Segredo revelado: Imperialismo inglês deportou pobres para o Brasil

Segredo revelado: Imperialismo inglês deportou pobres para o Brasil

Faz apenas algumas poucas semanas que, impactada, fiquei sabendo o motivo pelo qual a verdadeira história de minha família, os Bond, esteve encoberta durante 130 anos.

Há um forte indício de que meus antepassados britânicos, proletários e famintos, estavam entre as milhares de vítimas daquilo que hoje estão chamando de "o mais vergonhoso segredo inglês" (britain's most shameful secret). Isto é: a deportação criminosa de pessoas pobres, principalmente crianças, para as colônias e outros países dependentes do poder do império, como era o Brasil monarquista. A descoberta da quase certa ligação entre o delito do capitalismo britânico, bárbaro e hipócrita, e a tragédia pessoal que atingiu os Bond – meu tataravô George William e suas seis crianças, sem contar uma filha de 20 anos e uma neta de apenas dois meses – foi feita por um primo, Mauro Fortes Carneiro, que há algum tempo revelou-se um obstinado e cuidadoso pesquisador.

Ao contrário de mim, que nunca me preocupei seriamente com o sangue inglês que me corre nas veias, Mauro tinha um especial interesse histórico pelos nossos parentes e ficou intrigado com o manto de silêncio e névoa que lhe impedia de descobrir como, quando e porque os Bond tinham vindo parar no estado do Paraná. Dedicou-se a investigar e agora, finalmente, a verdade está aflorando do lodo fétido do imperialismo.

Livrando-se dos pobres em navios "negreiros"

O "mais vergonhoso segredo inglês" começou em 1836, quando foi assinado o Ato dos Pobres (Act of Poor), que determinava a deportação de trabalhadores miseráveis, presidiários e órfãos, para as colônias da rainha Victória. O transporte, segundo apurou Mauro, era feito em condições iguais às dos navios "negreiros".

Boa parte dos expulsos eram crianças. Cerca de 130 mil delas foram simplesmente mandadas para longe de seu país, para livrar a Inglaterra do risco de uma revolta popular oriunda de uma massa de desempregados e famélicos gerados pela Revolução Industrial e, ao mesmo tempo, impor a colonização de outras terras com "o bom estoque inglês branco".

Sobre as crianças, há relatos de trabalho escravo, casos de abusos sexuais e físicos e até suicídio. Muitas delas nem eram órfãs e foram separadas de seus pais. Os seis pequenos Bond também foram postos à venda aqui no Brasil e, por pouco, também não viraram escravos. Meu tataravô não se suicidou, mas caiu no alcoolismo e foi assassinado. Seu corpo foi enterrado em uma cova rasa à beira da estrada de Assungui (hoje rua Mateus Leme, em Curitiba) e parcialmente devorado por animais selvagens, conforme relatou o jornal inglês The Wilts and Gloucestershire Standard, na edição de 13 de setembro de 1873.

O pior de tudo isso é que, embora pouca gente saiba, o Ato dos Pobres vigorou até 1967. Isso mesmo. Até um ano depois da seleção canarinho ter ido jogar a Copa do Mundo lá nos gramados da rainha, e ter levado uma traulitada, a Grã-Bretanha ainda tinha o direito assegurado de deportar pobres!

Tentando esconder

A tentativa de dificultar a obtenção de dados sobre esses fatos foi tão evidente que apenas a partir de 1998 o governo inglês começou a permitir a divulgação, através da internet, de censos demográficos e outras informações referentes ao século XIX.

Por isso é que o primo Mauro debateu-se tanto para descobrir a saga terrível dos nossos parentes.

George William Bond, viúvo de Emma Frances Gegg Bond, ferreiro, morador de Cirencester, condado de Gloucestershire, veio para o Brasil por volta de 1872 com seus sete filhos: Clara Jane, vinte anos e sua filha ilegítima Lucy Annie Bertha de dois meses de idade; Charles, doze anos; Annie, dez anos; Emma, nove anos; Ernest William, sete anos e Alfred, de dois.

A versão oficial diz que ele veio enganado por agenciadores do Sindicato de Trabalhadores Agrícolas de Cirencester, que recebiam do império brasileiro o pagamento de uma taxa por família embarcada.

Muitos "emigrantes" recrutados não eram agricultores e, assim, várias famílias inexperientes foram atraídas pela promessa de terra e empréstimos. Na verdade, o desejo de Pedro II de importar trabalhadores brancos, visto que a escravidão negra já não interessava ao capital, adequou-se como uma luva ao espírito do Ato dos Pobres.

Se não viesse ao Brasil, certamente o excluído George William e seus pirralhos iriam dar com os costados em alguma outra terra rapinada pelos abutres de cartola e casaca.

Quem sabe na África, talvez na Rodésia (atual Zimbábue), que padeceu a infelicidade de ter que engolir um nome em homenagem a um crápula chamado Cecil Rhodes. Rhodes, milionário, financista, foi um dos principais ideólogos do imperialismo e do colonialismo. Maquinador da guerra dos Bôeres e organizador do roubo de um extenso território na África do Sul, disse ele descaradamente em 1895: "Ontem estive no East-End (bairro operário de Londres) e assisti a uma assembléia de desempregados. Ao ouvir ali discursos exaltados cuja nota dominante era: pão! pão! e ao refletir, de regresso a casa, sobre o que tinha ouvido convenci-me mais do que nunca da importância do imperialismo… A idéia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos apoderar-nos de novos territórios; para eles enviaremos o excedente de população e neles encontraremos novos mercados para os produtos de nossas fábricas e das nossas minas. O império, sempre o tenho dito, é uma questão de estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas."

Claro como água.

Marx, que lançou o livro I de O Capital em 1867 e morava na Inglaterra na mesma época que o nosso velho George, sabia muito bem o que estava dizendo.


(*)Rosana Bond é Jornalista e escritora
Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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