No dia 18 de abril deste ano, entrou em vigor, em Belo Horizonte, a lei que proíbe o uso de sacolas plásticas. Ao todo, quinze capitais brasileiras1 já aprovaram leis que proíbem ou limitam a utilização da sacolinha em estabelecimentos comerciais e outras sete2 possuem algum projeto em tramitação. Essas sanções, restritas ainda às esferas municipais, tem gerado muita polêmica, dos arautos da “sustentabilidade” aos supermercados.
A campanha de “combate à sacolinha”, fantasiada pelo ecodiscurso, tem conquistado muitos adeptos bem intencionados, que carregam e acreditam honestamente nessa falsa bandeira criada pelas grandes corporações e difundida pelo monopólio de comunicação.
Discute-se a ponta do iceberg para fugir do problema principal (produção de plástico) e da sua causa natural (sistema capitalista). Olhe ao seu redor e veja como está cercado de plástico. Pense na última compra de supermercado e veja quanto plástico você comprou. Proibiram-lhe de fazer isso? Claro que não, obrigaram-lhe a pagar por todo plástico da indústria. Pagar pelas sacolinhas você sempre pagou, pois elas vinham embutidas no preço, mas as biodegradáveis irão gerar muito mais lucro aos grandes capitalistas desse setor, além dos seus beneficiários indiretos, como a indústria petroquímica, justificando a criação de mais uma necessidade.
Necessidade esta suprida apenas pela Braskem, maior petroquímica das Américas e terceira maior produtora de polipropileno do mundo, que detém, praticamente, 100% do mercado brasileiro de resinas (matérias-primas utilizadas na indústria do plástico), incluindo o chamado “plástico verde”. Depois de uma série de discussões, o Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – aprovou, no dia 23 de fevereiro de 2011, a compra da empresa Quattor pela Braskem, autorizando a formação de um monopólio. A Braskem, que aumentou seu lucro líquido de R$ 398 milhões (2009) para R$ 1, 889 bilhão (2010) terá, em 2011, um aumento considerável com o monopólio das sacolinhas biodegradáveis.
O impacto ambiental da indústria do plástico está mais ligado ao processo de monopolização do mercado e a busca pelo lucro máximo, do que a matéria-prima em si, que poderia ser ou não o plástico. A hipocrisia do ecodiscurso e sua inviabilidade prática residem nesta contradição escondida pelos pseudo-‘ecologistas’ que servem ao monopólio.
De acordo com o Relatório Anual da Associação Brasileira de Celulose e Papel, o país produziu, em 2009, 9.428.475 toneladas (t) de papel e consumiu apenas 3.914, 4t de papel reciclado, mostrando que esta produção também pouco tem de sustentável. Se 1t de papel representa de “2t a 3t de madeira, uma grande quantidade de água (mais do que qualquer outra atividade industrial) e muita energia (5º lugar na lista de consumo)” (IDEC, 2006)3, fazer saquinhos com esta matéria-prima é realmente melhor? Plástico, papel ou ecobags, qual impactaria menos a natureza?
As ‘ecobags’ feitas de algodão causam mais impacto ambiental que as sacolinhas proibidas feitas de polietileno de alta densidade (PEAD), mostra a pesquisa da Agência do Meio Ambiente britânica. Já a atual vilã, em nove das 10 categorias, teve o menor impacto ambiental, pois as ‘ecobags’, para produzirem o efeito anunciado, precisariam ser utilizadas todos os dias do ano. No entanto, elas são descartadas, em média, depois de 51 utilizações.
Agora, somos seduzidos a comprar as ‘ecobags’ da moda e escolher entre vários modelos e marcas. Depois dessa, ainda querem nos convencer que são sustentáveis e contrários ao descarte. As manipulações do sistema para justificar novas necessidades, vão se aperfeiçoando e acompanhando seu contexto, a ponto de esconder o lado profano do sistema no manto verde-esperança do ecodiscurso. E mais, convencer as pessoas de suas boas intenções, como se fosse possível mudar o sistema dentro dele.
Além disso, somos obrigados a comprar sacolinhas biodegradáveis por R$0, 19 ou mais, pois é comum ver os estabelecimentos lucrando em cima delas. E sacos de lixo com um preço exorbitante para substituir as sacolinhas que reutilizávamos anteriormente e que agora dizem: entopem bueiros e tubulações provocando enchentes, impedem a circulação de gases no lixão e no aterro sanitário, atrapalha a degradação de outros materiais, etc. Mas se ele provoca tudo isso, porque proibiram apenas um tipo de plástico?
Você não pode consumir as sacolinhas tradicionais, mas o monopólio Coca Cola pode produzir garrafas pets à vontade. Você tem que ser um “consumidor consciente”, mas as corporações não precisam ser “sustentáveis”. Você tem que mudar seus hábitos de consumo, mas o USA pode se negar a assinar o Protocolo de Kioto. Conclusão, você deve ser o culpado da história e não a vítima do problema.
Acreditar num “capitalismo mais sustentável”, a partir de mudanças de hábitos individuais de consumo é crer em ilusões. E prometer que é possível domá-lo, através do pacifismo verde, como se fosse possível humanizar este sistema, é disseminar falsas esperanças. O capitalismo de amanhã sempre será mais selvagem que o de hoje.
A lei que proíbe ou limita o uso de sacolinhas plásticas provavelmente chegará a outras cidades e até mesmo à esfera federal. Mas isso partirá das grandes corporações, as verdadeiras interessadas e grandes influenciadoras, e não pela pressão popular de um grupo de consumidores que aderiram à campanha, como mostra o monopólio da comunicação.
Diante da selvageria sustentável, própria da atual fase do capitalismo, o fim das sacolinhas está longe de representar algum avanço rumo à decantada “sustentabilidade”. O ecodiscurso capitalista fala hipocritamente de preservação ambiental, no momento em que visivelmente mais viola a natureza e a própria humanidade.
1 Aracaju (SE), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Natal (RN), Palmas (TO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Luís (MA), São Paulo (SP), Teresina (PI) e Vitória (ES).
2 Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Macapá (AP), Maceió (AL), Manaus (AM) e Salvador (BA).
3 O papel e os impactos da sua produção no ambiente, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, São Paulo, abril de 2006.