". O governo pagou um anúncio na televisão que induz a pensar que os mobilizados estão aliados aos latifundiários e os "cívicos" do leste boliviano. A estratégia na imprensa para atacar rapidamente a todo o movimento ou protesto dirigido contra sua política.

É paradoxal que o ministro de Autonomias, Carlos Romero, seja um dos acusadores dos indígenas. Quando ministro da Agricultura, na gerência anterior à de Evo, Romero foi encarregado pelo governo de negociar os artigos da Constituição Política do Estado secretamente com os latifundiários, com a Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz (Cainco), e outros representantes recalcitrantes da Media Luna. Ali negociaram mais de 100 artigos escondidos das massas que marchavam nas ruas. O resultado foi a atual Constituição, esta que hoje o vice-presidente Álvaro García Linera diz que os "mal manejados" indígenas do leste querem transpassar.

Outra medida praticada pela gerência é usar os sindicatos governistas, contrapondo-os aos setores que protestam. Os dirigentes cocaleiros do Chapare, atualmente funcionários do Estado, ameaçaram  impedir que a marcha passasse pela região cocaleira porque ela se opõe ao "processo de mudança". A Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), as camponesas Bartolinas e outras organizações também cooptadas pelo MAS, tem rechaçado a marcha porque prejudica a imagem do "irmão Evo". Simples assim.

Opor massa contra massa tem sido uma prática constante e eficaz desta gerência, que também faria morrer de inveja o corporativismo fascista europeu. Dividir os sindicatos, cooptar seus dirigentes, isolar os opositores, criar organizações paralelas, tudo isso é visto desde o primeiro momento de ascenso de Evo Morales. Nesta marcha, o governo tentou como primeiro passo romper a unidade dos indígenas, negociando separadamente com os dirigentes de Beni (filial da CIDOB).

Então voltamos à contradição entre o velho Estado da classe dominante (insistentemente chamado "Estado Plurinacional") e os setores populares, uma contradição que se revela entre o velho Estado e os povos indígenas, entre os que detêm o poder e o povo, entre os setores dominantes e os explorados. Essa é uma contradição objetiva e real, que esteve em calma por um tempo, mas que volta a se tornar aguda, porque o "processo de mudança" só é visto no papel e não traduz numa melhora substancial na satisfação das demandas dos diversos setores do movimento popular.

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