E de repente vai chegando! Vai chegando! Vai chegando!!! É o trem dos convidados de Assis Ângelo que pára, todo mundo desce e, em seguida, abre-se a porteira. São 21 horas em S. Paulo. Assis dá o seu boa noite a cada um dos presentes . O estúdio da Rádio Capital AM, na avenida 9 de Julho, está lotado, é uma verdadeira Assembléia Popular Cultural, do coração da capital paulista para todo o Brasil.
Fotos: arquivo pessoal do radialista
É o programa São Paulo Capital Nordeste, apresentado todos os sábados das 21 às 23 horas, pelo radialista Assis Ângelo. São compositores, cantores, cordelistas, repentistas, sanfoneiros, forrozeiros de todos os estados e, principalmente, artistas do Nordeste que têm encontro marcado com a nação brasileira através das ondas hertzianas. E toca um baião, e roda uma embolada, e sobe um xote. O contra-regra está atento às vinhetas caracteristicas do programa, e Assis assume o comando. Já está no ar para anunciar o lançamento de um novo livro ou novo disco e vai alternando os eventos com entrevista, depoimentos, informações sobre a música regional e outras manifestações da cultura popular. Não há espaço para a massificação comercial nem para o popularesco e, muito menos, para a música imposta pelas gravadoras. Assis Ângelo é autêntico: — “Isto eu não toco!”
A receita da produção do programa dispensa uma organização burocrática e tecnicista, em seu lugar entram a informalidade e o bom humor, o improviso e o talento popular. A regra é microfones abertos para todos que vivem a cultura — principalmente oral — nordestina e brasileira na cidade de São Paulo. Não segue um roteiro pré-determinado de entrada de blocos musicais ou de entrevistas. Tem o ritmo que o ouvinte gosta, para a divulgação da cultura nordestina e a valorização de seus talentos. Os artistas vão chegando com seus CDs, livros ou folhetos e por ordem de chegada vão ao ar, dando seqüência à bela festa que irradia para todo o Brasil a alegria do povo brasileiro de todos os rincões. Para o comunicador, isso não é nenhum sacrifício, visto que a cidade concentra mais de 6 milhões de conterrâneos que, assim como Assis Ângelo (Paraibano), não esquecem suas raízes e encontram no São Paulo Capital Nordeste o lazer e a diversão que deixaram guardados em suas cidades.
Quem descobriu o Brasil? Assis Ângelo
Assis Ângelo conversa ao vivo com Inesita Barroso
O comunicador-animador é pesquisador e estudioso das expressões culturais do povo nordestino. Há mais de 26 anos residindo na grande metrópole paulista, Francisco Assis Ângelo, jornalista profissional, com estudo universitário nas áreas de artes plásticas , música e história, nasceu em João Pessoa, Paraíba, em setembro de 1952. Trabalhou como jornalista nas maiores empresas de comunicação do eixo Rio de Janeiro — São Paulo e é um dos mais apaixonados pesquisadores da cultura regional. Considerado um poço inesgotável de informações nesta área, Assis Ângelo, além de escritor “de belíssima letra”, como bem disse Moacir Japiassú, no prefácio de seu livro, “A Presença dos Cordelistas e Cantadores Repentistas em São Paulo”, é um produtor de eventos culturais. É ainda possuidor de um invejável acervo sobre as manifestações culturais brasileiras principalmente na música e na literatura.
Na Assessoria Cultural da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), Assis amplia os espaços de difusão de artistas populares. “O Primeiro Concurso Paulista de Cordel” foi um evento promovido por ele que movimentou cordelistas de todo o Brasil, inclusive de São Paulo, ou sem nenhuma raiz nordestina, como o ex-professor da Mackenzie, Peter L. Alouche, nascido no Cairo, Egito. Este professor, formado em Letras pela Universidade de Nancy, na França, ao participar do certame adotou o pseudônimo de “Pedro Nordestino”. Sem dúvida, a cultura nordestina é contagiante. Anima, desperta e faz vibrar onde quer que esteja. O Cordel e o Repente é apreciado em todo o Brasil, com maior ênfase onde se concentram mais nordestinos, como em São Paulo.
No ar,ao vivo, pela Rádio Capital AM 1.040 kHz, o Programa São Paulo Capital Nordeste. Um show de informação, brincadeira e bom gosto. Começa a festa! É São Paulo Capital Nordeste para todo o Brasil com muitas atrações.
Ângelo publicou vários livros, todos seguindo a mesma linha que procura mostrar a fibra do Nordestino. Para ele a literatura de cordel e a arte da cantoria “é um mundo maravilhoso” de vastíssima beleza. “Quase indescritível”, sublinha, com suas histórias próprias e tradicionais a enfeitiçar e a desafiar a imaginação de gerações e gerações, por séculos e séculos.
Cultura brasileira
Com Zé Ramalho
Em seu livro o radialista afirma que “a contribuição dos cordelistas e dos cantadores repentistas à cultura popular brasileira é tão significativa” que poetas e romancistas, como José de Alencar, Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, e inúmeros cantores já expressaram em suas obras a riqueza dessas criações populares. Lembra que os poetas populares, repentistas e autores de folhetos de cordel nordestinos, começaram a chegar a São Paulo a partir dos anos 40. Na sua avaliação, foram e continuam indo pela profunda vontade de “juntar a fome com a vontade comer”, traduzindo: levar aos quatro ventos a sua sublime arte.
De tímidos — devido ao preconceito — aos talentosos violeiros que alegram os logradouros públicos das grande cidades, São Paulo tem o privilégio, hoje, de um programa radiofônico voltado para os interesses populares, propagando a sua música, a sua poesia e a sua arte. São Paulo Capital Nordeste acaba por fazer a “ponte” para todas as necessidades dessa grande comunidade na Metrópole. Entretenimento, informações, utilidade pública, debate, conhecimento, cultura, encontros, negócios, enfim, esse o objetivo desse comunicador popular que poderia comandar qualquer programa, com qualquer linha ou público. Mas a sua paixão é mesmo o nordestino, que deixa a sua terra natal por qualquer motivo, seja ele triste ou alegre, e não perde as suas raízes. Marcas profundas que vêm dos séculos, dos escritos de histórias heróico-cavalheirescas em língua romance — ou derivada do latim dos romanos , o que explica o nome do próprio gênero — são versos do século XI, explica.
O programa revela, para quem não as conhece, algumas das habilidades nordestinas no campo da culinária e do artesanato que hoje são motivos de bons negócios. São Paulo — capital — hoje tem mais de 200 Pontos de encontro de nordestinos, entre eles restaurantes e casas de shows.
Novos projetos
Assis Ângelo não se cansa e vai em busca de novos desafios: ao concluir a sua participação no Livro O Clarim e a Oração, marco do centenário de Os Sertões de Euclides da Cunha, já organiza dois projetos sobre Os Demônios da Garoa e sobre a Rainha do Baião Carmélia Alves. Prepara ainda o relançamento de O Coronel e a Borboleta e outras Histórias Nordestinas.
O seu grande sonho, ainda está em projeto, mas ele começa a concentrar energia para concretizá-lo: fazer o programa diariamente e com uma transmissão semanal de algum lugar do Brasil.
Assis não está só
Indagado se o seu trabalho seria um esforço solitário em defesa da cultura popular brasileira e nordestina Assis respondeu: “Enquanto existirem pessoas como Ariano Suassuna, Sivuca, Dominguinhos, Valdones, Oswaldinho do Acordeon, Cesar do Acordeon, Gereba, Téo Azevedo, Klévisson e Arievaldo Viana, Luiz Vieira, Otacílio Batista e muitos outros escritores, cantores e poetas, nada apagará a verdadeira cultura do povo brasileiro.”
Dona Mariquinha
O barulho do helicóptero se faz ouvir bem forte e Assis anuncia, com muita satisfação, a chegada de sua mais famosa ouvinte, Da. Mariquinha. Uma cearense de Quixeramobim que está na sua sexta viuvez e diz-se apaixonada por ele . Todos os sábados ela desce de helicóptero no pátio da Rádio Capital com uma reca de parentes e aderentes que a ajudam a trazer as guloseimas do nordeste para agradar o locutor e seus convidados.
Neste momento o programa faz uma pausa no estúdio para que todos convidados possam degustar tapioca, pé-de-moleque, pamonha, aluá, refresco de murici, mangaba, sapoti, cocadas , doces de buriti, mamão, jaca, rapadura, alfinin, batida e queijo de coalho, tudo isso como sobremesa de uma suculenta carne de sol com feijão de corda e paçoca. É o Nordeste e sua gente ao vivo, para todo o Brasil.
Satisfeito, todos bem alimentados, o comunicador retoma o comando do programa ao vivo e a estas alturas já dois ou três convidados disputam as atenções de Da.Mariquinha. Mais uma embolada, mais uma cantoria, mais um martelo e um galope. E nesse ritmo contagiante, o programa já ganhou a sintonia popular e é disparado na preferência do ouvinte no horário, seja ele brasileiro de qualquer região. Na verdade, a cultura nordestina, em todas as suas expressões — musical e literária — não é outra coisa senão a arte do povo brasileiro.
Literatura de Cordel
O 1º. Concurso Paulista de Literatura de Cordel, promovido pela Companhia Paulista de trens Metropolitanos — CPTM — reuniu profissionais e amadores de todo o Brasil, com trabalhos considerados de altíssimo nível por uma comissão julgadora formada por especialistas e presidida por Sebastião Marinho, da União dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste — Ucran. Os três primeiros lugares foram conquistados por Rouxinol do Rinaré, Zé Maria de Fortaleza e Andorinha. Além desses, outros 17 nomes foram selecionados para uma publicação que teve o apoio do Governo do Estado de São Paulo. Pela ordem alfabética, são: Antônio Alves de Oliveira, Antônio Queiroz de França, Arievaldo Viana, Costa Senna, Geraldo Nobre, Iracema M. Régis, José Alves dos Santos, José Francisco de Souza, José Maria Mapurunga, Luiz Eduardo Serra Azul Filho, Mauro André Oliveira, Maria de Fátima Lucas, Moreira de Acopiara, Peter Alouche, Rubenio Silvério Marcelo, Sebastião Cirilo dos Santos e Vidal Santos.
O que dizem alguns versos
Dona Mariquinha
(Franklin Maxado)
“O Assis foi escolhido
Por paixão duma coroa
Lá de Quixeramobim
Ela ouviu sua voz boa
Em rádio da Paraíba
Na capital João Pessoa.
Essa coroa é viúva
Muito rica e fazendeira.
Já teve cinco maridos
E de todos é herdeira.
É uma bela cabocla
Ainda nova e faceira.
Possue vinte e sete filhos
Espalhados pelo mundo.
Casou-se com doze anos
Com um tal doutor Raimundo.
Mas este logo morreu
Caiu num poço profundo
O Trem Metropolitano
Na Palma da Mão
(Arievaldo Viana)
“Falamos primeiramente
Do bom clima paulistano
Em seguida embarcamos
Num trem metropolitano
Foi esta a melhor viagem
Que eu fiz naquele ano
Lá eu vi pernambucano
Gaúchos e amazonense,
Potiguar, paraibano,
Capixaba e paraense,
Vi mineiro e carioca
Baiano e paranaense
Gente de todo o Brasil
Também do exterior
Camelô, comerciante,
Metalúrgico, soldador
Viajam todas as classes
do operário ao doutor.
O Metrô nos Trilhos do Cordel
(Zé Maria de Fortaleza)
“Durante muitos milênios
O nosso povo ancestral
Para vencer as distâncias
Usou lombo de animais
Mas pras bandas da Inglaterra
Um jovem mudou a terra
Com o invento industrial
Foi no século dezoito
Seu nome: James Watt (uote)
Viu no fogão a chaleira
Pulando que nem caçote
Aí seu gênio inventor
Fez a máquina a vapor
A partir daquele mote
A coisa toda mudou
Depois daquela inventiva
A caldeira sobre rodas
Virou a locomotiva
Viu-se a “Maria Fumaça
Trazendo com muita raça
Nova força produtiva
O trem quando foi criado
Era muito interiorano.
Depois assumiu também
O transporte suburbano
Grande ou pequena distância
Foi crescendo de importância
E hoje é o Metropolitano.
CPTM e Metrô
Rapidez, Segurança e Qualidade de Vida é
“Os paulistas dirão
Com orgulho aos seus filhos:
-No sistema de transportes
ánão há mais empecilhos
“O futuro de São Paulo
Está entrando nos trilhos
Também se encontram nos trilhos
Variadas atrações
Shows de dança, obras de arte
Nas muitas exposições
Que ocorrem nos espaço
Internos das estações.