Riso e reflexão do povo

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Riso e reflexão do povo

Questionando a realidade através da comédia, em sua constante busca por fazer arte para o povo, a trupe paulista, Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes se prepara para estrear um palco móvel, com espetáculos gratuitos, que deve rodar por vários parques de São Paulo e outras cidades do país.

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A Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes no espetáculo Borandá

— Nosso nome é uma homenagem as antigas companhias teatrais medievais, que eram chamadas de fraternais. Surgimos, em 1981, a partir de um trabalho de  popularização do teatro, produzindo espetáculos para operários e funcionários de uma empresa. A coisa foi ficando séria e abraçamos a ideia — conta Ednaldo Freire, fundador e diretor da trupe.

— Dessa forma, em 1992, convidei o dramaturgo Luís Alberto de Abreu para criarmos um projeto a partir de uma experiência que eu já havia experimentado em um grupo mambembe da década de 1970, de pesquisa da dramaturgia e formas de interpretação brasileira, nos propondo a fazer um teatro nacional, com comprometimento e referência na cultura do povo. A coisa deu certo e em 1993 o grupo nasceu profissionalmente — acrescenta.

— Nossa pesquisa é em torno da comédia popular brasileira, e entenda-se como comédia toda uma forma, um desenvolvimento e uma poética de se fazer um teatro voltado para a acessibilidade popular. A princípio pegamos a matriz da comédia, os personagens da Commedia Dell’Arte italiana e buscamos um correspondente na cultura brasileira. Assim, nacionalizamos a comédia italiana com seus tipos, dando uma cor local aos personagens. Disso fizemos a tetralogia: O Parturião, O Anel de Magalão, Burundanga — A Revolta do Baixo Ventre e Sacra Foliacontinua.

Segundo Ednaldo a comédia sempre foi (erroneamente) considerada um gênero inferior:

— A partir de algumas reflexões percebemos que existe um preconceito histórico em relação a comédia. Como é tida como um gênero popular, automaticamente a colocaram como se fosse um gênero menor. Procuramos acabar com isso, provando que a comédia é muito rica, entre outras, por ser participativa, agregaria, prevendo a participação coletiva — declara.

— Ela não é um gênero como a tragédia, que trata de seres superiores. Ela mostra os seres do cotidiano, do dia a dia, com seus problemas, suas mazelas. Através da comédia se consegue levantar algumas reflexões do ponto de vista social, histórico, e é por aí que temos desenvolvido várias peças, com pesquisas nos locais onde nos apresentamos, levando inclusive algumas questões para debates junto a plateia — continua.

Durante três anos o grupo ocupou o teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro, realizando um trabalho de formação de plateia, interagindo com o povo da região, realizando gratuitamente oficinas de interpretação cômica, máscaras e dança.

— Conseguimos uma parceria com atores amadores locais, e através de pesquisas com moradores do entorno do teatro, levantamos o espetáculo Borandá, sobre a questão dos migrantes, toda aquela população que se formou ali em Santo Amaro a partir do grande fluxo migratório da industrialização do automóvel, principalmente nas décadas de 60/70. O nosso trabalho procura ter sempre a realidade como ponto de partida — expõe.

Teatro sobre rodas

Entre outros espetáculos, o grupo já encenou Masteclé — Tratado Geral da Comédia, Nau dos Loucos, Auto da Paixão e da Alegria, e Auto da Infância, um espetáculo para criança.

— Fizemos um único espetáculo infantil, porque acreditamos que o teatro popular é um teatro para a família, abrangendo todas as idades, não sendo necessário fazer essa separação. Percebemos que muitas crianças participavam nas apresentações para adultos, porque era todo referendado em uma base que é brincante, alegre, participativa, que é a cultura popular, os folguedos, exatamente a linha da Fraternal — explica.

— Atualmente estamos retomando duas peças do nosso repertório, Sacra folia e O auto da paixão e da alegria, com estreia prevista para o próximo 18 de abril, fazendo parte de um projeto itinerante que vai rodar com o teatro pelo país. Para isso, estamos empenhados no projeto de construir um palco móvel, rodante, em cima de uma carreta. É um grande carro baú que se abre para formar um grande tablado, mas sem prejuízo no conforto para quem vê e para quem faz — conta.

— Vamos levar um misto de teatro de rua e sala, com uso de microfone, cobertura e até algumas cadeiras. Uma espécie de circo sem lona. A intenção é permitir a acessibilidade do público que nos interessa, que é o povo. A princípio, devemos passar por parques de todas as regiões de São Paulo, depois queremos ir para outras parte — continua Ednaldo, acrescentando que os espetáculos serão gratuitos, por estarem sendo fomentados pela Lei do Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, uma conquista das trupes paulistas.

O grupo conta com 6 integrantes, empenhados em realizar um trabalho na linha do chamado teatro colaborativo, em que todos participam da construção do projeto.

— Discutimos os temas coletivamente, levantamos a pesquisa, com a participação do dramaturgo. Tradicionalmente o teatro tinha o texto pronto, no caso, comparado à construção civil: o autor era o engenheiro, o diretor o mestre de obra e os atores eram os peões da obra. Mas dentro da metodologia que seguimos, todos queremos participar do projeto, da direção e da atuação — comenta.

— É claro que em determinado momento o autor vai escrever, o diretor dirigir e o ator atuar, para que a coisa flua bem, vá em frente, mas, inicialmente todos participam da construção da montagem, do levantamento criativo dos espetáculos — finaliza Ednaldo Freire.

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