Novembro trouxe péssimas notícias para o trabalhador brasileiro. A contrarreforma trabalhista, que promete destruir os direitos sociais e aumentar a precarização dos contratos de trabalhos e salários, já entrou em vigor.
Verena Glass
Para Ganz Lúcio, contrarreforma transformará o Brasil num país de boias-frias
Segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicada no dia 17 de novembro, dos 13 milhões de desempregados no país, 63,7% são pretos e pardos, o que demonstra a perpetuação da desigualdade e do preconceito racial no Brasil. E para manter o processo de sabotagem aos direitos dos trabalhadores, o governo diminuiu a projeção para o salário mínimo do ano que vem.
Em entrevista ao jornal A Nova Democracia, o diretor do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Clemente Ganz Lúcio, falou sobre alguns desses assuntos, e da nova realidade do mercado de trabalho para os trabalhadores brasileiros após a implantação da contrarreforma trabalhista.
AND – A reforma trabalhista acaba de entrar em vigor, e algumas empresas já estão oferecendo vagas para trabalhadores intermitentes. Como o senhor analisa esse novo cenário do mercado de trabalho no Brasil?
Clemente Ganz Lúcio – A nova legislação trará um conjunto de regras que levará a um novo ambiente no sistema de relações de trabalho, que ninguém sabe exatamente para onde vai. Ela abre a possibilidade de novas formas de contratação muito mais flexíveis do ponto de vista do contrato e da jornada de trabalho. Existe a terceirização, o tempo parcial, home office, o prazo determinado e a jornada intermitente, que é uma das possibilidades mais flexíveis da reforma. Aparentemente as empresas estão tomando a iniciativa de contratar os trabalhadores dessa maneira, e isso poderá acontecer ainda mais no comércio, incluindo bares, restaurantes e hotéis.
AND – Logo após a aprovação da reforma trabalhista, o senhor afirmou que o país se transformaria num país de boias-frias. O senhor acredita que esse será o futuro das classes trabalhadoras urbanas no Brasil?
Em alguma medida a forma flexível ao extremo, que é a experiência da jornada zero hora, já existe em alguns países, e torna parte da força de trabalho urbana numa força de trabalho de boias-frias urbanos. As pessoas aguardarão o contato de uma empresa para trabalhar um dia, uma hora, ou alguns dias na semana, sem que se tenha nada de definitivo ou permanente. E nesse ponto será igual à situação do boia-fria rural, que sai todo dia de madrugada para disputar a chance de ter aquele dia de ocupação, e de remuneração, extremamente inseguro.
AND – É a precarização legal.
O Brasil possui uma força de trabalho ocupada desestruturada, muito flexível, e provavelmente isso se ampliará com essas novas formas legais de contratação, que são todas formas de ocupação precária, pois a pessoa não terá mais um emprego estável ou uma remuneração estável. Ela estará habilitada a ser contratada por várias empresas, por uma remuneração que ela desconhece e por tempo indeterminado. Como essas pessoas estruturarão suas vidas com esse nível de instabilidade é algo a ser observado mais à frente, mas é óbvio que será uma situação instável, insegura e precária. Considerando, ainda, que temos já em implantação toda a autorização para que as empresas terceirizem o que elas bem entenderem. Começam a aparecer iniciativas, inclusive no setor público, de terceirização de atividades-fim, e que poderão suscitar empregos formais, só que precários em relação àquela ocupação principal. Um exemplo, o piso nacional de um professor estatutário hoje é de R$ 2.400,00, e já existem empresas contratadas pelas prefeituras, por meio de pregão, oferecendo um serviço educacional pela metade do preço. Então esse profissional poderá fazer o mesmo serviço de um professor estatutário ganhando a metade do salário. Isso gerará um emprego legal, formalizado, mas na nossa visão, precário.
AND – Todas essas medidas tendem a empobrecer ainda mais o trabalhador brasileiro, que caminha cada vez mais para a informalidade.
A tendência é que tenhamos empregos com remuneração potencialmente menor do que aquela remuneração estável. Se antes tínhamos cinco pessoas ocupadas por oito horas, agora poderemos ter dez pessoas ocupadas trabalhando cada uma duas horas por dia. Como teremos mais pessoas trabalhando isso pode até manter a massa salarial, mas a remuneração média cairá, pois as pessoas estarão ocupadas em empregos precários. Isso já vem acontecendo em outros países, como na Espanha, por exemplo, que constata que a economia derrapa porque a massa salarial não cresce. As pessoas estão ocupadas, mas em empregos precários. Se antes havia um chefe de família ganhando mil reais, agora, para conseguir os mesmos mil reais, terão que trabalhar o marido, a mulher e o filho. E talvez essa conta nem empate, pois serão três pessoas se deslocando para trabalhar, tendo custo com transporte e alimentação. Então essas formas precárias de trabalho podem até aumentar a ocupação, porém como são precárias, não repercutirão no incremento da massa salarial. E é a massa salarial que representa a capacidade de consumo de uma economia do mercado interno.
AND – A cesta básica continua muito cara, comprometendo mais de 40% do salário líquido de quem ganha até um salário mínimo. No entanto, segundo o DIEESE, o valor médio da cesta básica se manteve estável nos últimos meses. Quais os principais motivos que preservaram esse valor?
Esse ano o comportamento dos preços dos alimentos foi extremamente favorável no sentido de não pressionar a inflação, portanto os preços dos alimentos contribuíram para preservação do poder de compra dos salários. A safra agrícola, combinada com o comportamento dos preços internacionais, não pressionou a alimentação, que é um componente muito pesado do orçamento familiar. E claro que parte desse resultado também é decorrente de uma economia em recessão, os serviços não crescem porque o desempenho e a queda da massa salarial não autorizam a majoração dos preços.