Depois das inundações que vitimaram milhares de trabalhadores na cidade de São Paulo entre o fim de 2009 e início deste ano, a situação dos moradores é de total descaso e abandono por parte do velho Estado, que aliás, vêm agravando ainda mais as já péssimas condições de vida das vítimas.
Humilhação, destruição, abandono e, agora, a expulsão
No mês de junho último, AND percorreu as ruas do Jardim Romano, um dos 17 bairros que compõem a região conhecida como Pantanal, localizado no extremo leste da cidade de São Paulo.
As inundações que atingiram a região entre final de janeiro e fevereiro deste ano devastaram ruas inteiras e, quando as águas baixaram, restou a destruição e a incerteza.
Os moradores demonstram grande preocupação, pois a gerência Kassab – DEM, sem apresentar quaisquer laudos ou provas técnicas, determinou que a região é "irregular", dando início a construção de um dique para contenção de águas pluviais. O que aparentemente seria uma medida para a segurança das famílias, tem servido de fato para expulsar moradores da região.
Com o início das obras, iniciaram as desapropriações.
— A prefeitura destinou R$ 70 milhões para a construção do dique, cujo custo divulgado será de R$ 31,6 milhões. O restante seria destinado à indenização das famílias que perderam suas casas. Mas os mais de R$ 38 milhões evaporaram e eles estão alegando não ter este dinheiro. A outras famílias desapropriadas para fazer uma passarela, a prefeitura, no começo do ano, deu uma bolsa aluguel, prometeu indenizar suas casas, e até agora ninguém recebeu nada – denunciou a sra. Márcia Pereira Carvalho, 44 anos, moradora do Jardim Romano desde 1995.
Ainda de acordo com a moradora, 50 famílias já foram removidas do local sob a justificativa das obras. Ela denuncia que a empreiteira Diagonal, responsável pelas obras, pressiona constantemente as famílias.
— Essas casas aqui – conta sra. Márcia apontando o local das desapropriações — foram todas derrubadas sob forte pressão psicológica da Diagonal. Eles diziam: ‘se vocês não saírem agora por bem, sairão depois por mal’. Quando fizeram um cadastro para remover o povo e eu resisti dizendo que não sairia, eles me disseram: ‘o bolo está grande, você vai ficar por último e depois não vai ficar com nada’. São uns chantagistas — protesta.
Jardim Romano em 18 de dezembro de 2009
Os moradores protestam contra o "bolsa aluguel" e taxam-no como medida demagógica que não soluciona o problema das famílias.
— A situação é desesperadora. Eles pagam um valor referente a seis meses de aluguel de R$ 300, mais R$ 200 para a mudança. Isso é insuficiente, pois as imobiliárias aumentam constantemente o valor dos aluguéis e se negam a alugar imóveis para as famílias, pois a prefeitura só garante a "bolsa" por seis meses. E mesmo que renovem isso que eles chamam de benefício, continuará sendo insuficiente. As famílias possuíam casa própria e agora só resta insegurança e desrespeito — afirma outra moradora que nos acompanhava durante a reportagem.
— Ficamos trinta dias debaixo d’água. Alguns receberam a bolsa aluguel mas tiveram que voltar porque só receberam por três meses, A maioria das pessoas teve as casas derrubadas assim que saíram. A água subiu mais de um metro no lote de um dos meus vizinhos e, no desespero, ele acabou aceitando R$ 8 mil que lhe ofereceram. No mesmo dia meteram a máquina na casa dele e o coitado agora não tem onde ficar, pois R$ 8 mil não dá para comprar outra casa — denuncia o sr. Geraldo, 46 anos, também morador da região.
Setenta outras famílias foram forçadas a deixar o Jardim Romano e levadas pela prefeitura para o conjunto habitacional da CDHU — Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo — em Aracaré, no município de Itaquaquecetuba, na grande São Paulo.
Sem casa e sem emprego
Enquanto percorremos as ruas do Jardim Romano, vimos várias famílias com crianças e idosos vivendo em um mesmo apartamento, com péssima infraestrutura. Outras foram sendo amontoadas em abrigos e escolas abandonados à própria sorte.
— Tive de chamar a zoonose pois tínhamos vários animais de estimação das famílias no abrigo. Eram 52 crianças, 7 cachorros e 4 gatos, todos doentes, e a única assistência que tivemos foi quando passou uma matéria na TV, já no quarto dia. Foi quando no fim do dia apareceu café da manhã, almoço e jantar, tudo isso depois de quatro dias. Ainda assim, isso que parecia assistência era um "cala a boca" com comida ruim e estragada — conta Lúcio, um dos moradores desabrigados.
Recentemente a CDHU conseguiu uma liminar de reintegração de posse contra as famílias que não sabem para aonde ir.
— Eles usaram de todos os artifícios para nos tirar. Agora chegou essa liminar de reintegração de posse depois de mais de um mês e meio que estamos tentando falar com a prefeitura para obter alguma ajuda. Quando vem alguma assistente social aqui, dizem que o problema não é com eles, que é um problema da prefeitura. Mas não é só um problema da prefeitura, é também um problema da CDHU, que é órgão do estado — afirma Lúcio.
Não bastassem todos esses problemas, as famílias enfrentam o desemprego e a falta de vagas nas escolas para as crianças.
Há pessoas que não conseguiram matricular suas crianças, porque não possuíam a carteira de vacinação, perdida nas enchentes.
Reginaldo, um dos moradores removidos, além de perder a casa perdeu o emprego.
— Muita gente já perdeu o emprego e outros ainda perderão. Este local ficou muito longe do trabalho. Perdi meu emprego e ainda fui obrigado a ouvir do meu patrão que "estou dando mais atenção à minha vida particular do que à empresa" — desabafa.
Interesses Escusos
— Estão querendo despejar 900 famílias para construção de um dique. Mas o que achamos mesmo é que deve haver alguma construtora por trás ou imobiliária, pois a obra do dique não vai até aonde está a maioria das casas. Se aqui fosse uma área de risco, como eles dizem, por que deixaram o povo construir? Por que quando fomos pedir instalação de água, luz e esgoto atenderam as solicitações? Aí, depois que tudo cresceu, que todo o povo organizou suas casas, eles querem expulsar? — questiona a sra. Márcia Pereira.
— Depois que ocorreram as manifestações devido às enchentes, a presença policial aqui no bairro cresceu absurdamente. Ficam nos vigiando e acompanhando nossos passos. Houve uma vez em que eu estava saindo para um compromisso e um policial me perguntou onde é que eu ia. Eles estão tentando nos intimidar, mas a mim eles não intimidam, se não estou fazendo nada de errado eu vou a luta — afirma a moradora.
O Jardim Romano está localizado próximo à Rodovia Ayrton Senna, a alguns minutos do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Tanto o gerenciamento de turno municipal como o estadual já sinalizaram a intenção de construir nessa região o maior parque linear da América Latina. A construtora Tenda também já adquiriu um imenso terreno nesse bairro.
— Eles fizeram tudo isso para deixar o povo em desespero e tirar daqui. Eles querem tirar os pobres daqui para fazer uma área de habitação para ricos. Alegam que a região é inabitável mas estão construindo uma escola com os custos de R$ 40 milhões. Será que investiriam tanto em uma dita área de risco? — indaga sra. Márcia.