Raiz de muito samba

https://anovademocracia.com.br/104/11.jpg

Raiz de muito samba

Poetisa, cantora e compositora de samba, Maíra Santafé vem marcando presença como representante de uma nova geração que ama e luta pelo ritmo, sua cultura. Vencendo barreiras, como a que chama de ‘um ambiente machista’, e a falta de patrocínio, a sambista de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, se prepara para gravar seu segundo disco, enquanto se apresenta a todo vapor em shows solo.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/104/11.jpg
Maíra foi muto incentivada por Noca da Portela

— Minha carreira musical é consequência da vivência que tive desde menina. Sou filha de um casal de jornalistas, cresci em uma casa onde o hábito da leitura sempre foi muito intenso. Logo me interessei por crônica e poesia, e comecei a escrever. Inclusive, meus pais e meu irmão também são poetas — conta Maíra.

— A partir de 2005, as letras das minhas poesias passaram a vir junto com melodias, tudo misturado na cabeça. Porém, antes disso, desde 1999, já trabalhava com música, participando de um grupo de amigos roqueiros como segunda voz. Também tive experiência de palco com o teatro, que fiz por muito tempo — continua.

— Mas o samba falou mais alto, até porque sempre fez parte da minha vida. Meus pais se separaram e tive um padrasto, o Miguel, que era compositor e tocava surdo na bateria da Mangueira. Fazia muitas rodas de samba no quintal da nossa casa. Me lembro até que eu queria tocar surdo também, mas era enorme e não conseguia segurar — comenta.

O primeiro CD de Maíra, Raiz de Samba, 2010, foi o ponto de partida para sua carreira solo.

— Tinha muitas músicas guardadas e decidi enfrentar a questão financeira e o machismo que existe no mundo do samba, por incrível que pareça até os dias de hoje, e mostrar meu trabalho em um disco autoral. No meio, eles até aceitam a mulher cantando, mas compondo é meio complicado — declara.

— Não estou dizendo que todos são machistas, mas sim que é um ambiente bastante machista. Basta lembrar que Dona Ivone Lara no início da carreira teve que usar pseudônimos, e seu primo, Mestre Fuleiro, assinou músicas suas, porque mulher não podia ser compositora de samba. E tem outros casos semelhantes — continua.

— Por conta desse problema levou alguns anos para que eu conseguisse que as pessoas começassem a me apresentar, reconhecer minhas músicas e me reconhecer enquanto compositora. Hoje já conquistei esse espaço e outras compositoras vem surgindo nessa trilha, que começou lá atrás com a Dona Ivone, Leci Brandão, Jovelina Pérola Negra, e tantas outras, algumas pouco conhecidas — acrescenta.

No disco de Maíra aparecem vários estilos de samba: partido alto, samba enredo, samba canção, e outros.

— São dez músicas, duas parcerias e o resto de minha autoria. Normalmente composições que faço para alguém que me pede, blocos de carnaval, e casos do cotidiano que conto. Por exemplo, o partido alto Paquetá é uma história real que aconteceu com a minha irmã, que pegou a barca errada na hora de ir para Niterói e foi parar em Paquetá — conta.

— As composições vão surgindo e vou fazendo, sem muita preocupação, depois vou acertando. Normalmente vem letra e música na cabeça ao mesmo tempo, mas, também acontece de fazer alguma poesia e só depois colocar a melodia, ou chamar um amigo para ajudar a terminar, e assim vão acontecendo também as parcerias, naturalmente — explica.

— Não toco instrumentos profissionalmente. Tenho um violão, um piano e um pandeiro, mas só brinco, arranho alguma coisa. Geralmente faço minhas melodias com a boca e depois gravo no celular. Antigamente gravava em fita K7, mas uma vez perdi muitas músicas, porque minha mãe não sabia e pegou uma dessas fitas, cheia de músicas novas, e gravou uma entrevista por cima — comenta.

Para continuar com samba

Mesmo com tanto gosto pelo samba, Maíra tem todo o seu dia ocupado com um trabalho paralelo, que proporciona sua sobrevivência e ajuda a patrocinar a carreira musical.

— Banquei o primeiro CD com o meu salário. Na verdade, muitos sambistas têm que trabalhar em outra coisa para sobreviver. Meu padrasto, por exemplo, apesar de muito bom, trabalhava como engenheiro e fazia samba somente nas horas vagas. Isso faz com que pareça que não somos profissionais, o que não é verdade. A questão é que viver dessa arte é para poucos, porque é muito difícil conseguir patrocínio — declara.

— E tem muita gente talentosa, com um ótimo trabalho, que pouca gente conhece, por falta de oportunidades e incentivo financeiro. Porque se querem colocar sua música para tocar em uma rádio de muita audiência, ou na televisão, isso é cobrado, e cobram caro. Assim, acabam tendo que tocar somente na noite, e muitas casas pagam mal. Sei que é chato falar essas coisas, mas é a realidade que muitos não imaginam — continua.

— Quando me apresento, tanto nos shows quanto nas gravações, os músicos são contratados, geralmente amigos, pessoas que já tenho uma sintonia, com os quais me entendo no palco. E nesse caso também, às vezes, tenho que tirar do meu salário, porque o dinheiro que pagam para algumas apresentações não dá para remunerar os músicos — acrescenta.

No momento Maíra está fazendo shows por várias partes e escolhendo repertório para gravar seu segundo disco, que deve sair em 2013.

— A partir de 2011 passei a fazer shows solo, porque antes só cantava em apresentações de amigos. Depois que gravei o ‘Raiz de Samba’, comecei mesmo minha carreira solo. Não me apresento em lugar fixo, até pela questão do trabalho, acabo não tendo tempo para isso, mas, tenho feito shows em muitos eventos de Niterói, e onde mais me convidam — diz.

— A escolha do repertório para o segundo CD é minuciosa, até porque tenho mais de 90 músicas guardadas em casa. Fiz somente mil cópias do primeiro, e muita gente comprou pela internet, no Bar Dos Amigos, em Niterói, e nos meus shows, tanto que sobraram pouquíssimos. Porém, não pretendo fazer outra tiragem dele, quero partir para o segundo, também com mil cópias — avisa. 

 — E pretendo colocar o disco inteiro na internet para as pessoas baixarem, como fiz com o primeiro. Teve quem me perguntasse ‘Um amigo meu de longe gostou e copiou todo o CD, tem problema?’. Eu respondia que nenhum problema. Meu disco pode ser pirateado à vontade porque não tem nenhuma gravadora por trás dele. O importante para mim é que as pessoas conheçam meu trabalho e depois vá aos shows — conclui.

www.mairasantafe.com.br e [email protected] são os contatos de Maíra.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: