Rio de Janeiro: mais favelas militarizadas

Rio de Janeiro: mais favelas militarizadas

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A militarização das favelas da cidade do Rio de Janeiro pelo velho Estado segue a todo vapor. No dia 14 de outubro, centenas de policiais civis, militares e fuzileiros navais ocuparam as favelas de Manguinhos, Mandela e Jacarezinho, na zona norte da cidade, para a instalação da 29ª Unidade de Polícia Pacificadora. A invasão do chamado Complexo de Manguinhos durou apenas 20 minutos e nenhum tiro foi disparado. Apesar da tranquilidade no dia da ação, moradores mostraram-se preocupados com os próximos passos da militarização.

A gente não sabe o que vai acontecer. Hoje [dia 14 de outubro] eu nem dormi direito, estava apreensiva, pensando no que podia acontecer. Foi tudo calmo, mas não sabemos o que será o dia de amanhã. Tivemos vários casos de invasões a residências sem mandado e a população nem sempre sabe seus direitos, não sabe que tem o direito de reclamar, o direito de ir e vir — disse a moradora Simone Cunha, de 35 anos.

O motivo da desconfiança dos moradores do Complexo de Manguinhos é, certamente, baseado na realidade das favelas já militarizadas, onde segue vigorando um legítimo regime de exceção. No morro do Tuiuti, no dia 16 de outubro, três homens foram presos arbitrariamente por PMs da UPP. Segundo relatos de parentes das vítimas, policiais encontraram uma grande quantidade de drogas a poucos metros do local da prisão e usaram-na para incriminar os três homens. Todos foram autuados por tráfico de drogas e formação de quadrilha.

Foram presos o artesão e músico — guitarrista da banda de reggaeOriginal Raiz — Luiz Cláudio Cardoso, 48 anos; o gráfico Bruno Matheus Pereira Rocha, 26 anos; e o produtor cultural Márcio Antônio Farias, 39 anos. Todos foram encaminhados para a Polinter do Grajaú e, em seguida, para um dos presídios de triagem da penitenciária de segurança máxima de Bangu.

Eu estava em casa, quando escutei a voz de um policial dizendo “Não corre, não corre”. Quando olhei pela janela, eles estavam abordando meu irmão e dois amigos. Os PMs acharam drogas dentro de uma caixa d’água e disseram para eles que se não falassem o esconderijo dos traficantes que colocaram a droga ali, eles iriam jogar a responsabilidade em cima do meu irmão e dos amigos dele. O Luiz chegou a dizer para o policial “você quer que eu me mude daqui? Você não sabe o que acontece com dedo-duro na favela?”. Mas o PM respondeu “Eu sei que vocês não têm nada a ver com isso. Mas se não disserem quem é o dono dessa droga, vocês que vão assumir”. Eu estou muito magoado. Meu irmão não merecia isso. Meu irmão e os amigos dele são pessoas do bem que foram jogadas naquele buraco. Eu não estou achando legal essa UPP. Tem um monte de roubo acontecendo na favela, muita covardia deles contra os moradores — lamenta o irmão de Luiz Cláudio.

Eu estava aqui e, quando vi eles levando o Luiz, eu disse “não faz isso não, meu filho é trabalhador”. Depois que isso aconteceu, eu não tenho ânimo para nada. Estou tomando remédios e quase não consigo comer. Meu filho sempre foi estudioso e talentoso. Ele desenha, faz artesanato e a música é a atração principal dele. Sem contar que ele é muito prestativo. Sempre me acompanha ao médico — diz a senhora Neuza da Silva Cardoso, mãe de Luizinho, como é conhecido o músico na favela.

Meu irmão nunca se meteu com tráfico. Ele não tem um amigo vagabundo. Todos são trabalhadores. Nós moramos aqui desde 1986 e nunca imaginamos que isso ia acontecer. Eles [PMs] acham que todo mundo que mora no morro é bandido. Esse código penal também só serve para pobre — protesta Sílvio Sebastião Cardoso Júnior, outro irmão de Luiz Cláudio.

A reportagem de AND também conversou com Renato José da Silva Pereira, tio do gráfico Bruno Matheus Pereira Rocha.

Nós, da família do Bruno lamentamos muito o que aconteceu. O Bruno é um garoto trabalhador que, inclusive, está prestes a perder o emprego de carteira assinada por causa disso. Ele nunca nos deu dor de cabeça. É um ótimo filho e um ótimo pai. Nunca faltou nada para o filho dele. No próprio relatório da polícia está escrito que ele que era o líder da quadrilha que eles inventaram. Para quê ele faria isso? Ele trabalha, tem filho, tem família, mora em casa própria. A mãe dele está arrasada. Isso tudo a deixou muito batida. Não só ela como todos nós — conta o tio de Bruno.


Viciados são “tratados” por PM matador

No dia 25 de outubro, o jornal O Dia divulgou detalhes macabros sobre o passado do suposto filantropo Sérgio Pereira de Magalhães Júnior, presidente da Casa Espírita Tesloo. A ONG é cogestora dos cinco centros especializados em dependência química para onde são encaminhados 90% dos viciados em crack recolhidos compulsoriamente pela prefeitura do Rio. Somente durante a ocupação do Complexo de Manguinhos — que abrigava a maior “cracolândia” da cidade — cerca de 150 pessoas foram encaminhadas para os centros de “reabilitação” da Casa Espírita Tesloo.

Segundo a denúncia, durante os quatro anos em que esteve na polícia, o ex-PM participou de operações policiais que resultaram na morte de ao menos 42 pessoas. O laudo cadavérico das vitimas apontou claros sinais de execução, como tiros a curta distância no peito, na nuca e no antebraço — indicando tentativa da vítima de proteger o rosto. Ainda segundo a denúncia, em 2008, Sérgio foi investigado pela Chefia de Polícia Civil por suspeita de integrar um grupo de extermínio paramilitar que domina as comunidades Sobral e Vila Brasil, na zona oeste do Rio.

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