Dr. Rui Nogueira em stand na Bienal do Rio de Janeiro
Era um ponto animado, com muitos jovens circulando e alguns, ao observarem o destaque para o nosso verde e amarelo, perguntaram: "Quero estudar o Brasil. O que devo ler?"
Lembrei-me de Nelson Werneck Sodré, com seu livro O que se deve ler para conhecer o Brasil. Passei os olhos pelo ambiente da Bienal e pude constatar, em meio aos milhares de títulos expostos em gigantescas instalações de grandes editoras, algumas controladas por grupos estrangeiros, ser muito pobre a oferta de títulos voltados para a cultura e o interesse nacional.
Em dado instante, observei um senhor de meia-idade, parado em frente, perscrutando cada detalhe do local. Após alguns minutos aproximou-se e disse:
— Tomara que vocês consigam!
— Por que diz isto? — perguntei.
— Porque eu não sou brasileiro, apenas moro e trabalho aqui, e na minha terra não conseguimos resistir. Lá, fizeram tudo o que está acontecendo aqui, inclusive com o apagão. Quando abrimos os olhos, não tínhamos mais nada, tudo estava nas mãos de empresas estrangeiras. As transnacionais engoliram tudo.
Apresentou-se como indonésio e, depois, encontrei informações de que aquele país foi usado como balão de ensaio para implantar a globalização.
Aquele homem abriu minhas preocupações.
O apagão foi visível e até divulgado, mas a ocupação, o domínio das nossas empresas é disfarçado. As leis, criadas por pessoas que se venderam para o capital financeiro, permitem que uma empresa seja considerada brasileira apenas pelo fato de possuir um escritório no nosso país. Várias continuam com o mesmo nome, mas dominadas pelos interesses estrangeiros e até fazem propaganda enganosa de serem brasileiras apesar de inteiramente controladas pelo exterior.
Precisaria de muito espaço para enumerar e denunciar a ocupação silenciosa de boa parte dos setores econômicos brasileiros.
Tudo para eles
Tudo que se move e se transforma é energia.
O nosso sistema de produção de energia elétrica é o mais barato do mundo, utilizando hidroelétricas em todo território nacional, interligadas por redes de transmissão e planejadas para continuar funcionando mesmo com 5 anos sem chuvas. Bloqueando investimentos nas estatais, proibindo financiamentos do BNDES e segurando aumento de tarifas em época de inflação, além de aproveitar a formidável saúde econômica das estatais de energia para obter financiamentos externos usados para os pagamentos de juros da dívida, sem nenhuma aplicação no setor, o sistema foi fragilizado e permitiu, com a assessoria de consultoria estrangeira (inglesa), a privatização do sistema.
Ressalta a dominação estrangeira. As empresas elétricas distribuidoras estatais foram privatizadas a preços irrisórios. Alguns exemplos: Gerasul, oriunda da Eletrosul — federal —, comprada pela Tractebel, ramo de energia da empresa do cartel das águas Suez. Tietê, oriunda da Cesp — estadual de São Paulo — para a AES. Coelce — estadual do Ceará —, através de vendas intermediárias, hoje na mão da Ampla, com sede na Espanha, mas controlada por grandes grupos financeiros, inclusive o Banco Mundial.
O trabalho de 50 anos do povo brasileiro, a partir da campanha do "Petróleo é nosso", com a Petrobrás mantendo o país abastecido e desenvolvendo tecnologia pioneira de pesquisa em grandes profundidades, está passando para as mãos do cartel internacional do petróleo (só 32% das ações estão na mão do governo). A Petrobrás descobre bacias de petróleo e o investimento e trabalho dos brasileiros é transferido para estrangeiros terem lucros abusivos em absurdos leilões da ANP em que ela própria, às vezes, é excluída.
Resistir é preciso!
A Vale do Rio Doce, maior empresa de mineração estatal, desenvolvida com muito trabalho e sacrifício dos brasileiros, é transferida por valores insignificantes numa privatização muito questionada inclusive juridicamente. Agora tenta mudar de nome, passando a se chamar apenas Vale, querendo dar a impressão de que é uma empresa brasileira. Estão engolindo tudo. Qual o motivo de mudar a denominação? Fugir da crescente pressão pela reestatização?
O nosso sistema de comunicações é objeto de sucessivas negociações envolvendo muito dinheiro, concentrando em mãos estranhas todo o sistema. Não precisa ser nenhum estudioso para constatar a absurda exploração de que somos vítimas. Tarifas enormes e serviços virtuais precários. Temos que "gemer" para pagar as contas que sustentam acionistas distantes. Qual a vantagem?
Comprem óleo de soja sem ser da Bunge ou da Cargyll, estrangeiras. É difícil. Mesmo as embalagens que estão com rótulos de grande supermercado são produzidos pelas duas empresas. Com a palavra, o CADE.
Até clube de futebol tem sido ocupado por transnacionais. Alguns andaram levando um castigo e foram rebaixados! Seria, no dizer popular, "um castigo de Deus"?
A seleção brasileira de futebol está dominada por uma grande transnacional (Nike), explorando a nossa paixão pelo futebol.
Todas essas empresas não querem o nosso bem, querem os nossos bens.
Resistir é preciso!
Vamos aprender a boicotar as grandes empresas transnacionais ou estaremos fadados a um grande período de escravidão, mergulhados num sórdido mercantilismo colonial e monetário.
Rui Nogueira é Médico Escritor pesquisador
Correio Eletrônico — [email protected]
O caos nosso de cada dia
Márcio Accioly
Dentre os muitos colapsos anunciados que se projetam para o Brasil, como educação e saúde, pelo menos dois merecem especial atenção, por serem cada vez mais iminentes: o dos transportes e o do sistema prisional.
Nossas cidades estão morrendo. Entupidas de automóveis enfiados goela abaixo do povo por montadoras e bancos, de dia para dia dispõem de menos espaço para a circulação dos veículos. Paralelamente vai se reduzindo a oferta de transporte público, que é o fundamental para o povo.
A situação vai se agravando rapidamente, tendo-se como certa, inclusive, a paralisação de grandes metrópoles, tais como Recife, Rio de Janeiro e outras, devido ao impressionante número de veículos nas ruas. São Paulo implantou até mesmo um sistema de rodízio de automóveis que em pouco tempo deixou de funcionar. Todas as soluções apresentadas até agora são paliativas.
Brasília, projetada para virar o último século com cerca de 500 mil habitantes, registrou mais de um milhão e meio de pessoas no final de 1999, e média alarmante de automóveis para cada um de seus moradores. Ela é uma das menos favorecidas pelo serviço público de transportes.
Tudo configura, na prática, a imensa ignorância das gerências — federal, estaduais e municipais — com relação à administração pública. Não têm nenhuma vocação para esse tipo de gestão. E, dessa forma, vai-se seguindo, empurrando com a barriga nossas vicissitudes, passando o bastão adiante com tranquilidade, no aguardo da explosão final.
No Brasil, quem é alçado a cargos públicos, com mandatos caríssimos comprados na boca das urnas, tem sempre o objetivo de locupletar-se do dinheiro público. As benesses se traduzem de várias maneiras: mordomias, apartamentos funcionais, cartões corporativos e propinas em todos os níveis, transformaram os "bem-sucedidos" em verdadeiros nababos. Presidente da República já houve que se elegeu combatendo "marajás" da República, embora ele próprio fosse afastado por acusações de corrupção. Os escândalos são grandes, e poucos percebem que essas benesses não passam de migalhas que o imperialismo atira para essa gente em troca das nossas riquezas minerais e vegetais, do nosso suor e da nossa soberania.
Num país de dimensão continental, padecemos da falta de estradas, ferrovias e navegação de cabotagem, apesar de nossa costa marítima de 7.491 km. Com relação ao setor aéreo, os acontecimentos de recentes anos colocam a todos com a pulga atrás da orelha. Aqui, embarcar num avião é estressante aventura. Em contraste, basta lembrar que no USA, hoje com 300 milhões de habitantes, as ferrovias nascidas em 1830, há mais de 170 anos, são cada vez mais eficientes. Em 1869, os trilhos que vieram do lado Atlântico encontraram os do Pacífico em Promontory, no estado de Utah, e lá estão em perfeitas condições. Aqui, foram praticamente extintas, substituídas por caminhões, ônibus e automóveis impostos pelos monopólios transnacionais.
Com relação ao sistema prisional, basta ver o que acontece nas masmorras medievais brasileiras.
Pretende-se engajar as forças armadas no combate aos criminosos, idéia que elas rejeitam e, perdendo-se nesse bate-boca em torno da sua função, deixam espaço à penetração estrangeira, o verdadeiro inimigo.
Anuncia-se para breve um apagão elétrico no Nordeste. Todos embarcam na velha conversa em torno da dependência por chuva e por sorte. E assim vai chegando um novo ano, com as mesmas velhas promessas e uma única certeza: de fora virão, sem falta, muitas novas malandragens.