No último dia 4 de agosto, mais uma moradia foi demolida pela prefeitura na Vila Autódromo, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Dessa vez, o alvo foi a casa do presidente da Associação de Moradores, Altair Guimarães. O líder comunitário contabiliza, com essa, três remoções ao longo de sua vida. Aos 14 anos, Altair foi removido da Ilha dos Caiçaras, ao lado da Lagoa Rodrigo de Freitas, hoje um dos bairros mais caros do país. De lá, ele foi para a Cidade de Deus, em Jacarepaguá, também na Zona Oeste, de onde foi removido novamente em 1990. Seu próximo destino seria uma pequena vila de pescadores ao lado do autódromo de Jacarepaguá: a Vila Autódromo.
As demolições de moradias no local fazem parte do cronograma de obras do Parque Olímpico e já devastaram a maior parte da Vila Autódromo. O argumento de que a favela era um obstáculo à construção do Parque foi contestado por Altair várias vezes, com diferentes laudos técnicos e até um detalhado plano de reurbanização da Vila alternativo à remoção, entregue em mãos ao prefeito Eduardo Paes ainda em 2012.
Mas parece que o incômodo do Estado com a presença da favela nessa região que cada vez mais se transforma em uma área nobre da cidade não começou com a construção do Parque Olímpico. Desde 1992 que os diferentes gerenciamentos municipais tentam remover a Vila Autódromo com diferentes argumentos, que vão desde problemas ambientais, passando pela Copa e, agora, a construção do Parque Olímpico. Hoje, poucas casas ficaram de pé para sustentar a história de resistência dos moradores da Vila Autódromo.
— A gente está em um cenário de guerra. Dá muita tristeza de ver o contraste: de um lado, a nossa comunidade destruída, moradores que estão aqui há 40 anos perdendo as suas casas. Do outro, essa obra enorme para as olimpíadas. Nossa comunidade poderia ter sido reurbanizada e ter se transformado em um bonito legado para as olimpíadas, dando exemplo até para outros países. Estamos nos sentindo em uma cidade fantasma. Se eu tenho o direito de permanecer nessa terra, porque eu estou sendo forçada a sair?Eu ganhei esse título. O morador que quiser ficar deve ter o direito de ficar — diz Dona Penha, atingida por um golpe de cassetete por um guarda municipal no início de junho ao tentar barrar a demolição de outra moradia (Ver AND 153).
Assim como centenas de moradias destruídas na Vila Autódromo nos últimos meses, a casa de Altair foi reduzida a escombros em poucos minutos deixando desolado o líder comunitário, que ainda negociou para retirar algumas telhas antes da ação dos tratores da prefeitura. A reportagem de AND fazia a cobertura da demolição, quando um dos membros de nossa equipe foi atacado com um tapa por um agente da guarda municipal não identificado, mas que segundo os moradores, atenderia pelo nome de Acióli.
— Isso aqui é uma área de interesse social. Não é possível que o juiz não olhe para isso, não se baseie nas leis. Já é a terceira remoção na minha vida, prova de que nós temos um governo covarde, uma justiça covarde, um país no qual o pobre, honesto, não tem direito a nada. Meu sentimento é de vergonha por viver nesse país de ladrões no qual até o nosso direito de morar é arrancado de nós. A lei complementar número 74, de 2005, diz que isso não poderia estar acontecendo aqui por se tratar de uma área social de interesse especial. Mas segundo o entendimento do juiz, essa área estará sendo melhor utilizada pelas construtoras Andrade Gutierrez, Carvalho Rocha, entre outras. Isso é coisa dessa mesma corja do mensalão, lava-jato, esse pessoal que rouba nosso dinheiro e ainda tira o nosso teto, a nossa dignidade — lamenta Altair Guimarães, presidente da associação de moradores da Vila Autódromo.