Samba no fundo e na frente do quintal

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Samba no fundo e na frente do quintal

Cantor, compositor, violonista, cavaquinista, bandolinista e banjoísta, o paulista com jeito de carioca Montgomerry Ferreira Nunis, o Sombrinha, foi o fundador do grupo Fundo de Quintal, criando um estilo novo de tocar samba. Autodidata, aos 15 anos se apresentava em casa noturna e hoje, aos 49, com uma coleção de prêmios e mais de trezentas músicas gravadas, por grandes nomes como Beth Carvalho e Chico Buarque, continua na ativa cantando e compondo como sempre.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/54/24c.JPG— Nasci em uma família de músicos, em uma atmosfera musical de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Cartola, Sílvio Caldas, Orlando Silva. Meu pai costumava fazer rodas de choro em casa e ensinou todos os filhos a tocar violão, o que aprendi aos nove anos. Com doze já tocava cavaquinho, com quatorze, violão de 7 cordas, com quinze entrava pela porta dos fundos de uma boate para tocar, e o povo dava uma força (risos). E aos dezoito iniciei carreira de músico profissional gravando com Baden Powel e Originais do Samba — conta.

Paulista, ‘acariocado’, Sombrinha diz que o gênero não está mais restrito ao Rio de Janeiro.

— Obviamente que existe uma diferença de um lugar para o outro. O samba de Adoniran Barbosa é diferente do de Cartola. É claro que, em sua maioria, o carioca é sambista por natureza e torce por uma escola de samba do coração, mas hoje tem samba em toda parte do país, agora mesmo alguém do Rio Grande do Norte me ligou para fazer show, porque o povo de lá está pedindo — fala.

— Fiquei muito marcado como sambista autêntico, e sou um mangueirense puro (risos), mas também me considero um chorão e faço bossas e valsas. Hoje, inclusive, tenho mostrado esse meu outro lado, por exemplo, fiz um show com o Galo Preto, no teatro Rival, no Rio, tocando choro em um bandolim, e o povo amou — comenta.

— O samba e o choro sempre ‘andaram juntinhos’, conta-se até que quando a polícia ia pegar os sambistas que tocavam na casa da Tia Ciata, o Pixinguinha reunia uma roda de choro em frente a casa, então o policial dizia ‘puxa, mas é choro?’ e ia embora, e o pagode lá no fundo de quintal ‘comendo solto’ (risos) — brinca, acrescentando que são gêneros brasileiros de qualidade, fazendo parte da história cultural país.

Após sua primeira gravação profissional, Sombrinha mudou-se para o Rio, onde fixou residência, e ao lado de Almir Guineto, Jorge Aragão, Ubirani, Bira e Neoci, fundou o grupo Fundo de Quintal, e começou a compor. Permaneceu por doze anos no grupo, que se encontra em atividade com outra formação. Em 1995 formou dupla com Arlindo Cruz, que durou cinco anos, e atualmente segue carreira solo.

— O Fundo de Quintal foi revolucionário por causa da forma de compor, melódica, poética, rítmica, os instrumentos, o repique tocado de mão, o tam-tam. Depois, a partir de 1990, houve uma criação comercial da mídia de nome pagode, que não tem nada a ver com a escola que deixamos, algo difícil de se comentar, já que se falarmos mal, dizem que somos despeitados por não estarmos na mídia, mas que também não dá para falar bem. Estamos em uma situação parecida com a do golpe de 64 quando se sabia, porém não se podia falar (risos) — compara.

— O pagode original é muito antigo: quando tinha Pixinguinha e João da Baiana já se fazia um bom pagode. É uma reunião de sambistas, como se fosse uma roda de samba, algo informal, geralmente na casa de alguém, cantando um samba ou tocando um choro. Pagode não é um estilo musical como foi criado, então fico impressionado quando escuto ‘o tal é cantor de pagode’, cantor de pagode? (risos). E apareceram mil pagodeiros, às vezes não sabemos nem quem é quem, que misturados todos, não dá um sambista — constata.

Sombrinha diz que ele e seus companheiros do Fundo de Quintal não sonhavam em ficar milionários e famosos e sim procuravam trabalhar muito para mostrar a melhor arte.  

— Cantávamos músicas inéditas, criávamos muito e queríamos fazer músicas boas, bonitas, e ‘doidos’ para mostrar, como um aluno em sala de aula que quer mostrar a melhor redação para a professora. Nossa intenção era tocar bonito, ser um grande músico. E foi tão forte aquele movimento que a Globo não teve como ‘segurar’, e em um determinado ponto, ‘soltou’ e teve que nos mostrar em seus programas, mas não ficamos ricos, porque nunca fomos modismo — conta.

Lutando pelo samba

Segundo Sombrinha, o samba sobrevive muito bem porque está completamente enraizado dentro da história do Brasil.

— Tenho músicas de trinta anos que o povo continua cantando, e acredito que vai cantar por mais trinta, vão passando de geração em geração, e atualmente, com toda essa facilidade de comunicação e pesquisas, por meio da internet, ficou mais fácil para as gerações futuras encontrarem a boa música. É claro que existe todo um trabalho para emburrecer o povo por meio de jornais, revistas e programas de televisão que só dão espaços para ‘fofoquinhas’, deixando tanta cultura de lado — lembra.

— Também têm as novelas e os ‘Big Brother’, e os rádios tocando modismos cheios de gritaria e de ‘eu te amo na cama’, letras medíocres e que não respeitam a gramática, ensinando o povo a falar errado. Parece até que não tem saída, mas existem pessoas ‘correndo por fora’, trabalhando pelo samba. E tem os pais que passam para os filhos as boas informações, por exemplo, minha filha tem 20 anos e conhece o que é bom — fala.

— É muito difícil combater a mídia por causa do poder do dinheiro, só se alguém se infiltrasse lá dentro, mesmo assim não é garantido, basta olhar o presidente da república que antes de ganhar dizia: ‘vou fazer, vou acontecer’, e quando chegou lá o que faz é o que dão para ele fazer, é mais ou menos isso: é sistema, business (risos), negócio — nota.

Sombrinha tem ‘corrido’ o Brasil com o samba. Recentemente, esteve fazendo shows em Minas, São Paulo e Rio Grande do Norte, sempre lotados.

— Não nos falta público porque plantamos uma semente muito boa, deixamos pegadas, rastros profundos, suficientes para hoje cantar Fogo de saudade, uma música que tem 25 anos, e o público receber e cantar junto como se fosse uma música "estourada" nas rádios — declara.

Também tem feito muitos espetáculos no exterior; entre outros lugares, já levou o samba para Angola, USA, Japão, França, Bélgica, Portugal.

— Fico muito surpreso ao ‘abrir a boca’ e o pessoal de fora cantar. Eles sabem tudo, é impressionante. E toco e canto o mesmo samba que apresento aqui, às vezes até com mais profundidade, porque tem gente que pede músicas de 1980/81/82.

Seu último disco, solo, foi lançado em 2004, com sambas inéditos e participações especiais, depois disso, participou de trabalho de muitos outros artistas importantes e de projetos como Cidade do samba. Um vigésimo segundo disco na carreira, ou um dvd, poderão surgir a qualquer momento, só dependendo de patrocínio.

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