O Comitê ocupou a sede da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo
Nas favelas e bairros pobres da cidade de São Paulo e região metropolitana segue vigorando um autêntico massacre contra as massas. Como AND noticiou no mês passado, centenas de pessoas — na sua maioria, jovens, negros e pobres — têm sido assassinadas a sangue frio por homens encapuzados em motocilcletas ou carros não-identificados. Segundo investigações da própria polícia paulista, muitas das vítimas estariam sendo julgadas por policiais militares antes de serem executadas.
— Em vários crimes de homicídio nós detectamos que as vítimas, antes de serem mortas, tiveram seus atestados de antecedentes pesquisados pela polícia. Isso é muito emblemático — disse o próprio delegado-geral Marcos Carneiro Lima, chefe da Polícia Civil de São Paulo.
Somente em novembro, o número de pessoas assassinadas em São Paulo e região metropolitana pode ultrapassar a assustadora marca de 300 homicídios. Entretanto, somente no final do mês, o gerente estadual Geraldo Alckmin adimitiu que os crimes podem estar sendo cometidos por policiais militares. No mês de setembro, foram 135 mortes, e em agosto, 106. Em comparação com setembro de 2011, quando foram registrados 69 homicídios dolosos, o índice foi 95,6% maior. Somente entre a noite do dia 16 de novembro e a madrugada do dia 19, cerca de 20 pessoas foram mortas em ataques ou em supostos confrontos com a polícia em São Paulo e na região metropolitana.
Entre a noite do dia 21 e a madrugada do dia 22, em menos de sete horas foram 18 baleados, dos quais dez morreram na Grande SP. Entre as mortes, quatro ocorreram em supostos confrontos com a Polícia Militar.
No dia 22 de novembro, integrantes do Comitê contra o Genocídio da Juventude Negra e Periférica de SP ocuparam durante quatros horas a sede da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo. Os manifestantes queriam ser recebidos pela secretária Eloisa Arruda e pelo secretário de Segurança Pública e ex-procurador-geral de Justiça, Fernando Grella, que tomou posse momentos antes. No dia anterior o ex-secretário, Antonio Ferreira Pinto, pediu exoneração do cargo. Fernando Grella Vieira, de 54 anos, que assumiu a pasta, foi procurador-geral de Justiça do estado de 2008 a 2012 e assumiu a secretaria de Segurança Pública em março de 2009. Em 2006, durante os crimes de maio, foi convidado pelo então gerente estadual Cláudio Lembo para comandar a Secretaria de Administração Penitenciária – criada pelo próprio Ferreira Pinto em 1992, logo após o massacre do Carandiru.
No protesto do dia 22, o Comitê exigiu a desmilitarização da polícia e a responsabilização do governador Geraldo Alckmin e do ex-secretário Ferreira Pinto por serem complacentes com a violência policial que tem assolado os bairros pobres de São Paulo.
Entre os manifestantes estavam vários parentes de vítimas da matança promovida pelas polícias paulistas. Um deles era o eletricista Daniel Eustáquio de Oliveira, de 50 anos, que perdeu o filho na madrugada do dia 30 de junho. Segundo testemunhas, César Dias de Oliveira e seu amigo de infância Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos, foram executados por policiais militares.
— Quando soube que ele tinha morrido comecei a chorar. A atendente me disse que policiais o mataram porque ele tinha resistido à prisão. Na hora eu parei de chorar e disse que ia provar que meu filho era inocente. Eu nunca tive medo porque, na hora que disseram que os policiais tinham matado meu filho, eu morri junto — disse o trabalhador.
Dias depois, após uma breve investigação baseada em dados colhidos pelo pai da vítima, cinco policiais foram presos administrativamente acusados de assassinar os dois jovens com mais de 120 tiros.
— A mãe dele ficou muito desesperada, até hoje não se recuperou. Mas imagina quantas pessoas esses policiais teriam matado se eu não tivesse feito nada? — disse o eletricista.
Outra manifestante presente, a aposentada Maria José Cordeiro, teve o filho, Cássio Luan Cordeiro da Silva, assassinado no dia 30 de setembro. O caso também foi registrado como resistência seguida de morte, ou auto de resistência, já que, segundo os policiais que mataram o jovem, ele teria corrido ao ser abordado.
— Mas ele tinha tiros no coração, se tivesse fugido os tiros seriam nas costas, né? Meu filho era honesto, trabalhador. Se eu fosse rica, estava na Globo, mas como sou pobre estou aqui, na luta. E vou continuar até o fim — disse Maria José, debilitada por um acidente vascular cerebral.
Além dos assassinatos, integrantes de ONGs e movimentos sociais que atuam no interior desses bairros pobres alertam para o crescente número de jovens desaparecidos. A educadora Fabiana Ivo, da Rede de Educação Cidadã, diz que a organização tem feito levantamentos sobre os desaparecimentos. O primo de Fabiana foi alvo de um atentado em um bar na madrugada do dia 7 de novembro em Diadema, no ABC Paulista. Na ocasião, dois homens em uma moto atiraram contra um grupo de pessoas que estava em um bar. O primo de Fabiana foi atingido no braço.
— A gente tem trabalhado com levantamentos nos distritos do Campo Limpo, Jardim São Luís, Jardim Ângela e Capão Redondo. Dentro desses distritos temos recebidos informações sobre jovens, de 13 a 29 anos, que estão desaparecendo — denuncia.
Em outro caso, no dia 21 de novembro, a jovem Luciene Neves, de 24 anos, estava em um bar no bairro Jardim São Luís, zona Sul, quando um homem em uma moto disparou e atingiu seis pessoas. Além de Luciene, também morreram Marcos Faustino e um homem conhecido apenas como Alexandre. Aos fins de semana, Luciene organizava grupos de ajuda a dependentes de drogas e ex-presidiários em uma igreja do bairro.
— É violência demais, é uma dor que não passa, não tem como. Tirar minha filha que estava chegando do serviço, gente, isso é uma covardia. É família que está morrendo, são pessoas trabalhadoras, não é qualquer um, não é animal que está morrendo. Queremos justiça. Não podemos deixar de acreditar. Tudo que eu puder fazer, eu vou fazer por ela — disse a mãe da jovem em entrevista ao portal G1.
Em outro caso emblemático, no dia 10 de novembro, o servente Paulo Batista do Nascimento, de 25 anos, foi assassinado por PMs, como mostraram imagens feitas por um cinegrafista amador posicionado na varanda em frente ao local do crime. As imagens mostram o momento em que Paulo, desarmado, é rendido por policiais, executado e seu corpo colocado dentro da viatura da PM. Ao registrar a ocorrência, os policiais alegaram que abordaram suspeitos em um carro roubado, houve troca de tiros e o corpo do servente foi encontrado momentos depois em uma viela próxima ao local do suposto tiroteio.
Quatro dias depois, em São Bernardo do Campo, homens dentro de um carro dispararam contra o veículo onde estava o bebê Pedro Henrique Patrocínio Manga, de 1 ano e 8 meses, e sua mãe. Atingida na cabeça, a criança morreu na hora. Segundo investigações da Polícia Civil, momentos antes, ocupantes do mesmo carro teriam disparado contra frequentadores de um bar e assassinado um jovem de 17 anos.
— Eu não quero viver nesse mundo sem meu filho — disse a mãe da criança, Tamires Santos Silva Manga, de 22 anos.
— Eu não tenho mais como colocar nada na minha cabeça, só que mataram o meu neto. Ele era tudo pra gente. Estamos mais do que abalados, basta ver como está a minha filha. O ruim é saber que tudo isso não vai dar em nada. Não existe lei. Ele passou o dia brincando com a avó e com mãe. Quando ele me abraçava, não queria mais sair do meu colo — disse o avô materno e motorista de transporte escolar, José do Patrocínio Silva, 53 anos.
Ao mesmo tempo em que derrama o sangue do povo pobre nas ruas de São Paulo, o Estado reacionário segue ocupando permanentemente favelas na capital, zonas Leste, Norte e em Guarulhos. Desde o início da operação Saturação, foram ocupadas as favelas de Paraisópolis, São Remo e Campo Limpo. Nessas regiões, moradores denunciam que PMs têm levado a cabo invasões de residências sem mandado oficial, seções de tortura e toques de recolher.