Conferência sobre os 80 anos da Pedagogia no 39º ENEPe
Em um auditório lotado com cerca de 600 pessoas, ocorreu a Conferência denominada 80 anos da Pedagogia, realizada durante o 39º Encontro Nacional dos Estudantes de Pedagogia (ENEPe), que contou com a presença do renomado pedagogo Dermeval Saviani, democrata brasileiro que sistematizou em uma vasta obra o desenvolvimento desta área da ciência da Nação. Saviani é um dos principais e mais importantes pedagogos brasileiros da atualidade, idealizador da Pedagogia, por ele denominada, Histórico-Crítica. Defende uma educação que se contrapõe ao ensino conteudista, prezando pela compreensão dos estudantes a partir da educação científica e sua participação crítica na sociedade.
Saviani no ENEPe
O encontro aconteceu entre os dias 22 a 26 de julho de 2019 na Universidade Federal do estado de São Paulo (Unifesp), campus Guarulhos, tendo como tema os 80 anos da Pedagogia no Brasil: histórico e desafios na formação e atuação de educadores.
Dermeval iniciou sua participação saudando os estudantes de Pedagogia, em especial o empenho da Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia (ExNEPe) em construir um encontro de maneira independente e de forma exitosa conseguir um auditório lotado. Mencionou a grande satisfação que sentia, após quase quatro décadas de encontros, mesmo em meio a um período político de adversidades, poder vivenciar tamanha “façanha” (referindo-se à grandiosidade e qualidade do evento) pois, para o mesmo, são sempre evidentes as dificuldades de realizá-lo em um país onde as classes dominantes negligenciam política e financeiramente o papel da educação na vida do povo, o que causa também um desprestígio sobre os educadores.
Realizando sua explanação a partir do desenvolvimento histórico da Pedagogia, tratou separadamente o surgimento do termo Pedagogia, ressaltando a diferença deste com o desenvolvimento da trajetória histórica da problemática pedagógica, o que para ele é o modo mais correto para caracterizar o conceito em si, configurando-se este como o ponto de partida da sua análise no encontro.
Nos momentos iniciais da intervenção, Saviani ressaltou também que a Pedagogia se desenvolveu em ligação intrínseca com a prática educativa, demonstrando que, em meados do século XIX, ainda no período revolucionário da burguesia, esta estruturou um sistema de ensino e escolarização geral, diferenciando-se do até então sistema educacional feudal de privilégio às bases aristocráticas da monarquia.
Após fundamentar a formação pedagógica naquele período, Saviani direcionou sua apresentação para a questão histórica da educação em nosso país, e expôs, por meio de sucessivos períodos, uma cronologia com os diferentes movimentos da Pedagogia que foram desenvolvidos em terras tupiniquins desde o momento da colonização, trazendo os elementos, técnicas e formas de pensar a educação que compuseram cada período. Passando desde a chegada dos invasores portugueses pelo período dos jesuítas, demonstrou que a problemática pedagógica esteve presente, antes mesmo do termo Pedagogia aparecer por aqui, afirmando que a palavra apenas chegará ao cenário brasileiro em 1826.
De fato, o curso de Pedagogia se constituiu em 4 de abril de 1939, completando em 2019 seus 80 anos. A intervenção de Saviani segue construindo toda essa espiral temporal até os momentos atuais, afirmando que, no Brasil, as classes dominantes sempre trataram de maneira precária a educação e que a luta no país com relação ao tema historicamente gira em torno de assegurar recursos destinados a ela.
A Pedagogia no Brasil
Tratada a questão da história da educação, em que o intelectual evidenciou a crise de hegemonia da burguesia como classe dominante, na qual ela abandona seus ideais de igualdade de direitos a todos, vendo-se ameaçada pelo proletariado, Saviani demonstrou como isso se reflete na realidade atual brasileira por meio de projetos como o “Escola Sem Partido”, algo que ele denomina como “escola de partidos de reacionários”. Completa, afirmando as intenções das classes dominantes: “querem instigar na cabeça dos professores a visão idealista de que a escola é apolítica, de que a escola não tem a ver com a política, e, portanto, ao assumir essa posição os professores estariam assumindo justamente o contrário do que pretendem [com a educação], que é produzir uma consciência crítica da realidade”, criando uma “suposta neutralidade”.
Saviani justificou, então, por que tal fato é impossível: “Historicamente, a educação na sociedade de classes é subordinada à política, e, portanto, acreditar que a educação seja independente da política é uma posição idealista, é realista quem reconhece a determinação da política sobre a educação”, e arrematou pontuando que esse fator determinante é histórico e que somente com o fim da sociedade de classes a educação se liberaria deste predomínio de um partido.
Saviani teceu em suas falas duras críticas também ao pós-modernismo e sua convergência com o obscurantismo, em particular ao elemento chamado multiculturalismo, que, nas suas próprias palavras, “nivela todas as formas de conhecimento, todas as manifestações culturais, e nesse sentido acaba considerando que se equivalem e, portanto, o conhecimento científico e conhecimento do senso-comum são discursos, narrativas, como são as expressões que a pós-modernidade gosta de utilizar, e se equivalem”. Ele disse ainda que para essas teorias “não cabe hierarquizá-los [os conhecimentos], não cabe dizer que um é mais consistente que outro, a própria visão científica tende a ser relativizada” e afirma que isto causa indiferenciação, nivelação e fragmentação, algo que acaba por dificultar a unificação das lutas das classes trabalhadoras para se libertar da dominação capitalista, dizendo que tais ideias operam como armadilha, utilizando da máscara de novidade para atrair adeptos, mas que suas bases ocultas são de teorias, de concepções pedagógicas existentes e reacionárias.
A ExNEPe defende, baseada nos avanços da Pedagogia histórico-crítica, que é um dos mais altos patamares que alcançou a Pedagogia no Brasil, que se desenvolve hoje em nosso país a concepção do pedagogo unitário, que é um cientista da educação baseado no tripé: pesquisa, docência e gestão, concepção forjada pela defesa de uma educação científica, nacional e que sirva ao povo, ligada à transformação de toda sociedade, servindo-se dos elementos classistas, democráticos e nacionais da teoria desenvolvida por este importante democrata e cientista.