Na quinta-feira, Burati entrega Palocci; na sexta o mercado dá chiliques, a bolsa cai e o dólar sobe; sábado é dia de mil reuniões; domingo Palocci chama uma coletiva e diz que o presidente exige sua permanência como ministro e que a economia segue inalterada; na segunda o mercado amanheceu tranqüilo.
A despeito de toda a podridão revelada pela imprensa e pelos próprios envolvidos, num processo permanente de lavagem de roupa suja, surge de todos os lados, inclusive da imprensa que “denuncia os lamentáveis fatos” e de todos os partidos representados no parlamento a velha churumela da governabilidade e da defesa da economia.
Para monitorar de perto a “blindagem” da economia e do mercado veio ao Brasil o secretário de Tesouro da metrópole Senhor Snow, o qual entrevistou-se com Luiz Inácio e Palocci como preliminar para a conversa principal com o preposto do império, Henrique Meireles.
Antes de Snow renovar seu aval à equipe Meireles/Palocci/Luiz Inácio, todos os principais próceres dos partidos no Congresso como Artur Virgílio, Ney Suassuna, José Agripino, Jefferson Peres e outros, já haviam pronunciado o discurso único da necessidade “de não permitir que a crise política contamine a economia”.
A burguesia, serviçal do imperialismo, logo se apressou em levar uma agenda “positiva” que, no seu código, significa dar continuidade à espoliação do país.
No meio da crise surge a oportunidade de cometer mais um achaque e, de repente, o Senado aprova um “mínimo” de R$ 384,00 para, em seguida, a Câmara cobrar 1 bilhão de reais em liberação de emendas parlamentares, para derrubá-lo para R$ 300,00.
Esta é a demonstração mais inequívoca da crise que permeia não apenas o quadro partidário como no sistema de governo, onde os grupos de poder não aceitam perder o domínio sobre a economia e para tanto jogam seus leões e suas hienas no parlamento a travarem uma guerra de vida e morte para abocanhar a riqueza produzida pelo povo brasileiro. Neste jogo de vale tudo fica cada vez mais evidente, também, e, principalmente depois da chegada do oportunismo ao gerenciamento do Estado, o esgotamento do sistema de poder.
Mas salvar o quê?
A presença do secretário de tesouro do USA já fala por si. Na qualidade de um país semicolonial o que interessa à classe dominante serviçal dos interesses do império é continuar merecendo a credibilidade do sistema capitalista internacional, em sua fase imperialista, sob a hegemonia do capital financeiro.
A mamata do superavit fiscal e a farra dos juros mais altos do mundo não podem sofrer solução de continuidade. Não permitir a “marola”, portanto, é a melhor maneira de manter a rapina. À vil exploração da metrópole liga-se umbilicalmente a corrupção eleitoral que sangra os cofres da nação enquanto milhões de brasileiros passam fome; o latifúndio, de velho e novo tipo, que continua expulsando os camponeses de suas terras e servindo de reserva barata da agricultura do USA, da Europa, do Japão e da China, aumentando mais ainda a miséria e a violência contra o povo pobre em nosso país; a quantidade imensa de profissionais formados nas universidades jogados no subemprego e parcelas cada vez maiores dos trabalhadores jogadas no desemprego; a apropriação vergonhosa de nossas riquezas minerais e vegetais, através de concessão de minas e áreas florestais em contratos de até 60 anos; a manutenção e a aprovação de novos contratos lesivos ao interesse nacional. Esta é a economia que eles querem salvar.
Quarenta ladrões
A tentativa de José Dirceu de modificar a correlação de forças no ministério e em favor do PMDB (leia-se fortalecer o setor da burguesia burocrática) desencadeou o denuncismo que, tal qual um buraco negro, vai sugando para dentro de si tudo quanto está à sua volta. E, como a prática da corrupção é inerente a este monopartidismo reinante em nosso país, só parará mediante um acordo de redivisão do butim. Depois disso restará à ética e à moral burguesas encontrar as justificativas para o conchavão.
O certo é que a burguesia compradora (sistema financeiro, principalmente) não sairá deste episódio sem manter a maior fatia, como vem tendo desde o início do gerenciamento de Luiz Inácio.
Toda a demagogia petista, de vinte e cinco anos, que para alguns ruiu pelo uso do caixa dois para a eleição e posse de Luiz Inácio e seus candidatos, apenas encobria uma proposta organizada por uma tríade de clérigos, intelectuais trotskystas e pelegos amarelos para, sob o seu gerenciamento, manter o Brasil sob o tacão imperialista. O acordo assinado com o FMI e o Banco Mundial nas vésperas da eleição de 2002 confirmou esta submissão.
Ao assumirem o gerenciamento da máquina, os petistas, sem nenhuma criatividade, adotaram os mesmos métodos da oligarquia burguesa-latifundiária que em mais de cem anos desta republiqueta formou os burocratas de Estado que não aceitaram ser substituídos por neófitos. Poucos exemplos serão suficientes para mostrar que a traição, neste caso, não é episódica e sim programática:
- O jornal Quinto Dia, de Caracas, na Venezuela, levanta suspeitas de que os metrôs em construção naquele país, pela empreiteira Norberto Oderbrech, foram intermediados por José Dirceu. Enquanto isso, o BNDES é acusado de favorecer os metrôs da Venezuela em detrimento dos metrôs de Salvador, São Paulo e Fortaleza.
- Os empréstimos consignados em folha de pagamento para aposentados e pensionistas, arrastando milhões para a exploração do sistema financeiro, tão bem definido pelo Prof. Demétrio Magnoli, como novo sistema de barracão.
- Os contratos e licitações de desnacionalização do petróleo brasileiro.
- O envolvimento dos Fundos de Pensão das “estatais” nas negociatas.
- Participações (mesmo como hienas) nos leoninos contratos das telefônicas e na previdência privada.
Estas e tantas outras armações ilimitadas mas, sem nenhuma criatividade, todas copiadas das velhas falcatruas praticadas pelos políticos profissionais da velha democracia burguesa colonial, acostumada a entregar o principal à metrópole e comer as sobras.
Cultura do oportunismo
Quando a velha ordem trinca e se prenuncia o seu pipocar em mil pedaços, o desespero toma conta não apenas das classes dominantes exploradoras, como dos que se permitiram embotar pela sua ideologia.
“Agora, José, é a nossa confiança no PT que se vê abalada. O mais grave, José, é o desencanto que toda essa ‘tsulama’ provoca na opinião pública, sobretudo na dos mais jovens.”
“Quando admitimos que ‘todos os partidos são farinha do mesmo saco’, fazemos o jogo dos corruptos, pois quem tem nojo de política é governado por quem não tem. Se todos se enojarem, será o fim da democracia e da esperança de que, no futuro, venha a predominar a política regida por fortes parâmetros éticos.”
“Temo que por muitas cabeças passe a idéia de, nas próximas eleições, em 2006, anular o voto ou votar em branco.”
A citação acima corresponde a trechos de um artigo escrito por Frei Betto na Folha de S. Paulo em julho. Ele é a demonstração clara do embotamento anti-científico, portanto, místico, de setores da intelectualidade que nos momentos de crise revelam seus laços com as classes dominantes pela sua visão idealista e metafísica no trato da realidade.
Se está havendo um desencanto é porque houve um encanto e, um encanto é um descolar da realidade. Assim, ao invés de saudar o desencanto e o retorno à realidade, Frei Betto desdobra-se em lamentações.
Quem se encantou com o PT, na verdade, se deixou levar pela sua demagogia e por suas falsas promessas de palanque e não atinou para a convergência, na sua construção, dos seguintes interesses:
- Golbery do Couto e Silva, que queria impedir a todo custo que Leonel Brizola catalisasse todo sentimento anti ditadura;
- a Igreja Católica que como instituição reacionária, sempre ao lado dos poderosos, ansiava por uma proposta demagógica para dar seguimento ao seu anti-comunismo;
- o sindicalismo amarelo da CIOLS, ávido por dividir a classe operária e os trabalhadores de modo geral;
- os guerrilheiros arrependidos, agradecidos eternamente à ditadura por haver permitido sua “autocrítica na prática” ao incorporarem-se à máquina do velho e podre Estado burguês-latifundiário;
- os trotskystas, sempre dispostos a abraçar qualquer novidade do tipo Kruschev, Gorbachev, Lech Walessa, etc.
Eleita pela direita
A história da luta de classes, o materialismo histórico, não deixa dúvida quanto à classificação entre esquerda e direita, no transcurso das lutas sociais. Foge, portanto, a uma visão científica qualificar de esquerda os oportunistas que na União Soviética, no Leste europeu, na Nicarágua ou no PT desenvolveram uma prática de colaboração de classes, fazendo o jogo do capitalismo dentro de seus países e na esfera internacional funcionando como agentes do imperialismo.
Quem acompanhou o nascimento e a “evolução” do PT de eleição para eleição desde 1989 até 2002 e, principalmente, esta última, sabe perfeitamente que o Senhor Luiz Inácio nunca apresentou programa mudancista, nem mais nem menos profundo, ele só se elegeu porque deixou bem claro que estava de acordo com o FMI e o Banco Mundial e, inclusive, “avisou aos navegantes” através da Carta aos brasileiros. É bom lembrar que em todos estes anos que Lula concorreu com Collor e Cardoso a direita reacionária o elegia como esquerda, primeiro para descaracterizar a esquerda verdadeira e, segundo, para passar a demagogia petista como esquerda e derrotá-la mais facilmente.
Todos os mal intencionados como, por exemplo, o senhor José Dirceu, sabiam que precisavam fazer um super caixa de campanha para fazer juz a um Duda Mendonça que venderia o “sabonete Lula” com a melhor das embalagens. Agora palatável, o projeto petista prestou-se por pouco tempo a tamponar a crise do capitalismo burocrático brasileiro.
O mais provável é, pois, que o Senhor Luiz Inácio continuará no mandato de gerente dos interesses do império no Brasil, assim concordam a metrópole e as principais figuras da estrutura monopartidista brasileira. O “zelo” pela economia e pela democracia brasileira é o discurso tanto das carcomidas classes dominantes como de sua linha auxiliar, o velho oportunismo.
Falar em democracia sem explicitar o seu conteúdo de classe é no mínimo má fé. Quem do povo, dos trabalhadores, da juventude, dos intelectuais honestos, dos camponeses, dos pequenos e médios empresários irá chorar diante do caixão desta podre e carcomida democracia burguesa com seus adereços escravistas e feudais que nada mais é do que fascismo? Uma ditadura que de 64 para cá só explora, oprime e mata nosso povo em detrimento de meia dúzia de burgueses e latifundiários de velho e novo tipo e seus apaniguados de uma classe média alérgica a povo. Seja qual for o acordo, não favorecerá à nação e ao povo, só servirá para dar continuidade à exploração colonial do Brasil.
Mais uma vez, como é da tradição das carcomidas classes dominantes brasileiras, mudanças serão realizadas para que tudo continue como está. Nova lei eleitoral, novos partidos, punições de luxo, ostracismos convenientes, até que venham novos escândalos e tudo o processo de faz de contas se inicie novamente.
Enquanto tudo isso vai acontecendo, no Brasil concreto os camponeses vão tomando a terra, liquidando o latifúndio, construindo um novo poder, efetivamente democrático, organizando uma nova economia, e elaborando uma nova cultura, na contracorrente da dominação burguesa/latifundiária, serviçal do imperialismo, mas, correspondendo aos desígnios históricos da humanidade.
Queimada a “última esperança”, restará ao povo brasileiro, que em boa medida já não vinha caindo no conto das eleições, abandonar de vez as ilusões parlamentares e assumir, em escala cada vez maior, o programa da revolução agrária e a luta pela Nova Democracia.