Rede ferroviária (ex) nacional: Roubar tudo, destruir tudo e cobrar pelo serviço prestado

Rede ferroviária (ex) nacional: Roubar tudo, destruir tudo e cobrar pelo serviço prestado

Ferrovias que interligavam todo o Brasil e chegavam a países da América do Sul foram abandonadas, chegando ao extremo de construir ruas e avenidas sobre a malha ferroviária. Em Miguel Couto, na Baixada Fluminense, existe um bar sobre a linha férrea. Os trens de passageiros viraram sucata e os poucos que circulavam não ofereciam sequer condições de segurança. É grande o roubo de dormentes e trilhos em todo o país.
A RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A), que já teve um patrimônio superior ao da Petrobrás, está em processo de extinção, acelerada pelo governo do ex-presidente Cardoso. O que havia restado do transporte de carga, que deveria ser um dos mais importantes setores de desenvolvimento do país, vinha causando prejuízo diário de um milhão de dólares. Por trás de tudo isso, descaso, corrupção e um verdadeiro processo de destruição para entregar a malha ferroviária a multinacionais, além de favorecer também os monopólios que exploram o transporte rodoviário, como as indústrias de caminhões, ônibus, pneus e peças, sem falar na industria petrolífera, produtora dos combustíveis utilizados nas rodovias. Há ainda o lucro auferido por empresas privadas e pelo próprio Estado com a cobrança do pedágio mais caro do mundo. Os trens suburbanos, depois de recuperados com dinheiro do BNDES, foram entregues a grupos estrangeiros, que já cobram valores mais altos que os dos ônibus por uma passagem. Isso sem falar no metrô…

A ferrovia Norte-Sul, que poderia interligar todo sistema ferroviário do país e oferecer alternativas para o transporte de carga, está completamente parada. Ela poderia estar ligada aos portos de Vila do Conde, no Pará e Itaquí, no Maranhão. Cortando, ainda, o estado de Tocantins, para escoar a produção local, a Norte-Sul permitiria a conquista de outros mercados, além de favorecer também o transporte de passageiros.

Por sua vez, a malha ferroviária Rio-São Paulo praticamente não transporta mais nada. Até o aço produzido pela CSN — Companhia Siderúrgica Nacional —, em Volta Redonda, é transportado por caminhões. O trem que ligava as duas maiores cidades do país, ao ser desnacionalizado, passou a custar mais caro que o avião e a só funcionar no horário noturno. Nem mesmo para o turismo a linha desenvolve seu potencial.

E não pára por aí o caos das ferrovias brasileiras: O caso das ruas e avenidas construídas sobre os trilhos só se tornou notícia devido à denúncia de uma das concessionárias que exploram o serviço, a MRS Logística (Grupo Minas Rio São Paulo) que, não tendo como desenvolver atividades num ramal de 41km, entre São José dos Campos e Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, foi à imprensa alardear a situação. “A ferrovia brasileira agoniza ao largo da via. É inconcebível pensar em programas de geração de empregos, combate à fome e incremento das exportações em um país com as nossas características, sem a participação ativa do modal ferroviário. O tempo, o desenvolvimento, a história, não esperam no banco da estação. É preciso que na área do transporte ferroviário, corajosamente, se revitalize a RFFSA”, disse o engenheiro Sérgio Murilo Ramos de Paiva, diretor administrativo da AENFER (Associação dos Engenheiros Ferroviários).

Absurdos como esses ocorrem aos montes no país. A subjugação econômica do país se expressa de forma aguda nesse problema. As passagens são caríssimas, as linhas insuficientes; até mesmo o destino das vias existentes, quando analisado, aponta exclusivamente para os portos, para a extração de riquezas do interior que serão levadas para o exterior.

O boicote de linhas é uma agressão ao povo

De todas as ferrovias extintas no Brasil, que também faziam transporte de passageiros, a do Barrinha (ramal Japeri/Barra do Piraí, no Rio de Janeiro), foi a que mais prejudicou o povo, levando muitas famílias ao desespero, impedidas de transportar sua pequena produção agropecuária.

A luta tem sido grande para a volta do ramal, principalmente por parte do povo da região, com apoio da CENTRAL (Companhia Estadual de Engenharia de Transporte e Logística), que tenta recuperar outros ramais e impedir que a Supervia, concessionária dos trens de passageiros no Estado do Rio, concretize o plano de desativações, incluindo, em especial, o trecho D.PedroII/Belford Roxo. Concessionária de todo a malha Rio/São Paulo, a MRS Logística vem dificultando a reativação do Barrinha, pois só lhe interessa a carga de alto lucro.

“O presidente da CENTRAL, Albuíno da Cunha Azeredo, está empenhado em resolver, não só esse ramal, mas outros, como o de Itaguaí, também desnacionalizados. Trata-se de um verdadeiro desafio, mas temos a favor uma cláusula do contrato de desnacionalização que permite a exploração das linhas regionais de passageiros, desativadas, desde que as concessionárias não se interessem, o que é o caso do Barrinha. As prefeituras locais também querem a reativação, porque favorece o turismo, explorando as belezas da Serra do Mar. Não tenho dúvida que reativaremos o Barrinha, apesar das imposições da MRS”, explicou o assessor de imprensa Fernando Barros. “Estamos tentando retomar o que nos foi roubado de maneira covarde e desumana. Covarde, porque não nos permitiu reagir, e desumana, pois o que foi roubado era de importância vital para crianças, idosos, mulheres e até para os parentes dos ladrões. O Barrinha transportou por muitos anos a nossa pequena produção nos sítios, ranchos e roças, à base de banana, ovos, frangos vivos e abatidos, queijo, a melhor lingüiça do mundo e tudo o mais que se podia vender. Com o pouco dinheiro conseguido, levávamos para casa, arroz, feijão, sal, roupas e o que desse para comprar. Hoje, a roça está entregue ao mato. A pequena criação (galinhas, coelhos, cabras, entre outros animais) não se pode transportar em ônibus. Verduras, legumes, ovos e outros produtos, só se pagar o frete do caminhão e, se não vender, paga a volta, também. A revolta continua muito grande também em Paracambi, Mário Belo, Paulo de Frontin, Mendes e por toda a região. Em Barra do Piraí, ainda se lembra a chegada dos trens com milhares de bois para o Frigorífico Anglo”, disse Antônio Peron, agricultor da região.

Metrô para corporações imperialistas

A situação do sistema de transporte metroviário brasileiro é também revoltante. Na cidade do Rio, onde as obras do metrô se arrastam há anos, só se constrói com empréstimos fabulosos tomados a instituições de crédito internacionais, o que atrela a prestação deste serviço aos interesses de conglomerados imperialistas. O BIRD (Banco Interamericano de Desenvolvimento, “sucursal” latino-americana do Banco Mundial) vem “ajudando” também nos projetos metroviários do país, mas condicionando seus créditos à garantia de que o serviço será desnacionalização, segundo denúncias feitas por funcionários das empresas do setor. Casos como os do Rio (melhoramentos e extensão da Linha 2), Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Natal, são exemplos disso. Em São Paulo, onde trem e metrô funcionam um pouco melhor, o governo do Estado deu início há um mês ao processo de desnacionalização, começando por ceder a Linha 5, recentemente inaugurada e pronta para a exploração, condição imposta por esses grupos internacionais.

Nessa lógica, o governo federal e os municipais ou estaduais estão totalmente subjugados, agindo servilmente aos monopólios, gastando dinheiro do Estado — do povo — para executar obras que, mais dia menos dia, serão doadas aos conglomerados internacionais. O processo é o seguinte: toma-se o dinheiro emprestado a credores imperialistas, constrói-se redes inteiras de metrô e depois vende, a preços irrisórios (diante de seu real valor) e ainda se continua pagando os juros e dividendos dos empréstimos contraídos.

Como agem as concessionárias?

“Os dois grupos que exploram o metrô e os trens não estão cumprindo muitas cláusulas dos contratos de concessão. Apesar disso, nenhum órgão do governo tem tomado providências. Basta circular um pouco pelos trens e metrô para se constatar as irregularidades. Estivemos em Brasília, recentemente, e entregamos um relatório com denúncias e sugestões aos novos governantes, esperando soluções”, disse Edgar Coelho, presidente do Sindicato dos Metroviários do Estado do Rio.

Os desmandos são inúmeros: As passagens de metrô custam hoje mais caro que a dos ônibus. Os trens da Supervia foram retirados de circulação aos sábados, domingos e feriados, sendo obrigados a voltar somente com muitos protestos. O metrô do Rio também continua sendo o único no mundo a não circular aos domingos e a não respeitar os horários, atrasando sempre. “O próprio Garotinho, quando era governador, disse no Jornal Nacional que estava cansado de receber queixas da Supervia, principalmente quanto à imundície, mas não tomou providências. Garantiu também que a Supervia iria voltar com os horários antigos, lembram? Vá na Central e comprove quantos horários foram cancelados. No domingo, com o último trem saindo às 18h15m, quem pode curtir um passeio com a família?”, afirmou a contadora Lourdes Maria, moradora da Penha. “Até que tentei voltar a andar de trem, iludido com as reformas, mas já desisti. Sem perceber, já saí com a calça suja por não verificar a sujeira dos bancos. Nem quando tiver o ar-condicionado, vou voltar a andar de trem. Falam dos camelôs, mas eles são até educados, pedindo desculpas quando esbarram na gente, e estão resistindo para garantir a sobrevivência. Não são eles o problema. A desnacionalização, sim, pois só veio para piorar”, disse Jorge Bernardes, da Vila Emil, em Mesquita.

Trem mais caro que ônibus

No Brasil, as agências fiscalizadoras do Estado só servem para autorizar aumentos de passagens, em especial a ASEP (Agência Reguladora de Serviços Públicos), do Rio. Por isso mesmo, apesar do péssimo serviço oferecido e do descaso com o povo, a Supervia impôs a todos um preço de passagem de trem maior que a dos ônibus, tradicionalmente superior pelos seus custos. As suspeitas de favorecimentos à Supervia, levantadas até pelo próprio Ministério Público, fica cada dia mais evidente.

Em pouco mais de três meses, a Supervia conseguiu aumentar abusivamente o preço da passagem em quase 40%. Em outubro, o preço foi de R$1 para R$1,15, graças a liminar judicial. Toda esta exploração sobre uma massa de trabalhadores que, em sua maioria não tem aumento salarial há 8 anos. “Tarifa de R$1 para quem ganha salário de R$200, já é inadmissível, imagine o que está aí”, disse o novo presidente da CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), João Luís da Silva Dias,à AND. “O lucro da iniciativa privada não pode estar acima dos interesses coletivos, não é possível manter esta lógica. O transporte coletivo não pode ser objeto de lucro”, afirmou, pomposamente, o ministro das Cidades, Olívio Dutra. Porém, o ministro de Luís Inácio da Silva não tomou e, como é prática de seu partido, o PT, nem deverá tomar nenhuma medida no sentido de nacionalizar o serviço de transporte. Enfrentar os monopólios não é prática destes senhores; combater a ação predatória e criminosa das empresas imperialistas, só no discurso, e olhe lá.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: