Na tarde do dia 31 de julho, representantes da Mídia Independente Coletiva e do jornal A Nova Democracia estiveram no cemitério São João Batista, Zona Sul do Rio de Janeiro, para conversar com a família do jovem estudante Rafael Pereira Soares, de 15 anos, durante seu velório e enterro. O adolescente era morador do Morro do Cantagalo e, segundo testemunhas, lanchava em uma padaria quando foi baleado por PMs da Unidade de Polícia Pacificadora. Moradores disseram que muitas pessoas circulavam pela favela naquele momento e, ao ouvirem os sons dos disparos, todos correram, inclusive Rafael. Policiais atiraram, balearam o rapaz e fugiram. Ainda com vida, o jovem foi socorrido por moradores e levado para o hospital Miguel Couto.
A dor dos familiares durante o velório de Rafael
No local, PMs entraram no quarto de Rafael, o algemaram na cama e disseram que apreenderam com ele um radiotransmissor e um saco com drogas, que ele atirou contra os PMs e que estava sendo autuado em flagrante por tentativa de homicídio. No entanto, os próprios médicos da emergência do hospital viram quando o jovem chegou, socorrido por moradores, sem nenhum policial o acompanhando. Internado em estado grave e sob custódia, Rafael não pôde nem mesmo ver seus familiares nos últimos dias em que esteve vivo.
— Se meu irmão é traficante, se atirou contra eles, e eles só revidaram, porque fugiram? Sabiam que estavam fazendo besteira. Porque foram os moradores que socorreram? E esse rádio, e essas drogas? Eles não me apresentaram nada disso. No local não havia nada, só o meu irmão com os documentos no bolso, do jeito que chegou no hospital. Triste é saber que no morro isso acontece sempre — diz a irmã de Rafael.
No cemitério também estava presente a líder comunitária Deize Carvalho, que teve seu filho Andrew Carvalho espancado até a morte por agentes penitenciários nas dependências de um centro correcional no Rio de Janeiro em 2009. Até hoje o caso não teve um desfecho definitivo, mas, desde então, Deize transformou-se em uma importante ativista contra a violência policial nas favelas e a política de extermínio do Estado e também uma das mais atuantes líderes comunitárias dos morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Hoje, Deize cursa a faculdade de Direito e deu todo o apoio à família de Rafael para que conseguisse visitá-lo no hospital pouco antes de sua morte. No cemitério, ela não poupou palavras ao comentar o caso do assassinato.
— A única restrição que havia para a visita partiu dos policiais da UPP. O único dia no qual a família conseguiu vê-lo, foi na véspera da sua morte. E quando conseguimos o ‘OK’ do comandante da UPP, ele fez questão de dizer que “só estava autorizando porque estava de bom humor”. O Estado, que deveria zelar pela segurança dessas pessoas, causou todo esse sofrimento, não só ao Rafael, com um tiro fatal, mas à família também, colocando todos esses obstáculos para que conseguissem visitá-lo. Um pobre de um garoto de 15 anos que perdeu a mãe aos 7 — lamentou Deize que, em seguida, contou um pouco dos momentos após o tiro que atingiu Rafael.
— Os policiais em nenhum momento socorreram o menino. Foram os próprios moradores que levaram ele ao hospital. Eu saí de casa de camisola e meia no pé, porque o nosso maior medo ali era que os policiais tentassem executar o Rafael. Eu sei como é enterrar um filho, um ente querido e é por isso que eu luto para que outras mães, esposas, parentes não tenham que sofrer o que eu e muitas outras pessoas sofreram. Esse extermínio de pobres precisa parar e essa é uma luta de todos nós —conclama Deize.