Pernambucano de Garanhuns, José Domingos de Moraes, o Dominguinhos, começou a tocar ainda menino, acompanhado dos irmãos. Ainda nessa época, com oito anos de idade, foi descoberto por Luiz Gonzaga que, percebendo o futuro musical brilhante do garoto, prometeu para seu pai que, se a família se mudasse para o Rio de Janeiro, apadrinharia o garoto, o que cumpriu prontamente, proporcionando o aparecimento de um dos maiores instrumentista do país e ícone da música nordestina.
— Meu pai relutou um pouco em aceitar o convite pra mudar, era um nordestino autêntico, mas quando eu tinha doze anos, depois que viu que não tinha como sobrevivermos mais lá, viemos parar no Rio de Janeiro, atrás do Gonzaga, que nos recebeu muito bem e me apadrinhou logo de imediato. Fomos morar em Nilópolis, Baixada Fluminense, e lá vivemos muito tempo, enquanto o mestre ia me ensinando tudo de música, e me levando nos lugares onde se apresentava, me mostrando para as pessoas — conta.
Seu Domingos, como é chamado pelos excelentes músicos que o acompanham, é um homem simples e bem humorado. Com um jeito sereno, gosta de contar seus ‘causos’, lembranças engraçadas de momentos ao lado de muita gente talentosa, mas é a de Luiz Gonzaga que mais parece mexer com sua emoção.
— Ele foi mais que um mestre ou grande inspirador, foi um verdadeiro pai para mim, me ajudando em tudo. Com o tempo fui conhecendo seu jeito de ser e seu estilo, sua maneira própria e especial de tocar. Às vezes ele era meio duro, dava uma bronca, mas logo depois já vinha com agrado. Sem dúvida, é uma das pessoas mais importantes da minha vida — declara Dominguinhos.
— Tenho um grande orgulho em ter seguido o seu caminho, colocado o que eu tinha e adquirido muito mais com ele. E o meu prazer também se parece com o seu: sair por esse país afora tocando e alegrando esse povo que sempre nos abraça e recebe bem o nosso trabalho — continua.
Dominguinhos usou todo o conhecimento que adquiriu com Luiz Gonzaga para ampliar a influência da sanfona nordestina na música brasileira, que também tem muito do instrumento no sul e no Mato Grosso, e segue seu caminho sem abandonar a música nordestina, mesmo quando não está “na moda”, sendo apontado por muitos como um dos maiores responsáveis pela sobrevivência dessa música no resto do país.
E para comemorar os seus 60 anos de carreira e gravar um DVD e CD instrumental, ao vivo, Dominguinhos, que está com 68 anos, se apresentou, no final de agosto, em dois shows no Rio, que fizeram parte do projeto Iluminado, idealizado pelo maestro maranhense Zé Américo Bastos.
Radiante, subiu no palco acompanhado de um time com excelentes músicos, entre eles: Yamandú Costa, Wagner Tiso e Gilson Peranzzetta, para tocar um repertório cheio de forró, baião, xote, choros e muitos outros sucessos de todos os tempos com parceiros diversos, incluindo Anastácia, sua antiga companheira, e Nando Cordel, o compositor pernambucano que ajudou a lançar.
— O Zé Américo foi quem arrumou tudo, só fiz chegar lá e tocar (risos). E reuniu só gente boa, porque é assim que eu gosto de trabalhar: com bons músicos, bons arranjos, boa melodia, preocupação estética, que resultam em um trabalho bonito para essa gente brasileira, e o mundo todo gosta também, porque a tendência é gostar do que é bom, quando se tem a chance de conhecer. Acho que música tem que ser bem trabalhada para valer a pena fazer, e sentir prazer em ensaiar, gravar e ouvir — expõe.
Vida difícil do músico brasileiro
Dominguinhos conseguiu patrocínio para esses shows, mas diz que isso não está fácil, mesmo para ele, que já tem seu talento reconhecido, uma carreira importante no país e também no exterior.
— Está difícil pra todo mundo, porque é meio complicado gravar neste momento em que praticamente não têm mais gravadoras querendo isso. Somente algumas poucas que se interessam. É pouca coisa em um país com muita música e cheio de gente com bons trabalhos. Então o jeito é gravar independente, mas para isso temos que conseguir patrocínio, o que não é uma tarefa nada fácil — fala Dominguinhos.
— E não dá para o artista ficar bancando do próprio bolso as suas gravações. Tem os shows, a distribuição e divulgação, porque não adianta gravar e guardar na gaveta. Precisa fazer o trabalho chegar até o povo e aí está o problema, quando não se tem o tal do patrocínio — continua.
O Nordeste está enraizado na vida desse retirante, que veio tentar um ‘lugar ao sol’ na grande cidade, mas não perdeu seus gostos, seu estilo, que está presente em todo o seu trabalho, mas muitas vezes vê seu espaço para apresentações diminuído por lá.
— Às vezes me apresento mais por aqui no Sudeste do que lá, porque em muitos lugares estão preferindo o ‘brega’, e outros modismos. E sempre tem gente que se propõe a fazer esse tipo de música, mas o pior é ter quem divulgue. É aquela coisa do jabá: alguém paga e alguns radialistas, diretores ou donos de rádio tocam uma música falando de pornografia ou qualquer outra porcaria, sem querer saber se é coisa boa. Então acho que a culpa dessas coisas propagarem é muito mais desses do que de quem faz, porque se não tocassem, esses tais não iriam continuar fazendo — comenta.
Dominguinhos diz que o carnaval e o São João do Nordeste estão melhorando, mas ainda tem muitas coisas ruins tendo espaço por lá.
— Pernambuco estava deixando suas raízes de lado, com os modismos da Bahia invadindo, e não é assim. Ele tem as suas músicas, os seus ritmos, folclore, e é preciso valorizar o que se tem. Inclusive o Brasil todo é riquíssimo em ritmos musicais, devendo todos ser valorizados, com cada estado trabalhando pelo seu e também conhecendo e honrando o do outro, porque, de modo geral, todos os ritmos regionais pertencem a todos os brasileiros — diz.
— O Pavilhão de São Cristóvão, no Rio, também está nessa situação. Recentemente fui homenageado por lá, gostei muito, mas sei que existem coisas ruins tocando no local, que foi feito justamente para valorizar e divulgar a bela cultura nordestina. Acredito que poderia ser mais bem aproveitado, contudo ainda é um espaço para mostrarmos o nosso trabalho — acrescenta.
— E não adianta dizer que o ‘Luiz Gonzaga’ vai acabar ou que a sanfona será trocada de vez pela guitarra ou outro instrumento na moda, porque isso não vai acontecer. Não podemos impedir que façam e toquem coisas ruins, mas também não conseguem nos impedir de continuar trabalhando e trabalhando — continua.
E não falta trabalho para artistas como Dominguinhos, que têm compromisso com a arte.
— É show toda semana, viagens, muitas apresentações, gravações, porque o povo gosta de música, então é pé na estrada e vamos alegrar nossa gente — finaliza Dominguinhos.