Em janeiro de 2014, o gerenciamento estadual do Rio de Janeiro criou o ‘Lapa Presente’, um esquema de policiamento especial para o famoso e boêmio bairro da região central da cidade.
Policiais de bicicletas, sem fardamento, percorrem as ruas da região procurando por autores de pequenos delitos. Essa é a teoria. Na prática, nesses um ano e quatro meses, são itermináveis os relatos de abusos cometidos por esses policiais contra moradores de rua, usuários de drogas, moradores, turistas e frequentadores do bairro.
Em junho do ano passado, o advogado André Barros, Mestre em Ciências Penais e Secretário-Geral da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, conversava com amigos na Lapa quando viu um jovem ser detido por portar uma pequena quantidade de maconha. Diante da hostilidade dos PMs, André decidiu acompanhar o rapaz até a delegacia. Desse momento em diante, várias arbitrariedades foram pontuadas pelo advogado em artigo publicado no ‘Smoke Buddies’. Ele começa descrevendo as instalações da delegacia da OLP:
— A entrada da repartição fica na parede lateral da antiga delegacia, no meio de um estacionamento. Um local escondido, com uma entrada sinistra, sem qualquer indicação de repartição policial. Atravessamos um local em forma de porta, que dava para uma espécie de porão, buraco, calabouço, onde sem dúvida ninguém da rua poderia escutar nem ver nada do que acontece lá dentro. Em respeito aos direitos humanos, essa extensão da 5ª DP deve ser desativada imediatamente — descreve.
Segundo relatos de moradores do bairro, os moradores de rua são alvos preferenciais para os policiais da OLP. A estratégia é prender, cercar e intimidar a população de rua repetidas vezes até que ela se canse e migre para outra marquise em outra região. André conta o caso de uma dessas pessoas presas mais de uma vez pelo ‘Lapa Presente’.
— Vimos um adulto pobre e negro gritar por quase uma hora sobre o direito de ir e vir, dizendo que tinha sido levado pela décima vez ao local. Ele estava sem documento, afirmava que tinha gastado seu dinheiro com bebida e não tinha feito nada demais, portanto, não poderia ter sido detido — explica.
— Não é todo morador de rua que rouba. Tem muita gente morando na rua e dizer que todo esse povo rouba para sobreviver é mentira. Eu por exemplo, cato latinha. Mas eles acham que nós somos todos bandidos. Eu fico aqui na minha, puxando tiner porque faz passar o frio e a fome. Fico aqui onde tem pouca gente porque não quero incomodar ninguém. Mas eles vêm aqui, agarram a gente, levam a gente para a delegacia, ameaçam, dizem que vão matar a gente, que não querem mais ver a gente ali. Isso quando eles não vem com o Choque de Ordem e levam todo mundo para Santa Cruz, para cozinhar no abrigo — relata um morador de rua a nossa reportagem enquanto repousava próximo aos arcos da Lapa.
A mesma energia dessa polícia anti-povo para atacar moradores de rua, parece desaparecer diante de um caso grave de violência contra a mulher, como o que aconteceu com a estudante de Direito Maria Clara Bubna, de 20 anos, em fevereiro do ano passado. Na ocasião, Maria Clara e suas amigas foram insultadas, agredidas e ameaçadas por um homem em um bar da Lapa e policiais da OLP que presenciaram a agressão ficaram inertes segundo o relato da estudante nas redes sociais.
“O que aconteceu foi um sinal perfeito de como funciona a dinâmica do Estado, onde ao mesmo tempo em que é totalmente errado fazer justiça com as próprias mãos (que o princípio da barbárie que estamos vivendo), eu também não tenho Estado pra recorrer, porque ele é o primeiro que rasga a lei e promove a violência. Isso cria uma situação total de desmando e violência”, conclui a estudante em um trecho de seu relato.
Em maio do ano passado, um vídeo publicado também nas redes sociais mostrava moradores da Lapa indignados questionando policiais que teriam acabado de agredir um adolescente que jogava bola na rua. As imagens mostram a mãe do menino inconformada perguntando aos PMs o motivo da ação.
— Como é que chegam aqui no nosso bairro agredindo crianças, chamando meu filho de filho da p…, dando tapa na cara do meu filho? — pergunta a mãe, que também teria sido agredida por policiais logo após o registro do vídeo.
Em um determinado momento da filmagem, um policial se dirige à pessoa que fazia o registro exigindo que se identificasse. O autor das imagens não poupou palavras ao responder o policial:
— O trabalho de vocês deveria ser fazer a segurança do bairro e não agredir adolescentes — diz.
Todas essas denúncias foram devidamente encaminhadas às autoridades que em todos os casos defendeu a ação de seus policiais e atacou os acusadores. Uma postura previsível para essa polícia declaradamente inimiga do povo, apontada pelas estatísticas como uma das polícias mais violentas e corruptas do mundo.
Colaboradora de AND é detida e indiciada
Na noite do dia 25 de abril desse ano, a cinematógrafa inglesa e colaboradora do jornal A Nova Democracia, Vik Birkbeck, saiu de sua casa em Santa Teresa em direção à Lapa, quando foi parada por PMs da Operação Lapa Presente. Dali para frente, Vik viveu momentos de tensão na mão dos policiais simplesmente porque não aceitou ser revistada sem a presença de uma PM mulher. Ela exigiu ir à delegacia, sem saber o que a esperava.
— Fui descer a rua debaixo da minha casa e tive o meu caminho barrado por três homens do‘Lapa Presente’. Queriam revistar a minha bolsa. Como eu estava sozinha, não estava fazendo nada de errado e a rua já estava meio escura, bastante deserta, achei aquilo tudo excessivo. Disse que só permitiria a revista na presença de uma mulher. Quando eles insistiram, sugeri que fossemos à delegacia. Tentaram ainda me convencer, disseram que como estrangeira eu seria levada à Polícia Federal, podia ser deportada, mas eu insisti em ir à delegacia — conta.
— Na delegacia, uma inspetora me mandou entregar a bolsa ao policial para a revista. Fiz o que ela pediu. Na bolsa havia um lenço, um molho de chaves e umas moedas. Decepção geral. “Vou revistar a senhora”, disse a inspetora, me levando para um pequeno banheiro sujo. “Tira a roupa toda”, ela exigiu. Nesse momento recebi uma ligação de uma amiga fotógrafa e, ao me ouvir relatando a situação pelo telefone, a inspetora mudou de idéia e disse que eu não precisaria mais tirar a roupa, somente os sapatos — relata.
Depois de todo o constrangimento e horas de espera, Vik foi levada para a sede da PF no Centro do Rio e autuada por desobediência. No total, foram sete horas de espera e a inglesa, que mora a mais de 40 anos no Brasil, segue tentando sem sucesso se livrar das acusações comparecendo cotidianamente à delegacia e à sede da PF.