Três meses depois de iniciar um amplo movimento por melhores salários, bombeiros militares protagonizaram uma jornada de lutas que, há tempos, não se via no Rio de Janeiro. Depois de várias tentativas de diálogo com os gerentes de turno, milhares de bombeiros e suas famílias ocuparam o quartel central da corporação e foram atacados pelo BOPE.

Greve dos bombeiros: grande adesão e apoio popular
Na ocasião, 439 bombeiros foram presos. Após as prisões, as manifestações da categoria nas escadarias do Palácio Tiradentes, no Centro do Rio, passaram a ser diárias e ganharam amplo apoio da população. Dias depois, o gerente Sérgio Cabral, pressionado, libertou os bombeiros presos. Contudo, segundo os líderes da categoria, o movimento continuará mobilizado para conseguir o reajuste do piso salarial, dos atuais 950 reais, para 2 mil reais.
No mês de junho, a luta dos bombeiros militares do Rio de Janeiro por melhores salários foi notícia no Brasil e no mundo. Depois de seguidas tentativas de diálogo com os gerenciamentos de turno, a categoria, em greve desde abril, decidiu ocupar o quartel central da corporação para exigir um canal de negociação com o gerente Sérgio Cabral.
Na ocasião, cerca de 5 mil bombeiros ocuparam o quartel depois de uma passeata que percorreu as principais ruas do centro da cidade. No entanto, horas depois da ocupação, nenhum sinal de negociação foi dado pelo gerenciamento estadual. Por volta das 6h da manhã, cerca de 150 policiais do BOPE e da tropa de choque da PM invadiram o local disparando bombas, balas de borracha e até tiros de fuzil.
Utilizando paus e mangueiras de água, os bombeiros resistiram corajosamente, mas foram cercados pela PM. A esposa de um dos bombeiros, que estava grávida, abortou durante a ofensiva da polícia. Após o ataque, 439 trabalhadores foram presos e encaminhados para presídios militares. Horas depois, Sérgio Cabral foi à TV e chamou os bombeiros de “vândalos e irresponsáveis” e prometeu mantê-los encarcerados. Revoltados, bombeiros e seus familiares, com o amplo apoio dos movimentos populares e da população, acamparam na porta da Assembleia Legislativa do Rio para exigir a libertação dos presos. A reportagem de AND esteve no local e conversou com manifestantes, entre os quais estava a esposa do bombeiro Túlio Meneguelli, que abortou durante o ataque do BOPE.
— As pessoas começaram a correr dizendo que o BOPE estava invadindo o quartel. Nessa hora eu fui imprensada pelas pessoas que estavam correndo. Foi quando eu falei para o meu marido: ‘Túlio, acho que eu perdi o neném’. Porque começou a descer muito sangue. Eu tenho dois filhos, um de 9 e outro de 8. Eles podiam estar mortos, porque naquela correria, não tinha como a gente segurar a mão de uma criança. Aquelas bombas não deixavam a gente enxergar nada. A gente não conseguia respirar. A enfermeira disse que se eu não tivesse ido rápido para o hospital, eu também poderia estar morta — disse Cléia Meneguelli, acompanhada por vários parentes dos bombeiros presos.
— Meu filho é trabalhador, bombeiro, e estava lutando por um salário digno. Foi preso. O Palocci e o Cabral, que não dão aumento ao meu filho, estão ricos, milionários. Tudo às custas do suor do povo — disse o pai de um bombeiro preso.
Nos dias seguintes à ocupação do quartel central e a prisão dos 439, as manifestações dos bombeiros começaram a crescer, principalmente após o início da greve dos professores no dia 7 de junho. Os dias se passavam e o apoio da população ao movimento também crescia. Fitas vermelhas podiam ser vistas em toda parte, amarradas aos carros ou penduradas nas janelas dos prédios. A pressão fez com que, no dia 10 de junho, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinasse a libertação dos presos. Mesmo assim, segundo um dos líderes do movimento, o cabo Benevenuto Daciollo, de 35 anos, que também foi preso, o movimento por melhores salários vai continuar e a mobilização da categoria só vai parar quando for aprovada a anistia ampla e irrestrita dos presos políticos e o reajuste do piso salarial para 2 mil reais.
— Nós fomos falar com o antigo comandante dos bombeiros e ele disse que não conversava com praça, com suboficial. Depois fomos tentar falar com o governador e fomos presos e encarcerados. O novo comandante diz que nos apoia, mas não tem autoridade para negociar aumento de salário. Se eles não querem conversar conosco dignamente, vão assistir o movimento crescer cada vez mais. Hoje, nós não somos só bombeiros. Somos professores, profissionais da saúde, várias categorias. Nenhum passo daremos atrás — diz Daciollo.
No dia 29 de junho, o gerente Sérgio Cabral fez um hipócrita pedido de desculpas aos bombeiros, dizendo que não devia tê-los chamado de “vândalos”, mas aproveitando para dizer que eles haviam errado. Claro que não havia a mais mínima sinceridade na fala de Cabral, e sim a mais pura covardia, já que o movimento grevista atingiu várias categorias do funcionalismo estadual e o repúdio da população aos atos discricionários do governo estadual só faz crescer. Some-se a isso as ligações inconfessáveis de Cabral com figurões da grande burguesia, como Eike Batista e Fernando Cavendish, expostas por ocasião do acidente de helicóptero que matou a namorada do seu filho.
Entrevista exclusiva com bombeiro preso:
“Nossa luta não vai parar”
Mesmo com a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado da anistia administrativa aos bombeiros presos, a luta pela anistia criminal, segundo as lideranças do movimento, vai continuar. Bombeiro há 13 anos, Carlos Eduardo, de 32 anos, foi um dos trabalhadores encarcerados pela PM de Cabral. Muito abatido, Carlos conversou com nossa equipe de reportagem e relatou-nos os dias de angústia que ele e os outros 438 presos passaram nas carceragens do corpo de bombeiros.
— Nas primeiras 24h nós ficamos presos em condições desumanas. Muitos de nós ficaram em ônibus, sem alimentação, sem água, parecia que estávamos em um campo de concentração. Era um banheiro só para todos nós, sendo que esse único banheiro não tinha água. A nossa primeira refeição foi servida 20 horas depois que nós fomos presos. Nos dias seguintes, nós dormimos no chão. Muitas pessoas tiveram problemas de pneumonia, outras ficaram resfriadas e com febre — relata.
— Eu me sinto muito triste e preocupado, pois estou apenas lutando por um salário digno. Hoje, nós temos o pior salário do Brasil. Mas ao mesmo tempo, ficamos muito emocionados com o apoio que a população deu ao nosso movimento. A população está vendo o quanto sofremos nessas tragédias. Vários bombeiros morreram na região serrana no início do ano. Teve bombeiro que trabalhou três, quatro dias sem parar. Para ganhar essa miséria. Nosso trabalho vale bem mais do que isso — relata o bombeiro.
— O governador está agindo de forma ditatorial. Meu avô participou da luta contra a ditadura e já me contou muita história sobre aquela época. Estamos voltando àqueles tempos. É inadmissível um governador agir dessa forma. Mandar o BOPE para atacar os bombeiros com suas famílias, esposas, filhos, pais. Tinham pessoas idosas, crianças. A mulher de um dos companheiros estava grávida e abortou. Isso é um crime e esse governador é um ditador. Não tem diálogo com ele. Nós estamos há mais de dois meses tentando falar com ele e não fomos ouvidos em nenhum momento — protesta.