Heitor Pereira é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, entidade que tem denunciado como as sucessivas gerências do sistema de governo entreguista vêm destruindo os últimos resquícios de soberania nacional. O que deveria ser uma simples, embora marcante entrevista, se transformou em um valoroso depoimento (ele fez questão de afirmar que se tratava de uma opinião pessoal, e não da Aepet) prestado num só fôlego, sem interrupções ou reparos, e que devido a sua imensa importância, AND publica na íntegra.
Para entender tudo isto que está acontecendo no Brasil nós precisamos recorrer à História do nosso país. Temos que ir à formação da nossa nacionalidade.
O grupo que saiu da Inglaterra para colonizar o USA teve o propósito de criar uma nação nova para se contrapor à sua matriz. No Brasil, o processo foi predatório, no sentido de explorar qualquer riqueza que houvesse. Começou com o pau-brasil, foi para a cana-de-açúcar e depois descobriram minérios — ouro, prata e pedras preciosas. Tudo isso para exportar, não para criar uma nação, situação que continua até hoje, o que leva o Brasil a esse processo de subserviência.
Como Portugal era subserviente à oligarquia instalada em Londres, ela é que mais usufruiu da exploração predatória do Brasil.
Subjugação nacional
Os acontecimentos econômico-políticos da atualidade tem uma razão histórica. E a razão histórica fundamental é que a “elite” governante nunca teve um projeto de Brasil-nação, nunca teve o projeto para um Brasil com soberania plena, mas sempre foi subserviente aos interesses do país hegemônico em cada momento histórico. Primeiro, aos anglo-saxões da Inglaterra, que chegaram a dominar praticamente o mundo todo. Depois, a hegemonia passou ao USA e a Inglaterra se tornou sócia-menor de seu filhote.
Quando Napoleão estava dominando todo o continente europeu, invadiu Portugal e a família real portuguesa fugiu escoltada pela armada da rainha da Inglaterra. Quando chegaram ao Brasil, a Inglaterra apresentou a fatura: exigiu a “abertura dos portos às nações amigas“. Porém, só havia uma nação amiga, a própria Inglaterra, que estava em guerra contra a Europa.
Que independência aconteceu em 1822? De quem? Quem fez a independência foi um príncipe português, atendendo com rapidez ao conselho de seu pai, D. João VI, que disse: “— Meu filho, faça a independência antes que algum aventureiro a faça“.
Mudou a administração com a passagem de colônia para império? Não. Os mesmos homens, as mesmas leis, os mesmos costumes, a mesma subserviência à potência hegemônica. Mas a independência precisava ser reconhecida. E qual era a potência naquele momento? Era a Inglaterra; e a condição para a Inglaterra reconhecer a independência era o Brasil assumir a dívida que Portugal tinha com ela, sendo aí o começo da nossa dívida externa.
Na proclamação da República o povo não tomou nem conhecimento. Várias crônicas da época dizem que o povo assistiu “bestializado” àquele desfile militar, pensando que era uma festa. E quem fez a proclamação da República foi o próprio Ministro da Guerra, servidor extremado do império e amigo pessoal do imperador. As lideranças tidas como positivistas, de fato não lideravam nada. Criou-se uma república sui generis no Brasil, que só conheceu presidentes autoritários e ditatoriais, com lapsos de democracia, até hoje.
Progresso colonial
De modo que o Brasil chega a essa situação, onde só há algum progresso por espasmos. Na nossa avaliação, o período de Vargas foi o único em que o Brasil desenvolveu. Embora eu tenha sido, na juventude, um opositor bastante firme da ditadura estadonovista, reconheço que um dos melhores projetos para a educação no Brasil foi o de Gustavo Capanema, ministro de Vargas, porque todos os outros buscaram degradar o ensino no Brasil. As mulheres passaram a ter o direito de voto, houve a criação das leis trabalhistas em defesa da própria burguesia nascente. Mesmo assim, ele foi perseguido e derrotado pela sua própria classe. O Brasil nunca teve uma soberania plena.
Os estadunidenses seguiram um caminho de grande nação. Construíram um país independente, fizeram a reforma agrária na base do genocídio contra as nações indígenas, abriram as suas fronteiras para a imigração européia. As propriedades rurais, na sua maioria, não se constituíam como latifúndios, criando assim uma classe média que garantiu o mercado consumidor para o desenvolvimento capitalista norte-americano.
O Brasil manteve a política de grandes latifúndios, foi o último país da América Latina a libertar os escravos e, até hoje!, não se realizou a reforma agrária.
Um dos fatores para o emperramento do Brasil é que a burguesia é muito raquítica, não tem projeto nacional, de país independente. Não quer ficar rica como burguesia brasileira, mas prefere enriquecer como serviçal do capitalismo internacional.
Os norte-americanos sempre agiram como se fossem donos de todas as Américas. A doutrina Monroe é “a América para os americanos“, mas os americanos, na cabeça do presidente Monroe, eram os anglo-saxões do USA. Todo seu período de governo foi de agressão, de violência. Dois terços do território do USA foi tirado dos espanhóis e do México. A guerra com a Espanha levou a ocupar as ilhas do Caribe, as Filipinas e outras ilhas do Pacífico. Esta posição do Império levou as tropas a invadir o Haiti, a República Dominicana e Cuba, mais de uma vez, durante essa história toda. Até hoje, eles têm uma ponta de Cuba, que se chama Guantânamo. Até hoje, eles põem e depõem presidentes no Haiti, passando por Papa Doc, Baby Doc etc.
Que Conselho?
Como o USA está muito preocupado com o Oriente, precisa de um outro país que sirva a seus interesses. Aí entra o Brasil, com sua subserviência ao imperialismo, e manda tropas para servir de gendarme para o USA no Haiti, um dos países mais miseráveis do mundo. Tudo isso apenas em troca de servir ao USA.
Essa posição de subserviência se dá a pretexto da possibilidade de um assento no Conselho de Segurança da ONU, hoje totalmente ultrapassado, sendo público e notório que o Império não respeita as decisões desse conselho. E que força teria o Brasil no Conselho de Segurança se, enquanto isso, está doando parte de nossa soberania, praticando essa política econômica perversa e nefasta aos interesses nacionais?
O Castelo Branco também mandou tropas para a República Dominicana*. Mas, na década de 50, os americanos tentaram forçar o envio de tropas brasileiras para sua guerra particular na Coréia. A sociedade brasileira reagiu naquele momento e a legenda que se via nas cidades era “Nossos filhos não irão para a Coréia“. O resultado foi que não enviamos nenhum soldado.
Há entre os oficiais superiores brasileiros estudiosos, de cultura. Muitos desses oficiais são jovens, na faixa de 40 a 60 anos de idade, e não estão satisfeitos com essa posição, o que, aliás, ameaça os interesses norte-americanos.
O Haiti está servindo de treinamento — assim como os nazistas treinaram e testaram suas armas na Guerra Civil Espanhola — para ataques à população civil.
Agora, num espaço de tempo muito curto, dois brilhantes oficiais das forças armadas se suicidam. Generais tidos como bastante cultos, preparados, e não se explica a razão do suicídio. Eram graves problemas particulares?Financeiros? O que era tão grave para fazê-los acabar com a própria vida na flor da idade?
Isso é muito preocupante para se chegar a uma rápida conclusão de que foi suicídio. Para quem conhece a história da CIA, especialista em forjar suicídios, fica preocupante…
Ministro de quê?
É preciso destacar a pressão que o Pentágono fez para que o Brasil seguisse o sistema de administração do USA e tivesse um Ministério da Defesa. O Brasil resistiu o máximo, até que Fernando Henrique conseguiu implantar. Antigamente, havia quatro oficiais das forças armadas no Ministério: ministro do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e do Estado Maior das Forças Armadas. Com a criação do Ministério da Defesa, isso se reduziu a um, que pode inclusive ser civil.
O primeiro desses ministros [refere-se ao ex-governador Élcio Álvares] foi uma pessoa ligada ao crime organizado do Espírito Santo e, depois, veio esse embaixador José Viegas que, parece, que não entende nada de forças armadas. Não se tem notícias da experiência dele no assunto.
Aliado a isso, há o processo de sucateamento fantástico das forças armadas. A política do USA é de que os países da América Latina não precisam ter exército, porque podem “dispor” das forças armadas norte-americanas, enquanto querem transformar as nossas em polícia: polícia de fronteira, contra o tráfico, contra o “inimigo interno”, “contra o terrorismo”.
Terrorismo é um negócio muito vago. Não tem território, não tem exército, não tem Estado. Que terrorismo é esse para lutar contra as poderosas forças armadas norte-americanas? É um pretexto para dominar os países do mundo. “Nossos” governos aceitam isso passivamente.
Tanto tentaram que a última representação é esse espetáculo atual, a ocupação das nossas favelas com tanques, metralhadoras anti-aéreas. O Exército é feito para combater e exterminar o inimigo. Vai exterminar quem? Nosso trabalhador da favela? Todo brasileiro que mora na favela é bandido?
Por que a inteligência das forças armadas e da Polícia Federal não analisam a razão porque os ladrões entraram tão facilmente numa unidade militar e roubaram fuzis, o que não era a primeira vez que isso acontecia?
Por que os fuzis estão na favela? Quem foi que informou com segurança que os fuzis estão na favela?
Algumas pessoas estão satisfeitas porque “diminuiu o tráfico”, mas isso não é função das forças armadas, sua função é garantir o território nacional, é, por exemplo, impedir a invasão da Amazônia, a pretexto de ONGs, as mais diversas e suspeitas — comandadas pelo príncipe herdeiro da Inglaterra, pelo príncipe holandês — instalarem bandeiras estrangeiras no território nacional da Amazônia; não deixam nem que oficiais das forças armadas transitem nesses territórios.
O favelado não tem culpa da entrada de armamento exclusivo das forças armadas em território brasileiro. Isso é atribuição da Polícia Federal.
O Brasil não é o grande mercado consumidor de drogas, nem produz os produtos químicos usados para refinar a cocaína. O mercado se chama Estados Unidos da América do Norte. O Brasil não produz nem a metralhadora que garante aos traficantes desenvolverem seu negócio. De onde vem tudo isso? Do USA.
Por que eles não combatem o tráfico lá? Querem ocupar a Amazônia para acabar com o tráfico? A política anti-drogas faz parte da estratégia de dominação dos países da América do Sul.
Mas todo império nasce, cresce e morre. O império do USA está na fase de declínio. Se vai durar 20 ou 400 anos, eu não sei. Isso depende da liderança dos países que estão escravizados por eles.
O problema é da “elite” que governa o Brasil, não tem projeto nacional e, portanto, não sabe o que fazer. Quando chega o aperto, ao invés de fazer um plano estratégico para construir linhas de transporte, que são parte da infra-estrutura, resolve, no fim do governo, tapar buraco.
O aparelho de Estado demite e aposenta, na marra, os funcionários públicos. Alguns órgãos, há mais de 15 anos não fazem concurso para substituir os que se aposentam ou morrem. Esse é um Estado totalmente fragilizado como instrumento de defesa dos interesses da nação brasileira. Mas essa política é só do Lula? Não. É a do Fernando Henrique, do Collor, de Sarney,.
É preciso entender que o povo brasileiro precisa é de um projeto de Brasil-nação, de soberania. Porém, mais de 65% do nosso PIB, está na mão de capitalistas estrangeiros. Os supermercados estão todos controlados por empresas estrangeiras: americanas, francesas, holandesas, portuguesas.
Lá se vão os direitos
Após o colapso da União Soviética — que, desde algum tempo, já vinha praticando uma forma de imperialismo — a oligarquia financeira veio com toda força contra os direitos dos trabalhadores. O objetivo é levar os trabalhadores do mundo todo a ganhar somente “para não morrer”. Estão cortando todos os direitos dos trabalhadores, e como eles fabricam o dinheiro, compram muitas consciências. Exemplo disso é o movimento sindical brasileiro, que está sendo totalmente cooptado.
No caso dos petroleiros, esses ataques se revelam principalmente na reforma da Previdência, onde eles querem empurrar goela abaixo um Plano Contribuição Definida, contra o nosso plano vitorioso há mais de 30 anos, que era o Plano Benefício Definido, que corresponde aos planos do serviço público do USA. Lá, eles não conseguiram tirar. Mas, aqui, são as próprias lideranças sindicais que insistem em empurrar isso, que é determinado pela oligarquia financeira.
Estou convencido de que se não mudar essa “elite” podre que está aí, não vai haver mudança nenhuma. As chamadas forças de esquerda eu não sei onde estão. É uma dispersão total. Desde que era criança, nunca ouvi falar de “as direitas”, só existe a direita. As “esquerdas”, PT, PcdoB, PSTU, PSB etc., permanecem se digladiando, enquanto nenhum deles tem um projeto de Brasil-nação.
*O reformista Juan Bosh, é eleito em 1962, depois de 48 anos sem eleições livres na República Dominicana (país vizinho ao Haiti), e deposto pelos ianques. Em 1965, o triunvirato golpista também é deposto e eclode uma guerra civil. A pretexto de garantir a democracia, o USA invade a República Dominicana, com tropas de diversos países, inclusive do Brasil que vivia sob a gerência militar desde 1964, acobertadas pela fraudulenta Organização dos Estados Americanos -OEA.