Poeta, compositora e cantora, Dona Elisa Pretinha canta os batuques, aboios da roça, sambas de caboclo e de roda, e o samba tradicional, pelas terras das Minas Gerais. Ligada à velha guarda do samba de Belo Horizonte e participando do carnaval da cidade com sambas-enredo, construiu ao longo de 45 anos de carreira um repertório repleto de balanço e misturando o refino musical com a simplicidade de uma mulher do povo.
Dona Elisa começou a interessar-se por música ainda menina, em sua cidade natal, Águas Formosas, no norte de Minas Gerais, e nada fez com que tirasse da cabeça a idéia de se tornar uma cantora.
— Ainda era criança quando a Edna Fagundes, uma cantora mineira, foi apresentar-se lá na minha cidade. E uma cena que nunca saiu da minha cabeça foi daquela mulher fantástica no palco, cantando e dançando. Foi a primeira vez que vi um artista de perto, e gostei tanto que a partir daquele dia decidir que seria cantora e estou até hoje, contando 45 anos de estrada — conta.
A então menina, Dona Elisa, cantava em festas escolares, aniversários, eventos diversos, e a partir da adolescência, em rodas de amigos.
— Fui crescendo com a música no sangue. Aos 17 anos comecei a compor, e nessa mesma época fui para o Rio de Janeiro, onde morei um pouco de tempo, para tentar a vida de artista. Escolhi a música brasileira para me dedicar, trabalhar e tive que pagar um preço por isso. Minha mãe não concordou com minha escolha dizendo que o caminho era difícil, espinhento, inglório para muitos, mas nada me impediu de ir atrás do meu sonho — relata.
Até aquele momento Dona Elisa cantava e compunha músicas românticas, aboios da roça, caipiras, samba de roda e batuques, tudo que conhecia desde a infância.
— No Rio é que realmente fui conhecer melhor o samba, me encantando com ele, e ainda mais decidida a seguir carreira de cantora e compositora. E falei ‘gente, parece com a música da minha cidade, só que lá nós chamamos de batuque’ (risos). Só mais tarde é que fui saber que samba e batuque são da mesma família — lembra.
A partir desse momento o samba tornou-se o gênero musical preferido de Dona Elisa, que acrescenta a suas composições todas as influências dos batuques da infância.
— Componho todos os estilos de samba, porque ele faz parte do minha raiz, do meu povo, que sempre gostou dos batuques e dos sambas de roda. Falo da vida, do amor, da alegria, da raça negra, dos meus antepassados. Tem um que falo do Rio de Janeiro, pela minha vivência na cidade, e de grandes nomes do samba de lá — diz Dona Elisa, que em pouco tempo retornou para as Minas Gerais, por sentir muita saudade da sua terra, fixando-se em Belo Horizonte.
Escolha difícil
Dona Elisa Pretinha não se arrepende de ter escolhido viver a carreira de sambista e batuqueira, mas, admite que a luta tem sido dura.
— No começo da carreira, aqui em Belo Horizonte, tive sérias dificuldades para sobreviver. Não foi brinquedo enfrentar essa cidade sem dinheiro algum. Mas segui de cabeça erguida, tentando encontrar um caminho para ‘ficar de pé’, sem precisar fazer besteira — confessa.
— Consegui emprego em uma casa de família. Trabalhava a semana toda e fazia um bico nos finais de semana, cantando em bares. Dessa forma, fui fazendo amizades no meio, conhecendo outros compositores, cantores, e ‘fui indo, cantando aqui e ali’. Passei a cantar também em clubes na cidade, como o Elite, Clube dos Feirantes, Estrela Matinal, e muitos outros — relata.
— Depois vieram as rodas de samba e nesse momento então, comecei realmente me envolver com o universo dos fazedores de música. Conheci o maestro Jadir Ambrósio, que por sua vez me apresentou o pessoal da velha guarda do samba daqui de Belo Horizonte, com os quais passei a trabalhar. São colegas brilhantes — elogia.
Com todo esses companheiros, Dona Elisa foi ampliando sua visão de música, e passou a compor e cantar ainda mais, sozinha, com uma banda, ou na companhia do sambista da velha guarda, entre outros lugares: campus da UFMG, parque municipal e praças da cidade. E participou do projeto Do morro ao asfalto, que leva rodas de samba e atendimento jurídico às comunidades de Belo Horizonte.
— Tenho bastante trabalho, disso não posso reclamar, me apresento até duas vezes por semana por aqui, sozinha ou acompanhada do pessoal da velha guarda, mas infelizmente ainda não consegui gravar discos. Mas pretendo ‘catucar’ onde der para ver se consigo, porque cheguei até aqui e não vou desistir. Já passei dos 60 anos de idade, e não quero morrer sem conseguir isso — expõe.
— É muito difícil gravar quando se é uma mulher do povo. Posso dizer que já enfrentei e enfrento muito preconceito na vida. Se comenta por aí que não existe mais preconceito contra o trabalho da mulher, mas só quem ‘está dentro do fogo é que sabe onde está queimando’. Posso afirmar que existe sim, e se não batermos de frente, não conseguimos nada — declara.
— Um deles é o preconceito contra a mulher negra. Não precisa ser negra, basta ser mulher, mas, quando é negra a coisa piora um ‘tiquim’ (risos). Se for pobre então, ai nem se fala. Nesse caso, nem precisa ser mulher, qualquer um sofre disso. É uma luta, que vou conseguindo vencer com sabedoria, inteligência, como quem não quer nada — comenta, bem humorada.
Dona Elisa Pretinha tem também o sonho de ver uma de suas composições gravadas por outra pessoa.
— Posso garantir que se os muitos bons artistas que existem por esse país afora, olharem para as Minas Gerais e encontrasse a Dona Elisa, e pensarem e ver o que ela tem de bom no que diz respeito a composições, sairão saciados, porque tenho música ‘a dar de colher’ — avisa.
Para contato com Dona Elisa Pretinha:
(31) 3077-8555
[email protected]