A regulamentação do trabalho aos domingos e feriados existe desde 1989, quando os grandes patrões, a fim de aumentar seus lucros e a exploração sobre o trabalhador, conseguiram impor aos comerciários a abertura do comércio aos domingos. Desde então, os sindicatos classistas e independentes travam uma luta incessante para barrar, ao trabalhador comerciário, mais essa estafante e excessiva jornada de trabalho que acarreta vários problemas, inclusive o de saúde mental.
Audiência pública sobre o trabalho aos domingos, Belo Horizonte, 2005
Através de muita pressão e grande esforço por parte dos trabalhadores e seus sindicatos foi elaborada e firmada, em 1991, a Lei 5913/91, que regulamenta a abertura do comércio de segunda a sábado, entre as 6 às 22 horas, excluindo assim o trabalho aos domingos e feriados. Essa conquista foi reconhecida até o dia 31 de outubro de 1997, quando Cardoso, na calada da noite, edita a Medida Provisória de nº. 1539/7 que, em seu artigo 6º, autorizou o trabalho no comércio varejista aos domingos. Posteriormente, reeditada sob o nº. 1.982-76, a MP, covardemente aprovada em 2002 no Congresso Nacional, transformou-se na Lei nº. 10. 101/2002. Desta forma, o trabalho aos domingos no comércio varejista independe de acordo entre entidades sindicais ou entre empresa e sindicato de empregados.
A nova lei manteve a autorização para o trabalho aos domingos no comércio varejista desde que “respeitado o artigo 35 da Constituição Federal”, que rege o funcionamento desse comércio aos domingos de acordo com a legislação do município, por sua vez, elaborada pela Câmara dos Vereadores. Ou seja, o trabalho aos domingos, com o novo arranjo, passou a ser milagrosamente “autorizado” pela Constituição e seu funcionamento será regulado pela Câmara dos Vereadores, facilmente influenciada pela Câmara de Dirigentes Lojistas, entidade que representa o interesse maior na regulamentação da abertura aos domingos e na exploração dos trabalhadores comerciários.
Através dessa atitude sorrateira e covarde de Cardoso, dos empresários e do cartel de pelegos que dirige a Central Única dos Trabalhadores CUT, a Lei nº. 10.101, que deveria apenas regulamentar a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa, em seu artigo 6º, tornou-se a vilã dos comerciários e passou a prejudicar diretamente mais de 10 milhões de trabalhadores do comércio em todo o país. Dessa forma, as entidades classistas e independentes como o Sindicato dos Empregados no Comércio de Belo Horizonte e Região Metropolitana — SECBHRM passaram à luta aberta e direta contra mais esse crime contra o proletariado brasileiro.
Medida escravagista
José Alves Paixão é presidente do SECBHRM e chama a Lei de “medida escrava” que, além de não gerar empregos, o trabalho aos domingos não representa um aumento nas vendas, como insistem em afirmar os empresários.
— Na verdade, há apenas uma transferência do dia da venda; se a pessoa ia comprar na segunda-feira ou na terça-feira, ela deixa para comprar no domingo, mas no shopping, porque vai passear na praça de alimentação, vai ao cinema, aí compra uma coisa ou outra — afirma José Alves.
Ainda, segundo uma pesquisa da Associação Mineira de Supermercados AMIS, feita com consumidores de diferentes níveis econômicos em Belo Horizonte sobre a preferência do dia para realizar compras, 51% dos consumidores não têm preferência de dia para comprar, 24% preferem comprar aos sábados, 7% na terça, 16% na segunda e apenas 2% dos entrevistados reservam o domingo para realizarem suas compras.
A população consultada inclui os trabalhadores, entre eles os comerciários. Sob mais uma flagrante burla de seus interesses, os grandes patrões também afirmam que, trabalhando aos domingos o comerciário tem tempo para comprar. Acontece justamente o contrário, porque quanto mais trabalha menos tempo tem para qualquer outra coisa, inclusive para adquirir algo no próprio comércio. Ou seja, o argumento é que a ausência de tempo livre traz tempo livre ao trabalhador (!?).
Os grandes exploradores e seu sistema de governo insultam o povo, afirmando que a abertura do comércio aos domingos aquece o mercado e gera empregos e que o trabalhador também lucra com isso. Ora, o único que pode auferir lucro, na acepção da palavra, é o capitalista. O assalariado, nunca. Mas se quiser utilizar a expressão vantagem salarial, também comete outro crime, o de falsa atribuição de vantagens, já que o trabalhador aumenta o trabalho dispendido em cada jornada, a pretexto de que esse aumento corresponde a uma reposição por igual trabalho.
Ainda que fosse assim, o fato não significaria nenhum aumento salarial. Se por 8 horas de trabalho paga-se R$300,00, e nem mais um centavo, e se resolvessem impor uma jornada de 24 horas seguidas pagando R$900,00, as únicas coisas que teriam aumentado para o trabalhador seriam: a jornada de trabalho, a massa de dinheiro correspondente ao aumento da jornada, e o abalo definitivo de sua saúde, a tal ponto que o comerciário estaria impossibilitado de repor suas energias — afinal, esse “lucro” de R$ 600,00 poria fora de combate o trabalhador mais sadio em menos de 48 horas ininterruptas.
Falam também que os comerciantes passam a ter liberdade de escolha sobre abrir ou não o comércio aos domingos, ou apenas nos domingos que lhes interessar. Mentira, pois existem denúncias de comerciantes de shoppings que são multados por não abrirem aos domingos. As normas são ditadas pelos grandes especuladores financeiros, os exploradores da força de trabalho, e nunca pelos pequenos comerciantes.
Doenças e desemprego
Os trabalhadores no comércio, há muito, conquistaram o direito ao descanso no domingo e tem o dever de lutar contra a ganância dos grandes patrões e dos pelegos. A abertura do comércio aos domingos não gera emprego, ao contrário, faz diminuir vagas ao eliminar turnos forçando os mesmos comerciários a estender sua jornada, desagrega famílias, leva os pequenos comerciantes a cerrar suas portas e provoca mais desempregos. Os monopolistas no comércio, ao elevarem as jornadas de trabalho em até 60 horas semanais, incluindo domingos e feriados, são responsáveis pelo aumento da incidência de doenças profissionais orgânicas e mentais, a níveis assustadores, entre os comerciários.
Em 2004, apenas em Belo Horizonte, foram 5.714 trabalhadores afastados por doenças, sendo 3.119 atribuídos a distúrbios psicológicos, 1.001 a distúrbios psiquiátricos e 1.594 com distúrbios fonaudiológicos. Até outubro de 2005, já foram contabilizados 2.191 trabalhadores afastados por motivos de saúde, entre eles balconistas, caixas, vendedores, etc.
Nenhuma grande loja dispõe de um departamento de saúde mental para os seus empregados, apesar de o número de doentes ser cada vez maior. Na verdade, os trabalhadores acabam recorrendo à ajuda médica oferecida pelo sindicato, mas muitos trabalhadores são despedidos depois de apresentarem três ou quatros atestados médicos. O trabalhador, então, com medo de ser expulso do “emprego”, acaba reduzindo a tal ponto sua resistência orgânica e mental que muitos quadros clínicos passam a requerer tratamentos caros, demorados e mesmo dolorosos ou, finalmente, se revelam irreversíveis.
Além disso, é tradição entre os patrões serem refratários ao cumprimento das suas próprias leis, sempre que elas significam despesas, por menor que sejam, principalmente nos momentos em que os movimentos de massa vivem um refluxo. Assim, raramente os comerciários recebem pagamento extra no domingo — deveriam receber em dobro. Ou seja, o trabalhador pode não receber um centavo pela obrigação de permanecer horas a serviço de um desses ladrões do comércio, a pretexto de ser o comerciário comissionista. Se nada vende no domingo, nada recebe — ao que as autoridades trabalhistas têm como justo, ou simplesmente alegam não dispor de fiscais em número suficiente para socorrer os comerciários vitimados por tão graves e notórios delitos. Em decorrência, os comerciários negligenciados pelo tal “Estado de Direito” dos grandes ladrões é obrigado a se render a uma nova jornada que corresponderia ao seu dia de folga para manter o orçamento doméstico.
— Vivemos em uma época de violência de todos os tipos, corrupção, tráfico, etc. Os trabalhadores comerciários não têm uma creche para deixar os filhos, salvo quando as crianças ficam com avós. Há pouco tempo em Sabará-MG, uma mãe saiu para trabalhar e deixou uma criança maior olhando outras duas menores. A casa pegou fogo e morreram todas as três. Hoje, nossos filhos não têm mais o convívio com os pais, tem comerciário que chega em casa e os filhos já estão dormindo, e quando saem para trabalhar, seus filhos estão também apressados saindo para a aula. E chega o fim de semana, tempo de estar com a família, ver os problemas de casa, lavar roupa e eles têm de trabalhar — comenta indignado José Alves, que afirma estarmos presenciando uma falência da família.
— A gente pode deixar, nesse país — se é que ainda tem leis-, que o capital sobreponha o ser humano? — , completa.
A desculpa dos grandes comerciantes de que se não abrirem no domingo serão obrigados a demitir muitos dos funcionários nunca enganou aos comerciários. A dura prática dos trabalhadores do comércio faz sentir na própria pele — o que para remediados não passa de estatísticas agourentas — o cinismo dos exploradores. Segundo dados levantados pelo SECBHRM, só no ano passado foi propagandeado pelas lojas a contratação de 6.000 trabalhadores, dos quais 20 a 30% foram efetivados, cerca de 1.800 pessoas. Porém, no mesmo período foram demitidos 13.466 trabalhadores. Em 2005 falam na criação de 6.300 empregos, mas até outubro de 2005 já despediram 9.128 trabalhadores. O saldo é sempre negativo.
Guerra das liminares
O Sindicato dos Empregados no Comércio de Belo Horizonte e Região Metropolitana — SECBHRM está “caçando” todas as liminares expedidas a favor do trabalho aos domingos com relativo sucesso nessa empreitada.
— Caçamos liminares importantes como a da CDL Câmara de Dirigentes Lojistas, Condomínio BH (Shoppings), Casas Bahia, Federação do Comércio, dentre outras — conta José Alves, que comemora o avanço na luta.
Através da luta constante do sindicato e da Federação dos Trabalhadores no Comércio e Congêneres de MG, que buscavam na Justiça Federal a defesa dos direitos do trabalhador, no dia 30 de abril de 2004, véspera do 1º de Maio — Dia Internacional do Trabalho, o SEC conseguiu reverter a liminar que permitia a abertura do comércio nos domingos e feriados. O juiz da 20ª vara da Justiça Federal, Itelmar Raydan Evangelista, revogou a liminar que permitia a abertura do comércio nos feriados, bem como julgou improcedente o processo. Mesmo assim, é comum ver lojas abertas aos domingos, principalmente em shoppings.
À maneira das mesquinhas leis abolicionistas, ainda tramita na Câmara o Projeto de Lei 01/2005, de autoria do vereador Wagner Messias, o Preto (PFL), que limita a abertura das lojas em seis domingos ao ano: aqueles que antecedem o Dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dias das Crianças e dois domingos que antecedem o Natal. Discutido em audiência pública na Câmara Municipal, reuniu representantes dos trabalhadores e dos comerciantes. O Projeto já foi votado na Câmara em 1º turno e aguarda votação em 2º turno. O problema não é só do comerciário mineiro, mas do país inteiro. Em Curitiba, por exemplo, um vereador entrou com um projeto para abrir o comércio aos domingos e, dos 35 vereadores, apenas ele votou a favor do projeto. No Rio Grande do Sul, aconteceu a mesma coisa.
José Alves, que trabalha no comércio já há 30 anos, diz que quando o comércio fechava no sábado 1h da tarde, não se via tantas lojas falindo como hoje. Isso acontece porque os empresários querem ganhar muito, botam as mercadorias com preços absurdos, os aluguéis são caros, o povo não tem dinheiro para comprar e a carga tributária é massacrante. Ele se pergunta por que os lojistas não cobram do governo a diminuição da carga tributária, mas preferem atacar o trabalhador comerciário.
Embutido nessa discussão também está o fato de que os grandes grupos lojistas formados basicamente por empresas estrangeiras, põem fim à concorrência, exploram a mão de obra barata e canalizam dinheiro (remessa de lucros) para os países de origem. A própria CDL fez uma pesquisa em que apenas 53% dos comerciantes são a favor da abertura do comércio aos domingos, enquanto os 47% restantes não acreditam que a abertura aos domingos seja rentável. O que remete à questão de que se a abertura do comércio aos domingos fosse tão boa assim, a opinião a favor, ao menos, passaria próximo à unanimidade. Ainda segundo pesquisa de 1999, realizada pelo SECBHRM, 92,5% dos comerciários entrevistados não queriam que as lojas funcionassem nos domingos e feriados.
Cartel oportunista
Com a intenção de romper com a luta classista do SECBHRM e acabar com a unicidade sindical na retaliação ao trabalho aos domingos, foi criado em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, um sindicato paralelo e oportunista.
Com o apoio da CUT, o Sintracc — Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Varejista e Atacadista de Contagem, como se autodenomina essa agremiação paralela, é formado por oportunistas que nunca foram comerciários, e assinou com a patronal um acordo que não atende às necessidades do comerciário de Contagem e que muito menos luta pelo fim do trabalho aos domingos e por um justo reajuste nos salários. Segundo José Alves, o SECBHRM já entrou na justiça contra esses oportunistas e sua legitimidade, defendendo o princípio que um sindicato de trabalhadores não pode ser forjado sobre uma base fraudulenta, mas deve ser democrático e limpo.
A criação deste sindicato atende apenas aos interesses dos patrões e a implantação das “reformas” sindicais e trabalhistas impostas pela gerência FMI-PT. Ele representa a quebra da unicidade sindical, proposta na contra-reforma sindical e atacada de frente pelos sindicatos e entidades democráticas.