Rebeliões dos povos árabes: A carência de uma direção revolucionária consequente

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Rebeliões dos povos árabes: A carência de uma direção revolucionária consequente

O momento é de dar boas vindas aos retumbantes levantamentos populares protagonizados pelos combativos povos do chamado mundo árabe, mas é também de constatar a falta que faz uma liderança revolucionária consequente, ou seja, que é preciso um partido de vanguarda para orientar na teoria e na prática o ânimo das massas proletárias nos momentos da justa rebelião.

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Ainda que as potências e o monopólio da comunicação tenham apresentado a luta dos povos do Norte da África e do Oriente Médio como uma “onda” eminentemente para derrubar tiranos, na verdade aquelas insurreições refletem um momento de aprofundamento das contradições de classe naquela região do mundo repleta de semicolônias, quando o sistema imperialista se afunda numa longa e aguda crise. De um lado, as classes dominantes cada vez mais ricas, usufruindo dos espólios do capitalismo burocrático, cujo gerenciamento lhes foi delegado pelas potências imperialistas; de outro, as classes populares cada vez mais pobres, penalizadas com o desemprego, a alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis e a rapina das riquezas de suas terras pelos monopólios das potências imperialistas.

O curso dos acontecimentos, entretanto, sobretudo na Tunísia e no Egito, com o rearranjo das forças retrógradas locais garantindo a perpetuação das velhas estruturas de exploração e opressão na sequência do auge dos levantamentos nas ruas, faz necessária a reafirmação junto aos proletários de todo os países de uma lição histórica: a má orientação das massas, ou a falta de uma orientação revolucionária consequente, acarretará a diluição de seus heroicos levantamentos e do sacrifício de centenas e milhares de vidas na reestruturação dos velhos Estados burocráticos e semifeudais.

Sem a tática e a organização que se fazem necessárias, os oportunistas e reacionários de toda sorte tendem a sequestrar a revolução popular para viabilizarem o reformismo, abrindo as portas para que facções que nada têm a ver com os verdadeiros anseios das massas populares entrem em concorrência pela preferência do imperialismo, em um processo que via de regra culmina na farsa do sufrágio burguês, vulgo “eleições livres”.

Tunísia

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Pichação na Tunísia: nós não vamos desistir

Os levantes populares explodiram ainda em dezembro do ano passado e culminaram, após intensas escaramuças entre o povo insurreto e as forças de repressão, com a saída do poder de Zine El Abidine Ben Ali, cupincha da ex-metrópole que estava desde 1987 no poder.

No noticiário que produziu, o monopólio da comunicação adotou a tática que interessa ao imperialismo e que viria a dar o tom da cobertura dos protestos subsequentes em todo o Oriente Médio: insistir na ladainha de que de uma hora para outra o povo tunisiano se rebelou especificamente contra o “ditador” e não contra o desemprego, a repressão e as aviltantes condições gerais de vida das massas trabalhadoras.

Para tanto, pouco se falou no fato de que o estopim das manifestações foi a autoimolação do trabalhador Mohamed Bouazizi em protesto contra a arbitrariedade policial. Engenheiro desempregado, Bouazizi vendia frutas para sobreviver quando a polícia lhe confiscou a permissão de trabalho em um mercado local, situação à qual as classes populares de qualquer semicolônia do mundo estão sujeitas dia após dia.

Centenas de manifestantes foram mortos na Tunísia. Por fim, houve um realinhamento entre as facções políticas locais avalizado pelas potências europeias e pelo USA.

Egito

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Egípcios enfrentam as forças de repressão

No Egito, a insurreição popular ganhou corpo no dia 25 de janeiro, quando, cheias de ânimo para a luta após o exemplo do povo da Tunísia, as massas egípcias de jovens desempregados e trabalhadores pauperizados saíram às ruas para um “Dia de Fúria”.

Novamente, o noticiário da imprensa burguesa tentou fazer crer que o problema era o “ditador” que estava há 30 anos no poder e a principal reivindicação do povo era a realização de “eleições livres”. Na realidade, a revolta tinha como alvos primordiais as estruturas de exploração e opressão das classes populares arraigadas no Estado egípcio semicolonial.

Foram 18 dias de negociações entre o USA e a cúpula civil e militar da gerência do Egito para tomar a decisão sobre o que fazer ante a fúria das massas. O povo não arredou pé das ruas das principais cidades do país e deu retumbantes demonstrações de união e bravura sobretudo na aglomeração da praça Tahrir, no centro do Cairo.

Mais uma vez, entretanto, a falta de uma direção revolucionária do agigantamento popular ante os poderosos abriu espaço para a “oposição” oportunista se mancomunar com o exército, espinha dorsal do Estado, e o imperialismo.

O marechal Mohamed Hussein Tantawi, apontado como contato direto do gerenciamento egípcio com o USA durante a “crise”, assumiu o comando da junta militar que passou a governar o país com a saída de Hosni Mubarak, e sua primeira ordem foi fazer o povo dispersar, ameaçando com prisão quem permanecesse na praça Tahrir. Mais de 360 pessoas morreram nos levantes egípcios, segundo dados oficiais.

Argélia

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Argélia: levantamento contra a carestia

A Argélia também vive uma rotina de protestos mais vigorosos desde o começo de janeiro, ainda que não tão retumbantes quanto os que ocorreram no Egito e na Tunísia. A centelha para a revolta do povo argelino foi principalmente com a disparada dos preços dos alimentos.

A Argélia é uma nação que, com a derrota da grande revolução de libertação nacional, voltou a ser submetida pela ex-metrópole França, em conluio com os vendepátria locais e um feroz regime semicolonial de expropriação dos seus recursos naturais, nomeadamente petróleo e gás. Para garantir que a rapina desenfreada transcorra com alguma tranquilidade para os monopólios e impedir que o ímpeto revolucionário do povo derrube o Estado, o país está sob “estado de emergência” desde 1992.

O “presidente” Abdelaziz Bouteflika adotou como estratégia colocar a polícia antimotim nas ruas para impedir manifestações mais avolumadas. Partidos políticos eleitoreiros tentam aproveitar dos levantes espontâneos das massas para reivindicarem “eleições livres”.

Bahrein

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Milhares nas ruas do Bahrein

Após seis dias de luta do povo nas ruas, que custaram a vida de sete pessoas, Obama mandou o príncipe local fazer a polícia e o exército recuarem porque já havia se acertado com a “oposição” do país para a abertura de “diálogos”. Apesar de seu pequeno tamanho, o Bahrein é de enorme importância para o imperialismo e o sionismo. Seu território insular de apenas 750 km² no Golfo Pérsico abriga a 5ª frota naval do USA, que controla as águas por onde passam 20% do petróleo mundial e é base de logística para as provocações contra o Irã. Dali partiram os ataques ao Iraque na primeira Guerra do Golfo, em 1990, e há oito anos atrás.

Os protestos fizeram com que o Grande Prêmio do Bahrein de Fórmula 1 fosse cancelado por “problemas de segurança”. No dia 18 de fevereiro, o exército abriu fogo contra manifestantes ferindo a bala 50 pessoas no centro da capital Manama.

Jordânia

Na Jordânia, as massas também estão nas ruas desde o início de janeiro para protestar contra o desemprego e os altos preços dos alimentos e dos combustíveis. Têm sido constantes os enfrentamentos entre a juventude rebelde e as forças de repressão na capital do país, Amã.

O rei Abdullah II, cuja dinastia comanda a exploração do povo jordaniano desde a década de 1920, reagiu demitindo o primeiro-ministro Samir Rifai e nomeou para o seu lugar um general da reserva e ex-embaixador em Israel.

A Jordânia, entreposto ianque no Oriente Médio, é uma das poucas nações do mundo árabe que reconhecem oficialmente a existência do Estado sionista e, depois de Israel, é o país do Oriente Médio que recebe o maior volume de armas do USA.

Líbano

No Líbano, a situação é muito peculiar. O Hezbollah assumiu o poder depois de forçar a queda do governo do primeiro-ministro Saad Hariri, do qual participava com vários ministros. O premiê deposto se recusava a desautorizar um tribunal montado pelo USA e por Israel no âmbito da ONU a fim de condenar o Hezbollah pelo assassinato em 2005 do ex-premiê Rafik Hariri, pai de Saad.

Ocorre que, na formação do novo governo, quem assumiu foi Nayib Mikati, magnata do setor de telecomunicações, dono de uma fortuna estimada em US$ 2,5 bilhões, homem de uma corrente do Hezbollah mais afeita a negociar com as potências.

Por outro lado, no dia 16 de fevereiro, o Hezbollah reagiu com a firmeza necessária a uma grave provocação sionista. Um dia antes, quando esteve na fronteira norte do Estado ilegítimo de Israel, o ministro sionista da Defesa, Ehud Barak, disse que o seu exército não descarta um nova invasão do Líbano. Em resposta, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que o partido irá convocar a invasão da Galiléia, território da Palestina invadida: “Digo aos combatentes da Resistência islâmica (Hezbollah), fiquem prontos: se ocorrer uma guerra no Líbano, o comando da resistência pode pedir a vocês que tomem o controle da Galileia, ou seja, que libertem a Galileia”.

Iêmen

Depois de dias de marchas do povo nas ruas das principais cidades do país, Sanaa, Aden e Taiz, o “presidente” Ali Abdullah Saleh anunciou que não concorreria a um novo mandato e nem tampouco tentaria emplacar seu filho no processo de sucessão.

O povo, entretanto, não arrefeceu em seus protestos, mostrando que a razão eminente da revolta é outra: a precariedade generalizada das condições de vida e a pauperização das massas trabalhadoras.

O Iêmen é um dos países mais pobres do Oriente Médio, com quase metade da população padecendo na pobreza extrema, tentando sobreviver com o equivalente a menos de US$ 2 por dia.

Irã

Protestos vêm acontecendo também no Irã, onde nas últimas décadas parte das manifestações aparentemente nascidas dos anseios das massas têm na verdade a interferência do USA, além de serem superdimensionadas pela contrapropaganda ianque. Os mais autênticos movimentos de massas democrático-revolucionários são golpeados sistematicamente através da mais brutal e sanguinária caçada, prisão, torturas e assassinatos de suas lideranças. As prisões do Irã estão lotadas de revolucionários submetidos aos regimes carcerários mais medievais.

Para os revolucionários, particularmente os comunistas, a queda do regime do Xá Reza Pahlevi contra o qual combateram na linha de frente, nada de significativo mudou. O curto período de situação revolucionária, com a ascensão do islamismo xiita, foi substituído rapidamente pelo obscurantismo extremo com prisões em massa dos comunistas sempre acompanhadas por massacres. Ademais, as mulheres e os estudantes são alvos constantes dos gigantescos aparelhos repressivos do Estado e do partido dos aiatolás.

A República Islâmica do Irã é um Estado teocrático-fascista, mas há tempos é alvo do USA por ser inimigo de Israel e por preferir manter sua soberania a baixar a cabeça aos interesses do imperialismo. Agora mesmo, a “oposição” eleitoreira iraniana financiada pelo USA vem sendo acusada de incitar tumultos por todo o país, e tão grandes quanto os protestos contra a administração de Mahmoud Ahmadinejad têm sido as manifestações de massas para pedir a execução dos agentes do imperialismo no país, em um cenário ainda incerto quanto ao que é e o que não é verdadeiramente fundado nas aspirações democráticas das massas.

Líbia

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Manifestantes líbios perseguem soldados nas ruas de Trípoli

A Líbia é outro país frequentemente alvo de provocações por parte do imperialismo ianque e, ao mesmo tempo, longe de ser um Estado popular é um regime autoritário, resultante típico de revoluções democráticas de libertação nacional dirigidas por uma indigente burguesia nacional. Regimes que rapidamente degeneram-se em Estados burocráticos reacionários. Politicamente, o regime vigente na Líbia, como não foi capaz de aprofundar sua revolução, degenerou-se. Não é mais o de décadas passadas, quando Kadafi se colocava na cabeça da luta de libertação dos povos árabes e apoiava decididamente a causa palestina. Exatamente por essa condição, a Líbia foi arrastada pela onda de protestos que, como nos demais países, vêm sendo violentamente reprimidos.

No dia 17 de fevereiro, o povo saiu às ruas na capital do país, Trípoli, e de outras cidades para um “Dia de Fúria” inspirado no grande levantamento feito pelo povo do Egito no dia 25 de janeiro. As forças de repressão foram lançadas contra os manifestantes e apesar da enorme discrepância de diferentes fontes, o número de mortos pode passar de 500.

Alguns diplomatas líbios, inclusive o embaixador na ONU, abandonaram o governo. Pilotos da força aérea fugiram com caças e aterrissaram em Malta. Há denúncias de que o governo líbio estaria lançando tropas de mercenários contra os manifestantes enquanto comunicados dos manifestantes garantem que a cidade de Bengazi está tomada e que empreendem a “marcha para Trípoli”.

O governo Khadafi é um exemplo das limitações das revoluções democráticas dirigidas pela burguesia. Após a queda da monarquia em 1969, Khadafi inicia reformas e integra o movimento dos “não-alinhados” ao imperialismo ianque. Apoia o IRA e a Resistência Palestina, mas vai fazendo cada vez mais concessões, principalmente ao imperialismo europeu, dependente do petróleo Líbio. A primeira década do século XXI marca sua aproximação com o imperialismo ianque, troca de visitas e leilões de exploração de petróleo que marcaram a volta das transnacionais do USA ao país. Apesar da onda de desemprego e a miséria galopante, a Líbia detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano da África, com 0,755, maior que o do Brasil, o que demonstra que há uma grande concentração de capitais nas mãos de uma burguesia burocrática que vive às custas das riquezas e da força de trabalho do país.

Sudão

No Sudão, a polícia prendeu dez integrantes de um jornal do Partido Comunista local no início de fevereiro, pouco antes de uma grande manifestação contra o Estado convocada por organizações populares. Residências universitárias foram cercadas por forças de segurança na capital Cartum e um estudante morreu depois de ser brutalmente espancado pela polícia durante um protesto. As notícias são de que centenas de pessoas foram presas.

No Sudão do Sul, país recém-criado por manobras do imperialismo e do sionismo, como A Nova Democracia mostrou na edição anterior, 16 rebeldes foram mortos no dia 10 de fevereiro pelo exército local, cuja principal atribuição é garantir a exploração das jazidas de petróleo pelos monopólios estrangeiros que operam nesta mais nova semicolônia do mundo.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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