No último dia 22, fiscais foram flagrados e denunciados pelo Ministério Público paulista exigindo dinheiro de vendedores ambulantes que não têm licença da Prefeitura para trabalhar. Entre os presos estavam os fiscais Edson Alves Mosquera, considerado o líder do grupo, Ronaldo Correa da Silva e Nilson Alves de Abreu, o advogado Leandro Giannasi Severino Ferreira, os camelôs Ademir Batista, Juvemar Pinto dos Santos, Maria Ivanilde Lima da Silva, Manoel Severino Bezerra de Melo, Hugo de Santana Andrade, João Jorge Cunha e Liziomar Rodrigues de Souza, Georges Marcelo Eivazian, assessor lotado na Subprefeitura da Mooca, e o irmão dele, Felipe Eivazian, chefe da fiscalização daquela subprefeitura.
As investigações foram feitas pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado. A denúncia, assinada pelo promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, aponta crimes de formação de quadrilha e concussão. Os 13 denunciados tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça. Do total de 13 acusados, 11 estão presos. As investigações da polícia constataram que os bandidos arrecadaram 15,9 milhões de reais em apenas 15 meses. No Largo da Concórdia, a quadrilha cobrava semanalmente mil reais de cada um dos 500 vendedores do local, segundo o MP. No Brás, o grupo arrecadava entre 10 e 20 reais por semana de cada um dos mais de sete mil vendedores ambulantes da área, conforme a denúncia.
Os grandes comerciantes não querem
dividir nada com os comerciantes informais,
nem mesmo com o comércio autorizado pela Prefeitura …
Os guardas, além de agredir
em, roubam a mercadoria dos ambulantes.
O problema de fundo, entretanto, não está em fatos que se repetem diariamente, mas na criminalização do trabalho informal pela Prefeitura de São Paulo. Os camelôs são perseguidos diariamente pela Guarda Civil Metropolitana — GCM, apesar de serem trabalhadores que estão nessa condição por não conseguirem espaço no mercado de trabalho para o seu sustento e de suas famílias. A Prefeitura justifica a criminalização dos ambulantes, declarando que são vendidas mercadorias piratas. Segundo o Movimento dos Ambulantes de São Paulo (MASP), mais de 80% dos camelôs trabalham com artesanato. Famílias inteiras trabalhariam na produção de bijouterias, como a totalidade dos ambulantes da Ladeira Porto Geral. Quanto ao pagamento de multas para a recuperação das mercadorias apreendidas, o que acontece é que boa parte do material apreendido simplesmente desaparece no percurso até a Regional Sé, onde deveriam ser “guardadas”. E quem denuncia, passa a ser perseguido ferozmente.
A principal reivindicação do MASP — que atua na região central de São Paulo há oito anos, principalmente na Rua 25 de Março e na Ladeira Porto Geral — é a legalização do comércio ambulante, o que propiciaria a diminuição da violência contra os trabalhadores, por parte dos grandes lojistas associados a UNIVINCO (União dos Lojistas da 25 de Março, do prefeito Gilberto Kassab e da Guarda Civil Metropolitana, sendo os dois últimos braços político e armado dos comerciantes ricos). Só na região central de São Paulo, aglomeram-se diariamente, cerca de cinco a seis mil trabalhadores informais.
No passado, a maioria dos grandes lojistas da região votava religiosamente em Paulo Maluf, não só por seu reacionarismo ferrenho e seu passado de agente da ditadura militar, mas também por sua descendência. Hoje, outras máfias, como a coreana e a chinesa, disputam toda sorte de comércio ilegal. A Polícia Federal, inclusive, tem colhido muita informação a respeito do passado e do presente da região. Mas somente ter informação não basta. Seria preciso que seus chefes máximos nunca tivessem tido interesses eleitorais junto à comunidade da 25 de Março. Disputam-se fantásticos lucros. E todos querem uma parte. Os grandes comerciantes, no entanto, com apoio do estado, não querem dividir nada com os comerciantes informais, nem mesmo com o comércio autorizado pela Prefeitura. Essa é a origem dos confrontos. E a polícia — a mando da gerência municipal, grande aliada da comunidade árabe que domina a região — não dá trégua e os guardas, além de agredirem, roubam a mercadoria dos ambulantes.
Segundo depoimento dos ambulantes, certo dia a GCM agrediu uma mulher grávida de cinco meses. Ela abortou na mesma hora. Em outro caso, um ambulante foi baleado pela GCM e privado de socorro médico pelos próprios agressores. Morreu depois de duas horas, estirado na 25 de março. Isso é o cotidiano. Gente ignorante e truculenta, responsável pela ordem e pela segurança, numa região onde circulam mais de um milhão de pessoas por dia e quantidades imensuráveis de dólares. Se os guardas e fiscais passassem a levar isso em conta, tentariam roubar dinheiro de quem realmente tem. Mas o medo não deixa, com certeza, porque nessa hipótese, seriam tomadas medidas imediatas.
No 19° dia de posse do então prefeito José Serra (PSDB) — que hoje é o gerente estadual — a Associação propôs a liberação do beco da Ladeira Porto Geral, com capacidade para 100 ambulantes, portadores de barracas de até um metro cada. Os lojistas do beco vetaram a proposta. José Serra fez vista grossa e silenciou-se, sabendo a corja a quem serve, da qual os trabalhadores ambulantes certamente não fazem parte.
O MASP é uma organização que ajuda seus associados e orgulha-se em dizer que nenhum associado atrasa sua contribuição com o movimento. Quem perde sua mercadoria para a GCM é ajudado com a compra de mais itens para voltar a trabalhar. Se um associado não está com dinheiro para pagar o aluguel, ele recebe um empréstimo, podendo pagar como e quando puder. Todas as negociações são abertas para discussão e todos participam. Existe um jornal, bimestral, com tiragem de dois a três mil exemplares que são distribuídos entre os ambulantes. Eles acreditam que é necessário ter um meio de comunicação próprio já que os jornais de hoje servem exclusivamente às classes dominantes, excluindo de suas páginas a organização popular e a sua antiquíssima tradição de luta.