Em gesto de coragem, moradoras encaram os policiais.
A Copa do Mundo está chegando e, no Rio de Janeiro, os gerenciamentos de turno correm para cumprir as mais reacionárias exigências da famigerada Fifa para que a rapinagem flua com tranquilidade. Esconder a pobreza, por exemplo, está na pauta de prioridades da cidade-negócio. Desde 2010, a Favela do Metrô-Mangueira — no coração da zona Norte do Rio e vizinha ao recém-reformado Maracanã — é um dos alvos prediletos do gerente municipal Eduardo Paes. Depois de uma ferrenha luta contra as cerca de 600 famílias que viviam no local, o prefeito sentiu o gosto amargo da derrota e foi forçado a retroceder e reassentar os moradores nos condomínios Mangueira I e II, a 300 metros da própria favela.
Diante da trágica situação de moradia no Rio e em todo o país, qualquer pedaço de teto sem dono vira um lar. Foi o que aconteceu com os escombros das casas desocupadas no Metrô-Mangueira, que aos poucos foram sendo tomados por famílias de sem-teto. Entre elas, continuam vivendo alguns poucos moradores antigos da favela, que por problemas burocráticos impostos pela prefeitura — na maioria dos casos, referentes à documentação — até hoje não foram reassentados, mesmo vivendo no local há até oito anos.
Metrô-Mangueira: Anos de resistência.
Os cerca de 150 estabelecimentos comerciais que também funcionam ali, a exemplo dos moradores, travaram uma ferrenha batalha contra o gerenciamento Paes, que mais uma vez foi forçado a recuar e negociar. Os trabalhadores assinaram um acordo que prevê a realocação de seus estabelecimentos em boxes que funcionarão anexos ao estacionamento que será construído no local para os jogos no Maracanã durante a Copa. A construção do estacionamento se transformou em um símbolo do incansável esforço dos gerenciamentos de turno para expulsar a pobreza para longe dos espaços onde acontecerão os megaeventos.
Durante todo o dia 7 de janeiro, os novos habitantes das casas desocupadas e supostamente descaracterizadas, iniciaram um protesto quando a prefeitura chegou ao local, apoiada pela PM e pelo Grupo de Operações Especiais da Guarda Municipal, agredindo e expulsando moradores de suas casas. Cerca de cem pessoas interditaram a Avenida Radial Oeste de manhã e à noite e enfrentaram a PM e a tropa de choque. A mando de Eduardo Paes e do gerente estadual, Sérgio Cabral, policiais promoveram o caos atirando gás lacrimogêneo, spray de pimenta e bombas de efeito moral contra a população, que não se calou e respondeu com pedras e garrafas, sustentando a combativa resistência até a meia-noite.
— Disseram que nós temos que nos mandar, senão iriam passar com o trator por cima das nossas casas. Nos deram somente 24 horas. Não ofereceram nem um real para nós. Nós moramos na favela, mas nós não somos vagabundos, não. Nós somos trabalhadores e só estamos reivindicando os nossos direitos. Muitos que estão aqui precisam de um lugar para morar com tranquilidade, para poder trabalhar em paz, mas infelizmente esse país não dá nada para os pobres. Fora a Copa do Mundo! Nós precisamos é de moradia. Não queremos dar pedrada em ninguém, não queremos violência, nós só queremos os nossos direitos — protesta a aposentada Maria de Lurdes, de 64 anos.
Os protestos bloquearam a Av. Radial Oeste diversas vezes.
— Nós estamos aqui fechando a rua com esses cartazes porque, realmente, eles não ofereceram nada para nós. Quando eles vêm aqui, eles já chegam na maior grosseria, dizendo que se nós não saíssemos das casas, iam jogar tudo em cima da gente. Mas não é assim que tem que fazer. Tem que falar com os moradores e explicar o que está acontecendo. Nós precisamos de uma moradia digna — exige a auxiliar de serviços gerais, Cleide Pereira.
— O prefeito disse que todos iriam ser amparados. Cadê? Está todo mundo aí tomando porrada da tropa de choque — reclama o mestre de obras, Josilmar Albuquerque.
— Quer fazer bonito para gringo e as nossas crianças estão na rua puxando tíner. Eu fui ameaçado e roubado por um agente da prefeitura. Levaram minhas latas de cerveja que eu ia vender. Enquanto isso, a Heineken está liberada para a Copa do Mundo. Teve um rapaz aqui que teve o cordão, o relógio e dinheiro roubados pelos policiais da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora do morro da Mangueira] que vieram aqui no início, quando a confusão começou — denuncia o lanterneiro Luiz Henrique da Silva, de 32 anos.
O vídeo produzido por AND e outros da Frente Independente Popular (FIP-RJ) sobre a resistência no Metrô-Mangueira podem ser vistos no blog da redação do jornal: anovademocracia.com.br/blog.
Quatro anos de luta
Em novembro de 2010, AND publicou uma matéria sobre a ameaça de despejo dos moradores da favela do Metrô-Mangueira para a construção de um estacionamento para o estádio Maracanã. Na ocasião, moradores denunciaram as intimidações que estavam sofrendo de agentes da prefeitura para deixarem suas casas e aceitarem a proposta do Estado, que oferecia um apartamento do programa Minha Casa, Minha Vida no bairro de Cosmos, a cerca de 60 quilômetros da favela do Metrô. Diante das intimidações que sofreram, muitos aceitaram os apartamentos com medo de ficarem sem nada, como ameaçavam os agentes da prefeitura.
No entanto, a imensa maioria dos moradores não se entregou e lutou com unhas e dentes por uma moradia digna. Depois que o grupo que foi para Cosmos começou a denunciar as condições precárias dos apartamentos do projeto Minha Casa, Minha Vida e o regime de terror imposto pela “milícia” que domina a região, os moradores que ficaram no Metrô-Mangueira intensificaram a sua luta para permanecer no local fazendo protestos quase que diariamente. Em alguns casos, operários e engenheiros da prefeitura foram impedidos pela massa de destruir as casas que já haviam sido desocupadas.
— Para a prefeitura, nós somos somente números. Quando eu chego lá, eles não me chamam de Francicleide Souza, me chamam de 37. A menina da recepção grita: ‘O 37 chegou!’. Esse é o número que eles marcam na nossa casa para mapear o processo de remoção. Igualzinho os nazistas na segunda guerra mundial — denunciou a presidente da associação de moradores do Metrô-Mangueira na época.
Pouco a pouco a prefeitura foi recuando, enquanto moradores radicalizavam a luta por um reassentamento digno. Pichações e faixas atacando os gerenciamentos de turno começaram a se multiplicar no entorno da favela. A revolta crescia diante do abalo na estrutura das casas dos moradores que resistiam, causado pela demolição das moradias até então desocupadas. Além disso, o acúmulo de entulho das casas demolidas trouxe uma infestação de ratos, cobras, mosquitos e baratas para a favela do Metrô. Agentes da prefeitura constantemente tentavam cooptar as lideranças da favela para dividir o movimento. Tudo parte do terrorismo empregado pela prefeitura contra os moradores do Metrô-Mangueira.
Depois de dois anos de batalha, a prefeitura recuou e aceitou realocar as cerca de 600 famílias que viviam no local nos condomínios Mangueira I e Mangueira II, a menos de 500 metros das antigas moradias. A conquista certamente não foi um favor dos gerenciamentos de turno, mas uma conquista dos moradores da Favela do Metrô, que não retrocederam e lutaram até o fim por uma moradia digna e contra os desmandos da prefeitura.