
Indígenas e ribeirinhos ocuparam Belo Monte em maio de 2013
Entre os dias 2 e 10 de maio, cerca de 200 indígenas dos povos Munduruku, Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Asurini, Parakanã, Arara e ribeirinhos locais ocuparam o sítio Belo Monte, um dos principais canteiros de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA). Eles exigiam a paralisação imediata das obras, denunciavam a militarização do seu território, a destruição dos recursos naturais provocada pelas obras e o descumprimento das promessas feitas pelo governo federal aos indígenas e ribeirinhos durante ocupações anteriores.
Essa foi a terceira ocupação em dois meses realizada por indígenas e ribeirinhos em canteiros de obras de Belo Monte. E, mais uma vez, como em todas as outras em que operários, indígenas ou ribeirinhos realizaram greves, protestos ou ocupações, a Força Nacional de Segurança, que há meses ocupa o canteiro de obras, e a Polícia Federal reprimiram os manifestantes.
No dia 3 de maio, segundo dia de ocupação, aproximadamente cem policiais da Força Nacional já sitiavam o acampamento indígena.
Reação se contradiz
Segundo nota publicada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 9 de maio, um relatório elaborado pela chefe da Polícia Federal em Altamira (PA), apontaria que “os indígenas estariam ameaçando cerca de 3 mil trabalhadores, o que justificaria” uma ação de reintegração de posse em favor do Consórcio Construtor Belo Monte – CCBM.
Porém, o Ministério Público Federal – MPF/PA publicou nota demonstrando preocupação com a condução da reintegração de posse, “já que a chefe da PF em Altamira, responsável pelo relatório feito à Justiça, é casada com o advogado da Norte Energia S.A Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse. No agravo feito ao TRF1, o advogado chega a citar o relatório da PF, assinado pela sua esposa”.
E mais: quando a procuradora do MPF em Altamira, Thais Santi, chegou ao canteiro de obras para acompanhar a ação de reintegração de posse no dia 8, constatando que poderia haver um desenlace sangrento, solicitou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que suspendesse a ação policial, o que foi atendido pela desembargadora federal Selene de Almeida, que determinou o prazo de 24 horas para que os indígenas se retirassem.
Quanto à provocação de que “os indígenas estariam ameaçando os trabalhadores da usina”, esta foi respondida pelos próprios operários e teve grande repercussão nos órgãos de imprensa locais e páginas na internet em dezenas de artigos noticiando que, na “manhã do dia 3 (de maio) cerca de dois mil trabalhadores aplaudiram de pé um grupo de indígenas que foi aos alojamentos dialogar com os operários”.
Para tentar sufocar as notícias partidas direto da ocupação, no dia 6, a Força Nacional expulsou, com truculência, os jornalistas e repórteres que acompanhavam a ocupação, impedindo-os de permanecer no canteiro de obras. Em nota de protesto, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará denunciaram a truculência policial e a censura imposta pelas forças de repressão, CCBM e governo federal.
Nesse mesmo dia, os indígenas realizaram uma coletiva de imprensa na área externa do canteiro de obras e divulgaram nova nota da qual publicamos trechos:
“O governo perdeu o juízo”
Gilberto Carvalho (ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República) está mentindo. O governo está completamente desesperado. Não sabe o que fazer com a gente.
Vocês proibiram jornalistas e advogados de entrar no canteiro, e até deputados do seu próprio partido.
Vocês mandaram a Força Nacional dizer que o governo não irá dialogar com a gente. Vocês militarizaram a área da ocupação, revistam as pessoas que passam e veem, a nossa comida, tiram fotos, intimidam e dão ordens.
Entendemos que é mais fácil nos chamar de bandidos, nos tratar como bandidos. Assim o discurso do Gilberto Carvalho pode fazer algum sentido.
Mas nós não somos bandidos e vocês vão ter que lidar com isso. Temos o apoio da sociedade e até dos trabalhadores que trabalham para vocês.
O governo está ficando mais violento. Nas palavras, na imprensa, e também aqui no canteiro com seu exército. Hoje faz seis meses que vocês assassinaram Adenilson Munduruku [ver AND nº100 – Policiais federais invadem aldeia e assassinam indígena]. Nós sabemos bem como vocês agem quando querem alguma coisa.
“Vamos continuar a luta”
Vencido o prazo dado pelo TRF de Brasília, os indígenas decidiram se retirar do canteiro de obras. Entoando seus cânticos de luta, empunhando seus arcos e flechas, retiraram-se já prevendo que novas e mais acirradas batalhas virão em um futuro próximo. Em um círculo compacto ao redor dos caciques, dezenas de indígenas ouviram e responderam com gritos de guerra às palavras de protesto de suas lideranças:
“O governo não presta! O governo está desrespeitando os direitos dos povos indígenas. O governo nunca respeitou o direito dos povos indígenas. Sem ouvir os caciques, os moradores, donos dos territórios indígenas (…) mandando a força nacional, mandando a polícia federal, helicópteros voando em cima das aldeias…
Os povos indígenas são os primeiros habitantes do Brasil, o governo Dilma não quer nos ouvir. Esperamos quase uma semana e (…) o governo só manda representantes, secretários… eles não vão resolver nosso problema.
Estamos saindo mais uma vez revoltados. Ao invés de resolver nosso problema (o governo) manda a Força Nacional, a Polícia Federal (…) manda o exército, para ocupar nossas terras, para reprimir movimentos que fazemos para reivindicar nossos direitos.
Enquanto os povos estão sofrendo, o governo está construindo hidrelétricas sem (nos) consultar. Estávamos abertos ao diálogo, mas eles não quiseram dialogar. Acharam melhor mandar a força nacional. Não estamos saindo daqui com acordo nenhum. Estamos saindo daqui como entramos. O governo não deu nenhuma resposta concreta. Queriam que a gente saísse do canteiro para continuarem com essa obra que é tão boa para eles, mas que traz tanto prejuízo para o pessoal que mora aqui da região e de outras regiões.
Com certeza (usaram força para retirar os indígenas do canteiro), tinha muitos policiais lá. Resolvemos sair de forma pacífica, mais uma vez. Vamos continuar a luta e não vamos parar. O governo não quer paz, o governo quer guerra com os povos indígenas”.
“A realidade lá é outra”
Depoimento de um operário de Belo Monte, membro da comissão de trabalhadores que esteve em Belém, em abril de 2013, para registrar denúncias das péssimas condições de trabalho e das atrocidades policiais cometidas contra os trabalhadores.
“A realidade lá é outra, você vai viver confinado, vai ter direito de ir na cidade só uma vez por semana, na quarta-feira a noite, para tentar ligar para os familiares. Sai de lá (do canteiro) às 19 horas e tem que voltar às 22 horas. O direito de folga, que todo cidadão tem, que é o domingo, é o dia que temos para ir até a cidade e voltar a noite, e não dão ônibus suficiente.
Temos limite de operadoras de telefonia. Só pode ter uma dentro do canteiro. Só assim eles podem monitorar as ligações dos operários. Eles cortam as ligações quando um operário liga para o outro. Quando tem movimento de greve cortam a internet e a telefonia.
O sistema de TV em Altamira é todo comprado. As imagens que passam é de que que ‘a obra continua normalmente’, (quando há greves são) ‘meia dúzia de piqueteiros’, vagabundos… Mas não mostra a realidade, a Força Nacional reprimindo os trabalhadores lá dentro, na base de porrada, de cassetete. De novembro até começo de abril (de 2013), só dentro do Pimental (um dos principais canteiros de Belo Monte), mais de treze mortes e cadê: divulgaram isso?! Trabalhador está sendo encontrado dentro dos canteiros lá, morto dentro do mato, em pedreiras, e não divulgam isso.
Você está dormindo à noite e a Força Nacional está invadindo o seu alojamento junto com a patrimonial. Eles dizem que é “vistoria de rotina”. Que vistoria de rotina é essa com o trabalhador, com o cidadão, com quem vêm do Tocantins, do Ceará, de Sergipe, da Bahia, do Goiás, de todo Brasil, pra ser tratado igual preso lá…”
Fonte: www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XcmcO7KkkiQ#!