Em todo o estado do Rio, o cerco conjunto das gerências de turno contra o povo pobre continua a todo vapor. As investidas do "choque de ordem" de Eduardo Paes seguem demolindo moradias em bairros proletários, reprimindo trabalhadores e recolhendo a população de rua. Ao mesmo tempo em que Cabral rebaixa as favelas a guetos, instalando muros ao seu redor, incrementa a repressão, alocando batalhões da PM no interior das comunidades e eleva o extermínio de seus moradores a níveis de genocídio, onde nem mulheres e crianças são poupadas. É bom lembrar que ambos são aliados de Luiz Inácio e que as obras do PAC também têm sido motivo de despejo de moradores e demolições em bairros pobres no Rio de Janeiro.
Demolições realizadas pelo "choque de ordem" da prefeitura do Rio
Como AND vem noticiando desde o inicio da nova gerência municipal, o ‘choque de ordem’ segue castigando o povo pobre em toda a cidade.
Dia 24 de junho, no mercado São Sebastião, zona norte da cidade, trabalhadores foram duramente reprimidos em nova operação deflagrada pela secretaria especial de ordem pública (Seop). Na ocasião, 25 pequenos estabelecimentos comerciais foram destruídos por quatro pás mecânicas, seis caminhões e três retro-escavadeiras. A ação criminosa é parte do projeto de ‘reurbanização’ e ‘requalificação econômica e social’ do mercado São Sebastião, coordenado pelo Instituto Pereira Passos e que está abrindo caminho para Eduardo Paes e seu rastro de destruição.
Dois dias depois — pela terceira vez em sete meses — o ‘choque de ordem’ foi ao Recreio dos Bandeirantes e destruiu outro edifício, aumentando ainda mais o número de trabalhadores que tiveram a casa reduzida a pó na região. Foi às 7h da manhã, quando cerca de 120 agentes — entre policiais civis e militares e funcionários da Comlurb — chegaram a Rua 2 W, onde o alvo era um prédio de três andares com quase todos os apartamentos ocupados.
Uma semana antes, em operação deflagrada na favela Rio das Pedras, zona oeste da cidade, na localidade conhecida como Curva do Pinheiro a prefeitura destruiu três prédios, cada um com seis andares, deixando dezenas de trabalhadores na rua. Desde janeiro o ‘choque de ordem’ já demoliu 10 prédios em Rio das Pedras, o equivalente a cerca de 300 unidades habitacionais.
No mês de julho as demolições continuaram. Dia 7, equipes da prefeitura foram à rua Imperatriz Leopoldina em Jacarepaguá e derrubaram sete prédios, cada um com dois andares e cerca de 30 apartamentos. Um dos moradores, desesperado, resistiu e acabou preso por desacato à autoridade.
Segundo o balanço geral do ‘choque de ordem’, desde o início das operações 50 imóveis já foram demolidos pela prefeitura — o que equivale a cerca de 400 unidades habitacionais —, mais de 3 mil moradores de rua foram recolhidos, sendo 763 crianças, e outros 273 foram presos, sendo 23 crianças. O total de mercadorias ‘apreendidas’ pela repressão a camelôs e outros trabalhadores pobres também assusta. Foram 21 toneladas de materiais perecíveis e mais de 225 mil produtos de gêneros variados. Quase 500 trabalhadores foram presos, entre comerciantes e guardadores de carro.
‘Vigiados’ como criminosos
Enquanto isso, nos bairros pobres da zona Sul da cidade, novas ‘unidades pacificadoras’ são inauguradas pela gerência estadual, incrementando mês a mês a criminalização da pobreza e minando pontualmente a organização do povo nas favelas.
Já em funcionamento no Santa Marta, na Cidade de Deus e no Batam, dia 10 de junho foi a vez dos morros Chapéu Mangueira e Babilônia receberem o policiamento permanente da PM com a proposta de levar ‘segurança’ para os moradores e reprimir o tráfico varejista, mas que nas outras comunidades só tem servido para aumentar o medo e limitar os direitos básicos dos moradores, que denunciam agressões, invasões de domicílios, provocações e toques de recolher.
No início de junho, Cabral foi à favela Santa Marta na companhia do ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, que durante a administração da cidade ianque implementou o programa conhecido como ‘tolerância zero’, que assim como a política fascista imposta pelas gerências de turno no Rio de Janeiro, previa o combate ao crime por meio de um ataque violento às camadas mais pobres da sociedade, o que resultou no assassinato de centenas de trabalhadores inocentes pelas forças de repressão do Estado, a exemplo do que vem acontecendo aqui.
Além da ‘unidade pacificadora’, no Santa Marta, assim como na Rocinha, muros continuam sendo erguidos no entorno da comunidade, mesmo depois de comprovada a estagnação do avanço das construções em direção à mata. Segundo pesquisa realizada pela ONG Rio Como Vamos, em 1999 as favelas da zona Sul ocupavam 4.178.368,29 m². Em 2004 ocupavam 4.176.716,22. E 4.175.540,10 em 2008, dados que apontam uma diminuição do tamanho dessas comunidades, contrariando o argumento usado pela gerência estadual para o rebaixamento de bairros pobres a guetos, justamente nas partes ricas da cidade, onde também se concentram as ações do ‘choque de ordem’.
Motoristas de vans seguem resistindo
Às 4h da madrugada do dia 23 de junho, motoristas de vans de diversas partes do estado do Rio já estacionavam seus veículos na porta do Palácio Guanabara, sede da gerência estadual, para cobrar satisfações de Sérgio Cabral sobre o edital de licitação para o transporte complementar, elaborado pelo Detro — Departamento de transportes rodoviários — e pela secretaria estadual de transportes.
Segundo o edital, o atual número de vans intermunicipais em circulação, seria reduzido das atuais 1,8 mil para 671 veículos, o que deixaria cerca de 60% dos motoristas que fazem itinerários intermunicipais sem licença para trabalhar.
Por volta das 9h da manhã, quando já havia mais de mil trabalhadores em frente ao Palácio Guanabara, a tropa de choque da PM chegou atirando bombas e balas de borracha contra os manifestantes que resistiram com pedras e paus. Na ocasião, os motoristas foram duramente criminalizados pelo monopólio dos meios de comunicação que chegou a publicar calúnias contraditórias, como uma suposta relação dos trabalhadores com os grupos paramilitares chamados de "milícias" em favelas do estado, que de acordo com investigações da própria secretaria de segurança pública, são compostas na sua maioria por policiais, como os que atacaram a manifestação.
— Não somos bandidos, somos trabalhadores. Cabral não cumpriu com as promessas que fez e ainda quer tirar nosso trabalho? Viemos agora para cobrar e fomos recebidos com violência pela polícia — disse José Maurício Filho, que faz o itinerário Araruama/Central do Brasil.
Nos dois primeiros dias de julho motoristas de vans voltaram a protestar, desta vez na porta do Detro, na rua do Rosário, Centro da cidade, já que no início da mesma semana uma grande manifestação que seria realizada nas ruas do Centro foi reprimida pela PM com bloqueios alocados nas principais vias de acesso a cidade, onde motoristas de vans eram impedidos de passar.
Para as próximas semanas, os trabalhadores já anunciaram novos protestos e prometem não recuar enquanto a gerência estadual não rever as condições previstas no edital.
Moradores do morro do Estado exigem justiça
No dia 28 de julho serão julgados os 12 policiais envolvidos na barbárie conhecida como a chacina do morro do Estado, na cidade de Niterói. Na ocasião, dia 3 de dezembro de 2005, PMs invadiram a favela, feriram um menino e mataram outras cinco pessoas, a maioria crianças. Foram mortos Wellington Santiago Oliveira Lima, 11, Luciano Rocha Tavares, 12, Edmilson da Conceição, 15, José Maicon dos Santos Fragoso, 16, e Uédison da Conceição Silva, 24 anos. Uma outra criança de 13 anos foi baleada em uma das pernas, mas sobreviveu. Segundo parte do relatório final de uma investigação realizada na época pela Comissão de Direitos Humanos da Alerj, o então presidente da comissão, Geraldo Moreira afirma que "o grupo trabalhou com informações concretas. Uma delas é que só havia marcas de tiro do lado oposto ao que estavam os PMs. Logo, conclui-se que eles tiveram participação".
Fernanda Antônio de Oliveira, de 32 anos, mãe de Wellington Santiago, que hoje teria 15 anos, diz que sua maior esperança agora é na condenação dos policiais acusados de assassinar seu filho.
— Não podem restituir a vida do meu filho, mas podem punir os responsáveis. Se houver algum criminoso, tem que prender, não matar. Temos que trabalhar no sentido de responsabilizar quem praticou esse ato. Meu filho nunca quis saber de armas. Seu maior sonho era ganhar uma caixa de engraxate para me ajudar nas contas da casa. Você luta pra dar o melhor para ele e de repente é tudo interrompido por pessoas que você nunca viu na vida. Aqueles tiros todos numa criança de 11 anos que não estava armada? Não sinto medo, quem perde não sente medo, sente dor. Comunidade é uma realidade bem dolorosa, a gente não tem chance de nada, não tem chance de continuar nossa luta, somos sempre interrompidos por quem tem mais — desabafa.
Moradores do morro do Estado, juntamente com outras vitimas da violência, organizações e movimentos que lutam pelo direito dos povos, como o Cebraspo — Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos — uniram-se em um comitê de mobilização, que até o dia do julgamento fará panfletagens e manifestações em diversos pontos de Niterói exigindo justiça para os responsáveis por mais essa, dentre inúmeras barbaridades cometidas pelo Estado criminoso contra o povo pobre nas favelas do Rio de Janeiro e de todo Brasil.
PM invade ocupação deixando vários
Além das demolições, as ‘reintegrações de posse’ em ocupações de movimentos que lutam por moradia também têm se tornado uma prioridade do ‘choque de ordem’ de Eduardo Paes. Na mesma manhã em que destruiu prédios no Recreio dos Bandeirantes, equipes da prefeitura, apoiadas pela tropa de choque da PM de Cabral, chegaram à ocupação de um edifício do INSS na Avenida Mem de Sá, no Centro da cidade, dando ordem para que todos saíssem. Os moradores resistiram, até o momento em que policiais entraram no local atirando bombas de gás e usando spray de pimenta, ferindo mulheres e crianças. Elizabeth Santos Landivau tem 56 anos e cuida de dois netos órfãos. Junto com ela, na ocupação viviam camelôs, artesãos, mecânicos, operários e outros trabalhadores, tratados como marginais pelas gerências de turno de Paes, Cabral e Luiz Inácio. Segundo Elizabeth, os moradores estavam organizados há 20 meses em um prédio da Gomes Freire e promoviam mutirões para limpeza, divulgação e ligação de esgoto e água, realizavam assembléias semanais e já possuíam até uma biblioteca. Depois de um incêndio suspeito, eles foram forçados a ir para a rua, onde permaneceram por quase um mês, partindo em seguida para o edifício do INSS na Avenida Mem de Sá, de onde foram brutalmente despejados pela PM. — A gente estava em um prédio de 18 andares no número 510 da Gomes Freire, que pegou fogo. Éramos 72 pessoas distribuídas em 37 famílias. Aí a prefeitura usou a questão do incêndio, muito suspeito, aliás, e através de laudos e do juiz, pediu 72 horas pra gente ficar na rua, mas nós ficamos embaixo da marquise e conosco havia um bebê recém nascido de 18 dias. As 72 horas do juiz se transformaram em 28 dias em que nós ficamos embaixo daquela mesma marquise. Posteriormente nós recebemos a informação de que havia um prédio vazio do INSS na Mem de Sá e partimos para lá — conta ela. Além de todo descaso, dona Elizabeth também relata uma tentativa do conselho tutelar de confiscar as crianças, já feridas pelas bombas e pelo gás de pimenta utilizado pela PM na recente desocupação. — Nós estamos lidando com um prefeito que não tem nenhum escrúpulo e nem ao menos pode ser considerado um ser humano. A gente está aqui no frio, na chuva. Esperando novamente a repressão da polícia. Eu já estou com a minha vista totalmente debilitada por causa do gás de pimenta. Ficamos lá de domingo à noite até a sexta-feira, quando a polícia de choque chegou jogando bomba pelas janelas com todos lá dentro. Feriram mulheres e crianças, muitas pessoas estão parcialmente cegas, como eu. Mas já fui à defensoria pública e prestei meu depoimento. Depois de tudo isso nós viemos para cá [Rua Pedro Lessa, no Centro do Rio].Já recebemos repressão do conselho tutelar dizendo que nossas crianças não podem ficar na rua. E elas vão ficar aonde? Nós todos vamos morar aonde? Já tiraram nossas moradias e agora estão usando isso tudo como pretexto para tirar nossos filhos — lamenta. No dia 7 de julho, na quarta operação em menos de dois meses, o ‘choque de ordem’ expulsou os trabalhadores da rua Pedro Lessa, e pela terceira vez em menos de dois meses os moradores da antiga ocupação do número 510 da rua Gomes Freire não têm para onde ir. |