Região serrana do Rio de Janeiro: Desabrigados denunciam desvio de verba e donativos

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Região serrana do Rio de Janeiro: Desabrigados denunciam desvio de verba e donativos

No dia 14 de abril, a reportagem de AND voltou a Nova Friburgo para registrar a situação das pessoas que perderam suas casas nos deslizamentos causados pela trágica chuva do início do ano. Quase quatro meses depois, a maioria das famílias que ficaram desabrigadas continua morando em abrigos improvisados e sem perspectivas de um novo lar. As pessoas abrigadas no antigo posto de saúde Sasi, no bairro de Olaria, reclamam da falta de espaço, alimentos, condições sanitárias e atendimento médico. Além disso, nossa equipe registrou graves denúncias de desvio de verbas do aluguel social e até mesmo dos alimentos destinados aos abrigos.

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Cerca de 40 famílias continuam no antigo Posto de Saúde Sasi

Três longos meses se passaram depois das chuvas que destruíram a Região Serrana do Rio de Janeiro no início do ano. Até hoje, centenas de famílias continuam vivendo em abrigos, comendo e dormindo em condições precárias e sem nenhuma previsão de reassentamento.

Além de lotados, os abrigos não possuem condições sanitárias adequadas, cozinha, ou espaço para as crianças brincarem. A reportagem de AND, caminhando pelo abrigo instalado no antigo posto de saúde Sasi, no bairro de Olaria, registrou as duras condições de vida das cerca de 40 famílias. Focos de dengue com centenas de larvas prestes a se transformarem em mosquitos podiam ser vistos sem muita procura no pátio do abrigo, assim como muito lixo pelo chão e falta de atendimento médico. Para o café da tarde, estava sendo servido aos abrigados — inclusive às crianças — café puro e biscoitos de maisena murchos.

Barbárie nos abrigos

Eles acham que a gente está no abrigo porque a gente quer, mas se eu pudesse, eu voltava para casa com os meus filhos, porque não tem como ficar em um lugar desses. Eu preferiria voltar para a minha casa do jeito que está: caindo. Eu preferiria correr esse risco, que viver dessa forma — disse, em prantos, a empregada doméstica Janaína Borges, 26, que morava na Rua Espírito Santo.

Eu perdi minha mulher e meus filhos e o Estado não me deu absolutamente nada. O sentimento é muito forte, a dor é muito grande. Só o que me restou foram as amizades. É daí que eu tiro meu único amparo, porque o Estado me abandonou, abandonou o povo. Meu quarto não tem nada. Não me deram nem uma cama para dormir. Perdi todos os meus documentos e o governo não me ajudou em nada. Podiam pelo menos me isentar das taxas para tirar segunda via, mas não. Nem o aluguel social me pagaram — lamenta o aposentado José Marcos Mello, de 62 anos, ex-morador do bairro Alto Floresta.

O meu aluguel social não saiu nem a primeira parcela. Eu estou grávida, vou ganhar meu filho no final desse mês e a prefeitura não me deu nada. O que a gente conseguiu, foram as pessoas que doaram. É assim que a gente está vivendo: abandonados — denuncia a dona de casa Joelma Almeida, ex-moradora do bairro Alto Floresta.

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Joelma e Eduardo vivem há quatro meses em abrigo, sem perspectiva de um novo lar

— Nós estamos desabrigados, mas precisamos de um achocolatado, de um pão, de uma comida para as crianças, uma farinha láctea, mas não nos dão nada. A filha da minha vizinha está mamando leite puro. Não tem um psicólogo para as crianças mais velhas. Imagine o que se passa na cabeça de uma criança dessas, depois de ter perdido amigos, parentes, ficar sem escola e ainda viver aqui, nessas condições — reclama Joelma.

No começo, eram as pessoas que estavam nos ajudando. Agora que as ajudas pararam, o Estado deixou a gente de mão. Já se passaram três meses e, a cada dia que passa, nós nos sentimos mais esquecidos. Tem horas que a gente fica deprimido, sem vontade de comer, sem vontade até de viver. Depois da gente ter a nossa casa, nossas coisas, ficar dependendo de pessoas de má-vontade é triste — diz a comerciante Ângela dos Santos, ex-moradora do bairro Alto Floresta.

Denúncias de corrupção

Segundo denúncias dos próprios desabrigados, verbas do aluguel social e até mesmo alimentos dos abrigos estariam sendo desviados. Ainda em fevereiro, o Ministério Público Federal divulgou documento cobrando transparência das prefeituras da Região Serrana nas contratações de serviços sem licitação. Mas as denúncias de fraude não pararam de surgir e alguns deputados estaduais já cogitam incluir as denúncias na CPI da Região Serrana, instaurada para investigar a responsabilidade das prefeituras na tragédia que deixou quase mil pessoas mortas e milhares desabrigadas.

— Eu fiquei sabendo pelos jornais que uns empresários doaram 100 mil para a construção das nossas novas casas. E cadê esse dinheiro? Deve ter sido desviado, né?— pergunta Joelma.

Chega doação aqui e eles pegam os melhores alimentos para eles e deixam o que sobra para nós. Tudo gente influente, com dinheiro. Como podem fazer isso? Há duas semanas, nós vimos chegando iogurte e refrigerante, mas não veio nada para nós. No dia seguinte já não tinha nada no depósito. E a gente com criança, neném, sem ter um iogurte para dar, sem ter uma papinha. As doações estão sendo desviadas. As próprias cozinheiras que compram caldo de galinha, vinagre e manteiga para a cozinha — denuncia Ângela.

Chegou um monte de colchão bom aqui. Estava tudo lá na prefeitura e sumiu tudo. Disseram que tem familiar do pessoal da prefeitura, lá de Rio das Ostras, que tem condição boa e ficou com os colchões. E a gente aqui no abrigo dormindo em colchonete. É um absurdo o que estão fazendo com a gente. A secretária do governador esteve aqui para visitar o abrigo e disse, em off para nós, que o dinheiro do aluguel social de todo mundo tinha sido mandado para cá. Eu disse para ela que nada foi repassado para nós. Cadê esse dinheiro? — pergunta o operário da construção civil, Daniel da Silva, enquanto trabalhava em uma obra ao lado do abrigo. Ele é ex-morador do bairro Conselheiro Paulino.

No dia anterior a nossa visita, cerca de 400 pessoas participaram de uma manifestação no Centro de Nova Friburgo para cobrar do prefeito Dermeval Barboza uma solução para a situação dos desabrigados.

A nossa vida parou. Estamos aqui largados, abandonados — conclui a desabrigada Ângela.


Combativo protesto reúne 3 mil pessoas em Teresópolis

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No dia 15 de março, cerca de 3 mil pessoas se reuniram em frente a câmara municipal de Teresópolis — outro município castigado pelas chuvas do início do ano na região serrana — em um grande protesto exigindo explicações dos vereadores e do prefeito Jorge Mário Sedlacek para o suposto desvio das verbas emergenciais do gerenciamento Dilma para a reconstrução da cidade.

Existe uma série de indícios de irregularidades, contratações irregulares. Empresas que estão sendo contratadas por dispensa de licitação depois da tragédia de janeiro. A população começou a perceber que tudo que estava sendo contratado não estava chegando ao povo mais necessitado, que foi a população mais atingida por essa catástrofe — disse um dos manifestantes, o radialista Marcos Vinícius Ramos.

Manifestantes carregavam cartazes que revelavam o tamanho da revolta da população de Teresópolis por conta das denúncias de fraude da prefeitura. Um deles dizia: “O povo põe. O povo tira”. O outro dizia: “Fora prefeito Tsunami”.

A tropa de choque da Força Nacional de Segurança, a PM e a Guarda Municipal de Teresópolis foram chamadas pelo prefeito para reprimir a manifestação. Quando manifestantes tentaram fechar a principal rua do centro de Teresópolis, bombas de gás lacrimogêneo foram atiradas pelos agentes de repressão do velho Estado contra a massa. Mas o ataque só serviu para aumentar a revolta dos manifestantes, que iniciaram um combativo ataque ao prédio da prefeitura. Pedras destruíram a fachada do prédio e vereadores suspenderam os trabalhos na câmara alegando falta de segurança.

O que tem aqui são pessoas revoltadas. Vítimas de uma catástrofe, vivendo em um cenário de guerra e que estão sendo tratadas igual cachorro. E nós não vamos sair daqui. Nós cansamos. O Brasil vai mudar na marra, nem que tenha que ser do pior jeito — disse o mecânico João Luiz Lincon.

Dois manifestantes foram presos pela PM, mas os organizadores do protesto disseram que não vão se intimidar e, diante da inércia da prefeitura e a indiferença dos gerenciamentos de turno com as denúncias feitas pela população, novas manifestações vão sacudir Teresópolis nas próximas semanas.

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