As chuvas do dia 5 de abril causaram incontáveis estragos à região metropolitana do Rio de Janeiro. Logo após o cessar do temporal, o monopólio dos meios de comunicação já culpava as massas dos inúmeros bairros pobres espalhados pelo estado do Rio e a natureza pelos trágicos deslizamentos que mataram cerca de 260 pessoas, enquanto quase uma centena ainda encontra-se debaixo dos escombros.
Tratores demolem casas de trabalhadores no morro dos Prazeres
onde cerca de 30 pessoas morreram soterradas
Nas semanas seguintes, os gerentes de turno Cabral, Eduardo Paes e o prefeito de Niterói, Jorge Roberto da Silveira, desentocaram-se para cumprir sua tarefa de atacar o povo pobre, custe o que custar, nas favelas mais atingidas, como o morro do Bumba, em Niterói, e o morro dos Prazeres, em Santa Tereza, bairro nobre do Rio de Janeiro.
Morro dos Prazeres
No dia 15 de abril a equipe de reportagem de AND foi ao morro dos Prazeres — um dos bairros pobres sob ameaça de remoção — conversar com a presidente da associação de moradores,Elisa Rosa Brandão da Silva, de 49 anos. A líder comunitária, antes de qualquer coisa disse que os jornais do monopólio dos meios de comunicação estão distorcendo suas palavras, publicando apenas o que lhes convém e, por isso, nos cobrou "compromisso com a verdade" e "solidariedade às vítimas, não das chuvas, mas do descaso do Estado". Segundo outros moradores, a indiferença desses veículos de comunicação é tamanha, que repórteres do jornal O Globo, após coletarem depoimentos de moradores desolados, no dia seguinte aos deslizamentos, se esconderam em becos da favela para usar drogas, compradas diretamente com traficantes do morro dos Prazeres.
A presidente da associação de moradores do morro dos Prazeres começou a entrevista relatando detalhadamente de que maneira a prefeitura e o gerenciamento estadual têm atacado os moradores que sobreviveram aos deslizamentos.
— Desde o início dos deslizamentos que nós estamos nessa luta. Conseguimos dar um enterro digno para os 30 moradores aqui da comunidade. Até então estamos apreensivos, quando o Eduardo Paes e o Sérgio Cabral declararam que toda a comunidade do morro dos Prazeres estaria condenada, causando terror nos moradores. Até agora nenhum laudo foi apresentado. Eles disseram que já entregaram esse tal laudo no Ministério Público, mas o MP diz que não recebeu. Então como ele pôde decretar que os Prazeres está condenado? — questiona a líder comunitária.
— Depois que teve a primeira fase do projeto Favela Bairro aqui, todo o morro dos Prazeres foi legalizado. Ou seja, depois que o governo entrou aqui pavimentando ruas fazendo ligações elétricas e sanitárias, ele legitimou a comunidade. Agora o Eduardo Paes e o Cabral vêm dizer que o projeto Favela Bairro não funcionou, mas funcionou sim. Não foi adiante por causa da troca de mandato. Isso é ridículo. Entra um prefeito e diz que não quer continuar o trabalho do mandato anterior. Até quando o lucro vai valer mais do que a vida? — pergunta dona Elisa.
Especulação olímpica
— O morro dos Prazeres está em uma das áreas mais nobres do Rio de Janeiro: Santa Tereza, onde todas as construções, veja bem, todas, estão em encostas. Nenhum morro do Rio de Janeiro tem a vista e a localização que o morro dos Prazeres tem. Depois que nos tirarem daqui, eu duvido que essa área vai ser de risco para uma construtora vir e erguer um hotel ou um condomínio de luxo. Esse terreno aqui vale milhões — alerta.
— Mas as nossas reivindicações não são baseadas no fato de Santa Tereza ser área nobre ou algo assim. Nós somos uma comunidade sim. A maioria dos nossos trabalhadores é composta por operários e operárias, motoristas, vendedores ambulantes, empregadas domésticas e muitos outros. Nós somos pobres sim, mas não somos burros e ignorantes. Agora vem um prefeito, como muitos que já passaram por aí e nada fizeram por esse povo nesses mais de 60 anos de existência do morro dos Prazeres, e diz que vai acabar com a comunidade? E a nossa história? O prefeito se justifica dizendo que, no próximo verão, ele não quer deixar de dormir devido o risco de morte dos moradores. Se ele vai conseguir dormir depois de tirar duas mil e quinhentas famílias de suas casas, então ele tem algum problema psiquiátrico. O Estado e a prefeitura estão nos causando mais dor do que a chuva — protesta a presidente da associação de moradores do morro dos Prazeres.
Deslizamento no morro do Bumba foi criminoso.
"Urbanizado" pela prefeitura soterrou dezenas de famílias
— Essas pessoas que nós estamos cadastrando aqui para receber cheque de aluguel social estão com suas casas prestes a cair e precisam realmente ser retiradas. Mas onde elas vão alugar uma moradia por 400 reais por mês, que não seja em outra área de risco ou na Baixada Fluminense, a 100 quilômetros de onde moravam? Será que o patrão desse trabalhador vai aceitar que ele vá morar a 100 quilômetros do serviço? — indaga dona Elisa.
— Há quantos anos nós sofremos com o descaso do poder público? Com esse abandono, incontáveis promessas não cumpridas? Eles acham mesmo que os moradores daqui vão acreditar neles e confiar que daqui a seis meses eles ainda vão receber esse aluguel miserável para manter minimamente sua moradia? Porque ninguém quer alugar imóvel para nós. Nem os locadores estão confiando no Eduardo Paes. Ele quer que nós acreditemos que ele vai dar uma moradia digna para nós, mas nós não acreditamos — diz a líder comunitária.
— Eu e minha família, graças a Deus, não somos envolvidos nem com o tráfico, nem com essa politicagem. Mas se eu chegar perto do morro do São Carlos, onde ele disse que vai construir um condomínio para nós, eu voltarei em um caixão, pois a facção que domina o tráfico lá é diferente da daqui. Porque, infelizmente, os traficantes não querem saber se você é trabalhador ou é envolvido com o crime. Todos são inimigos. E é essa a proposta de moradia do prefeito para nós. Porque ele não pega esse dinheiro e investe em uma contenção aqui onde nós estamos — questiona dona Elisa.
Remover ou realocar?
Durante entrevista ao "Jornal das Dez", da Globo News, no dia 15 de abril, o Professor Aurélio Fernandes falou representando a Federação das Associações de Moradores das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), sobre os verdadeiros motivos que levaram os gerentes de turno Sérgio Cabral e Eduardo Paes, a anunciarem a remoção completa de diversas favelas da cidade, dentre as quais está o Morro dos Prazeres.
"Para nós, remoção não significa realocar os moradores de favelas, mas sim retirar essas pessoas de um local e colocá-las onde não vão ter condições dignas. Hoje a gente tem no Rio de Janeiro, prédios e terrenos vazios, voltados exclusivamente para a especulação imobiliária. Ou seja, enquanto o direito a propriedade se sobrepor ao direito a vida, esse problema não será resolvido. Essas pessoas pobres não são picaretas que não querem sair do local. Quem é que quer continuar em uma área de risco? Morar ali foi escolha dessas pessoas? Ou foi por falta de opção? Ou foi por falta de uma política de habitação? Eu duvido que um problema desses no asfalto seria tratado dessa maneira. Eu duvido que diriam para as pessoas ‘sai todo mundo que agora vocês vão para onde nós quisermos", enfatizou o professor.
"Só se lembram do problema urbano quando ocorrem tragédias como essa. Todo mundo se choca porque morreram 200 pessoas por causa dos deslizamentos, mas ninguém se choca com as mil e quinhentas mortes que têm todo ano em autos de resistência. Esse problema de habitação também acontece, pois a vida é muito miserável no campo e muitas pessoas vêm para a cidade por conta disso. O que existe de fato é uma massa enorme de pessoas que não têm onde morar e que não têm outra opção a não ser morar em áreas de risco. A lagoa Rodrigo de Freitas era cercada de favelas e todas foram removidas e tiveram sua população transferida para locais como a Cidade de Deus. Hoje, o mesmo lugar, onde estavam as favelas antigamente, é ocupado por prédios de luxo", aponta o representante da FAFERJ.
Moradores de favelas protestam em frente à prefeitura de Niterói
Morro do Bumba
No mesmo dia (15), nossa equipe de reportagem foi para a porta da prefeitura de Niterói, onde acontecia uma grande manifestação dos moradores das favelas atingidas pelos deslizamentos, dentre os quais estava Márcio Siqueira, de 37 anos, morador do morro do Bumba que sobreviveu à tragédia e ajudou no resgate dos poucos sobreviventes e dos corpos das vítimas fatais. Acompanhado de sua esposa, o operário da construção civil disse que está vivendo em uma "prisão" e que é hora das massas se rebelarem contra a ganância desmedida dos gerenciamentos de turno.
— Eu estava na hora da tragédia e fui uma das primeiras pessoas a socorrer as vítimas. Nós tiramos, com vida, cerca de oito pessoas. Quando eu escutei aquela barulheira toda, estava fazendo um gato de luz na minha casa porque estávamos às escuras há quatro ou cinco dias. Sem luz e sem água — relata o trabalhador.
— A população do Rio, de Niterói e até mesmo de São Paulo tem mandado donativos. Mas a prefeitura não tem nos dado nada, não temos o aluguel social, não temos informações. Estou morando dentro de um colégio. Uma coisa subumana, com 25 pessoas dentro de uma sala de aula. E, se não fossem os vizinhos e outras pessoas que estão nos ajudando, nós não teríamos alimento, não teríamos nada. E o maior culpado por esse deslizamento, o Jorge Roberto da Silveira, ainda diz para a mídia que não teve culpa e que os culpados foram os mortos que estavam lá. Ele está querendo culpar as pessoas que fizeram as casas no lixo, mas sendo que pavimentação, água, luz, tudo foi autorizado pela prefeitura, nada foi feito pelo povo — denuncia.
— Esse sujeito teve quatro mandatos à frente da prefeitura de Niterói. Já mamou muito na teta do governo, mas fazendo o que? Pintando poste, colocando plantinhas? Infra-estrutura mesmo para essas pessoas faveladas, um plano de habitação decente, isso ele nunca fez. E o que mais me incomoda é que ao invés dele chegar e assumir a culpa, como homem, ainda responsabiliza as vítimas que já estão sofrendo tanto com a perda de tudo que tinham — protesta Márcio.
Rebelar-se é justo
— Eu estou dormindo dentro de uma escola com a minha família. Me sinto em um presídio. Imagine você vivendo junto com sete famílias dentro de uma sala de aula. O local já ganhou até o apelido de Carandiru. Eu não sei como o povo ainda vota em Jorge Roberto Silveira sabendo dessa porção de ladrões que ele comanda na prefeitura. Por mais que ele não assuma a culpa por nada, que pelo menos ele auxilie o povo, que dê um mínimo de amparo para essas pessoas que perderam tudo — reivindica o trabalhador.
— O governo federal deu 15 milhões para o Sérgio Cabral ajudar as vítimas das enchentes, mas ele está é embolsando esse dinheiro. Do total, 9 milhões vão para o Rio e só 2 milhões para Niterói, onde estavam mais da metade dos mortos. A desculpa é que o Rio é cidade olímpica. Eu não quero saber de Olimpíadas, eu quero saber de abrigo para os meus filhos. Eu vou assistir Olimpíada morando dentro de um colégio? Enquanto isso, o Lula, o Cabral, o Jorge Roberto Silveira e o Eduardo Paes estão podres de ricos se abraçando na televisão.
— Pra você ter idéia do ponto em que está chegando a malandragem, o vereador do PT André Diniz, está pegando caminhões de donativos para o Bumba, que várias pessoas de todo o Rio doaram para as vítimas daqui e do morro dos Prazeres e está distribuindo falando que é tudo dele. Ainda está desviando esses caminhões para os currais eleitorais dele. Para outras favelas aqui de Niterói. Como pode isso? — protesta.
— Eles não querem que o pobre tenha educação, porque aí o pobre vai saber reivindicar os direitos dele. Eles querem mais é que o pobre morra pra não ter que dar educação e outras coisas. E nisso vão deixando a população burra e sem saúde. Tá ficando complicado e uma hora isso aí vai explodir. Vai chegar uma hora que o povo não vai suportar mais essas manifestações pacíficas. Uma hora vai ter quebra-quebra pra valer. Aí eles vão compreender o que estamos falando. Eles nos tratam com violência e querem que nossa resposta seja dada com flores? Quer dizer que a gente vai ficar aqui com uma rosa na mão chorando em frente às câmeras de TV? Eu acho que o momento de radicalizar é agora — conclui Márcio.