Relações impertinentes

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Relações impertinentes

Capitalismo burocrático e educação no Brasil – parte 1

Iniciamos este espaço com uma série de reflexões ainda pouco comuns no Brasil, ou seja, a relação entre o tipo de capitalismo que impera nesta parte do planeta, aquele de caráter burocrático, semicolonial e serviçal do imperialismo, com o tipo de educação que nele também impera.

Em essência, e não poderia ser diferente, sendo esse capitalismo aquele atrelado aos interesses imperialistas e a seu reboque, a educação dada ao povo também segue esta lógica: a formação de mão-de-obra e de um cidadão (sic) com a consciência anestesiada para a realidade, acostumada aos constantes achaques, crimes de lesa-pátria, etc, que as classes dominantes (burguesia burocrática e latifúndio) constantemente perpetram na realidade brasileira. Para além da preparação de uma mão-de-obra para o trabalho simples, a construção de consciências servis, dóceis, serve a outro objetivo estratégico para as classes dominantes que não pode ser compreendido dentro do quadro do economismo. Ou seja, o amolecimento do povo para que não perceba a guerra que os agentes daquelas classes produzem e reproduzem sobre as amplas massas. Dessa forma, tais classes gozam das maiores facilidades para continuar espoliando o povo e seu trabalho.

Como o tema, por sua abrangência de aspectos,  é longo e, portanto, demanda tempo e espaço, aqui trabalharemos alguns deles, continuando a discussão em números posteriores de AND. Para este momento, escolhemos traçar os aspectos essenciais do tipo de capitalismo aqui imperante e as relações gerais mantidas com o mundo da educação, principalmente aquela definida pelas classes dominantes como necessária ao povo para a continuidade de seus interesses.

Como é sabido, nos países de capitalismo atrasado, como o brasileiro, que conheceram esse regime de produção e reprodução sócio-metabólico quando esse já tinha se desenvolvido no seu centro e, portanto, já tinha atingido sua fase imperialista, ele se caracteriza por:

1No campo político, pelo acordo entre as classes nele então dominantes: a classe latifundiária e a burguesia burocrática, dividida nas suas frações burocrática, propriamente dita e compradora*, ainda que essas frações disputem entre si pelo controle do Estado.

2No campo econômico, pelo desenvolvimento de atividades exploradoras das riquezas naturais que esta região pode então ofertar, adentrando aos circuitos de capital como ofertante matérias primas;

3No campo social, pelo aprofundamento do fosso existente entre os interesses dos indivíduos nesta sociedade: de um lado aqueles interessados na manutenção da ordem existente, de exploração, e a grande maioria, carente das condições muitas vezes mínimas de sobrevivência, interessada muitas vezes unicamente na sua manutenção física.

No primeiro aspecto, o político, o imperialismo encontra as sociedades nas quais chega com um caráter feudal ou ainda semifeudal, com senhores latifundiários (os terratenentes, os coronéis, só muda o nome) e uma ampla massa de serviçais vivendo ou do que consegue tirar diretamente da terra ou de favores dos primeiros. Estes, regulando o metabolismo social, ou seja, os meios de produção, controlam o Estado.

Ao imperialismo, como esse local interessa apenas como espaço de extração de matéria-prima ou de mercado para seus produtos (ou geralmente os dois), não interessa afrontar os interesses então dominantes nesse. Ou seja, forma-se uma sociedade em que os interesses dominantes na época feudal, escravocrata ou semifeudal não são alterados, ainda que o país tenha que desenvolver o capitalismo atado a uma ou outra potência imperialista, na condição de semicolônia. A burguesia que daí nasce se alia ao latifúndio para controlar o Estado e atender às demandas do imperialismo, mantendo o monopólio da terra e as relações atrasadas de produção.

No segundo aspecto, o econômico,  e como já citado, interessa às diferentes potências imperialistas, a incorporação de novas áreas como ofertantes de matéria-prima e ou mercado consumidor, bem como a exploração da força de trabalho barata e relativamente desprotegida na semicolônia. Isso explica os diversos ciclos econômicos por que atravessou a economia brasileira, do pau-brasil à cana-de-açúcar dos séculos XVI e XVII, passando pelo algodão ao couro e ao café dos séculos XVIII e XIX, chegando modernamente ao binômio soja/milho a partir dos anos 70 do século XX e, agora no século XXI, ao trinômio grãos (soja/milho), carnes (aves, suínos e bovinos) e combustíveis (etanol, etc), isso no tocante aos produtos agropecuários. Mais dramática ainda era, e é, a sangria de minerais estratégicos, como ouro e diamantes na época da colônia e, mais recentemente, minério de ferro, nióbio e outros, que saem do país a preço de banana.

Nota-se, ao longo da história econômica brasileira, a continuidade e expansão do modelo de produção de um leque de produtos definidos “além-mar”, todos atrelados à necessidade de expansão do capitalismo no mundo, mas aqui mantendo a elevada concentração de terras, dando continuidade ao mando dos coronéis e seus seguidores a serviço da exploração da terra, mesmo que isso signifique miséria para o povo.

Nesse sentido, o terceiro aspecto acima citado aponta para a formação e continuidade de uma sociedade em que há uma profunda divisão de interesses. De um lado, as classes que controlam os meios de produção, interessadas na manutenção de uma relação de domínio, em acordo com a burguesia mundial, para explorar os produtos-da-terra que daqui podem ser tirados. De outro lado, a imensa maioria do povo, tentando se equilibrar para conseguir continuar sobrevivendo. Do interesse da burguesia mundial na oferta de produtos-da-terra e do latifúndio como ofertante destes, vem o acordo para  a manutenção da concentração fundiária e da utilização das terras não para matar a fome do povo, mas para a produção de bens que interessam à manutenção do capitalismo em escala mundial.

Ocorre que a manutenção deste esquema requer a produção e reprodução de um tipo de mão-de-obra e a construção do consenso. Aí, entra em cena a formatação de um tipo de educação, nos seus aspectos estruturais/logísticos/de infraestrutura e pedagógicos, que dê conta dessa manutenção.

(Continua na próxima edição)

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Nota

* Burguesia burocrática propriamente dita é a fração da burguesia burocrática ligada aos monopólios transnacionais, mas envolvida na produção industrial. É burguesia monopolista nos ramos em que os monopólios transnacionais não atuam diretamente.

Burguesia compradora é a fração mais ligada à importação de produtos industrializados e exportação de matérias primas, segundo as exigências do imperialismo. Nos últimos anos, assiste-se a uma forte migração de elementos da fração burocrática para a compradora, que deixaram a produção para atuar como intermediários na importação de produtos industrializados.

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