Quanto vale a terra quilombola do Guaporé?

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Quanto vale a terra quilombola do Guaporé?

Terra quilombola do Guaporé

Há soluções que não vêm porque a política fundiária brasileira é mesmo emperrada. Duas ações civis públicas contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União exigem na Comarca de Ji-Paraná (a 370 quilômetros de Porto Velho, Rondônia) a delimitação das terras ocupadas por comunidades quilombolas de Forte Príncipe da Beira e Santa Fé, no município de Costa Marques.

O Ministério Público Federal acionou a Justiça Federal para que obrigue o Incra a concluir imediatamente a titulação das terras no prazo de 120 dias.

Remanescentes de antigos redutos negros situados no Vale do Guaporé perderam seu padrinho, o ex-deputado Eduardo Valverde, morto em acidente automobilístico em 11 de março de 2011. E, em 2011 já se antevia o cerco às reservas de aroeira, angelim, canafístula, castanheira e cerejeira, raridades no ritmo em que anda a devastação em Rondônia.

Doente e caminhando apenas entre a sua casa e a velha capela, Jesus de Oliveira, na época com 80 anos, destacava-se na condição de patriarca da Comunidade Jesus, em Seringueiras, a 527 quilômetros de Porto Velho (AND, junho de 2011). Antes de morrer de câncer no pulmão, em maio de 2011, seu Jesus entristecia-se ao notar a ganância de alguns madeireiros com as riquezas naturais da terra quilombola.

O acesso à área era feito por uma estrada ligando essa comunidade à sede do município de São Miguel do Guaporé, a 108 km dali. No meio de tantas áreas alagadas, os quilombolas não conseguiam desenvolver a pecuária, contentando-se com pequenas lavouras de arroz, mandioca e milho, todas de subsistência. Só comercializavam o mínimo da safra, por causa da falta de acesso rodoviário para o escoamento.

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Terra quilombola do Guaporé

“Seu Jesus teve a alegria de morrer vendo garantido o território onde morava desde a juventude, resistindo nos últimos anos à intensas pressões para vender o lugar”, escrevia na ocasião a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Engano: fazendeiros mal intencionados e grileiros de terra pública do Projeto Primavera, de São Miguel do Guaporé, tornaram pesadelo o sonho de paz que os quilombolas de Rondônia haviam conseguido, apesar de minguada com a perda dos principais castanhais e o intenso desmatamento clandestino nas proximidades.

Situado nas proximidades da Terra Indígena Rio Branco, e limitando com a Reserva Biológica do Guaporé, o território da comunidade ainda pode limitar com os territórios reivindicados pelos indígenas miquelenos e puruborá, a maioria deles antigos conhecidos e amigos, moradores do Limoeiro, de Porto Murtinho e dos Rios Mané Correia, Caio Spíndola e São Francisco, contribuindo positivamente para a manutenção do corredor ecológico Guaporé-Madeira.

Herdeiros assediados

Primos de terceiro grau, seu Jesus e a mulher Luiza criaram 12 filhos, constituindo uma família com 56 pessoas.

Luziânia, neta de seu Jesus, cuidava do mandiocal. Eles ainda transportavam sua produção no lombo de jericos, ou em canoas, pelo Rio Guaporé.

Não demorou muito, alguns madeireiros já seduziam filhos e netos desses negros, empregando-lhes na lida do gado e na derrubada de madeira nobre.

Refugiavam-se na floresta

No século XIX a exploração de veios de ouro e a atividade pecuária ocorreram em tempos de escravidão no Vale do Guaporé. Para escapar do suplício e da angústia sofridas nessa região, muitos negros chegados em 1783 à região, para a construção do Forte Príncipe da Beira, fugiam para o interior da floresta na faixa de fronteira com a Bolívia.

Remanescentes de quilombos do Brasil Colônia viveram mais de um século em completo anonimato. Ao saírem, nos anos 1940, passaram por quase meio século de paz e tranquilidade, deparando-se agora com a iminente presença de invasores sobre os cinco mil hectares de terras que lhes foram reconhecidos pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário e titulados pelo Incra.

Eles ganharam algum alento no final do ano passado, quando a Associação Quilombola do Forte Príncipe (AsqForte) lançou o fascículo Mapeamento Social, com a cartografia da Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira, pertencente ao município.

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Técnicos da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) de Rondônia, Universidade do Estado do Amazonas e os próprios quilombolas mapearam a devastação.

“Estamos passando por muitos problemas, principalmente com o Exército Brasileiro, que quer impor um acordo de convivência de cima para baixo”, queixava-se na ocasião a presidente da AsqForte, Florinda Júnior dos Santos, a Dadá.

Conforme se queixou Dadá, os moradores “estão à mercê de cada comandante que chega todos os anos”. “Alguns dialogam, outros já chegam impondo”, ele reclamava.

Quilombos rondonienses – Galera, Galerinha, Taquaral, Pedras, Cabixi e Piolho – resistiram algum tempo. Quilombo do Piolho ou Quariterê (1752/1795), o mais importante, resistiu durante 43 anos às expedições punitivas da Coroa Portuguesa.

Atualmente, a situação chega ao extremo de o próprio fornecimento de água de poço ser cortado sucessivas vezes. Aí se juntam a sede d’água e a sede de justiça.

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